A voz profética da Igreja se levanta contra as reformas
Mais de 100 bispos apoiaram publicamente a greve. Desde a ditadura não acontecia uma mobilização dessas proporções pelo alto clero da Igreja do Brasil.
Bispos da Igreja Católica no país se reúnem no Santuário Nacional de Aparecida (SP), interior de São Paulo, para a 55ª assembleia geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Por Robson Sávio Reis Souza*
A estratégia de mobilização que articulou os movimentos sindicais, sociais e eclesiais para a greve geral realizada no último dia 28 de abril foi exitosa. Mais de 35 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, e as ruas de centenas de cidades foram tomadas pelos trabalhadores.
Destaque especial seja dado à participação de lideranças da Igreja Católica – instituição que tem um dos maiores índices de credibilidade entre a população brasileira. Mais de 100 bispos, cerca de 1/3 do episcopado na ativa, apoiaram publicamente a greve. Desde a ditadura não acontecia uma mobilização dessas proporções pelo alto clero da Igreja do Brasil.
Se as manifestações havidas até então foram marcadas pela articulação e participação de movimentos sindicais e sociais, o salto qualitativo e quantitativo da greve geral certamente deve ser atribuído a participação contundente de movimentos eclesiais, conclamados pelas lideranças cristãs, especialmente os bispos católicos.
Dois dias antes da megaparalisação, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, disse: "O Brasil vive um momento particular de sua história, uma crise ética. Há situações de enorme complexidade nos quais estão envolvidos personagens do cenário político, sem falar da crise econômica que atinge a todos. Como encaminhar mudanças sem o respaldo da sociedade? Propostas de reformas que tocam na Constituição Federal, no sistema previdenciário, na CLT merecem estudo, pesquisa e aprofundamento. Sem diálogo não é possível criar um clima favorável que vise o bem do povo brasileiro.”
No dia da greve, em entrevista ao vivo à Rede Aparecida (uma das maiores emissoras católicas do país, transmitindo com exclusividade a 55ª Assembleia Geral da CNBB, que ocorre no Santuário Nacional), o bispo-auxiliar de Belo Horizonte e reitor da PUC Minas conclamava: "Vivemos um tempo de democracia participativa. Que aqueles que foram eleitos para concretizar a democracia representativa sejam sábios para escutar o clamor dos cidadãos. Nunca tivemos um momento como este com tanta convergência para um pensamento totalmente contrário ao que está sendo proposto pelo governo. Só há um caminho para o povo brasileiro: sair para as ruas e dizer que não está satisfeito, que não quer este caminho que está sendo imposto pelo governo."
A greve geral é um instrumento a ser praticado em momentos específicos da conjuntura sociopolítica, quando há condições objetivas de adesão massiva dos trabalhadores e, simultaneamente, a possibilidade de se gerar um poderoso movimento de transformação; no caso, visando à superação de um golpe que levou ao poder uma coalizão que atenta contra os direitos dos trabalhadores, aposentados, grupos vulneráveis.
Mesmo com o desdém, a mentira, a manipulação e o terrorismo implantado pela mídia e seus comentaristas na véspera e durante todo o dia 28, a paralisação foi o maior movimento reivindicatório do operariado brasileiro e ganhou destaque na imprensa internacional.
Há momentos na história de um povo e de uma Nação que os cidadãos e as instituições democráticas, populares e eclesiais são colocados à prova. Nesses momentos há que se dar um salto qualitativo.
Como escreveu o filósofo Vladimir Safatle, para os que tentam se legitimar contra o povo “a greve geral foi criada. Ela é a mais legítima de todas as manifestações políticas, pois, no seu cerne, está a recusa em se deixar desaparecer. Ela é a maneira profunda que o povo tem de dizer: ‘Nós existimos’. Nós existimos como sujeitos, como os verdadeiros soberanos.”
Numa democracia não é possível um governo sem povo; sem o mínimo de respeito aos verdadeiros soberanos.
É insustentável que um grupo político atolado na corrupção e sem compromisso com o povo e Nação – refém do capitalismo rentista e subjugado pelos chantagistas do sistema judicial-midiático – continue usurpando o poder para se locupletar e agradar seus financiadores do setor econômico.
É absurdo, que clama aos céus por justiça, um governo que, com 4% de aprovação popular, rasga a Constituição Cidadã e a substitui por uma constituição anticidadã.
É insuportável que a pauta política seja dominada e imposta não pelos interesses populares, mas por uma mídia apodrecida no desvario da desinformação e da manipulação; serviçal dos rentistas e algoz do povo.
Não se pode aceitar mais que empresas de comunicação que operam como concessão pública – com obrigação constitucional de informar e não manipular –, continuem a impor sua agenda nefasta em detrimento dos interesses de uma Nação.
A violência operada pelos projetos políticos do governo golpista e seus sócios, concretizada nas medidas antipopulares e antinacionais em curso, nos desafiam à construção de novos caminhos, de forma ousada e revolucionária.
Que o clamor que vem do episcopado brasileiro (reunido em Aparecida na 55ª Assembleia anual da CNBB), através da mensagem de 1º de maio para os trabalhadores, seja o começo de uma revolução cidadã. Todos unidos na luta pela garantia e ampliação dos direitos neste país ainda marcado profundamente pela injustiça e pelas desigualdades (econômicas, de gênero, sociais, étnicas). Essa é uma revolução profundamente cristã, “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).
Robson Sávio Reis Souza é licenciado em Filosofia (PUC Minas); doutor em Ciências Sociais (Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas); mestre em Administração Pública (Gestão de Políticas Sociais - Escola de Governo da Fundação João Pinheiro); especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG) e especialista em Teoria e Prática da Comunicação (Universidade São Francisco - SP).
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