quarta-feira, 31 de maio de 2017

Doria e a arbitrariedade na Cracolândia, por Aldo Fornazieri

Doria e o nazismo na Cracolândia

Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN:

Em nome do combate ao tráfico de drogas, da cidade linda e da reurbanização da região da Luz, o prefeito Dória, com o apoio do governo do Estado, desencadeou um verdadeiro pogrom na região da Cracolândia. Pogrom é um termo de origem russa nascido para designar as ações de massacres contra judeus no século XIX. Mas o termo se generalizou e designa ações violentas (assassinatos, expulsões e agressões) praticadas pelo Estado, por forças policiais ou paramilitares contra grupos sociais ou étnicos específicos.

Essas ações transitam desde massacres e extermínios até a dispersão e o desalojamento geográfico desses grupos vitimizados. O nazismo usou os pogroms em larga escala. O pogrom nazista mais famoso é conhecido como "A Noite dos Cristais", ocorrido em 1938, no qual foram queimadas sinagogas, judeus assassinados, lojas saqueadas e destruídas, tudo com o beneplácito do Estado nazista.

O pogrom oficial de Dória não chegou a tanto, mas teve dispersão de uma comunidade de doentes e dependentes químicos, várias bombas, agressão policial, lojas fechadas, pessoas despejadas, derrubada de casas sobre moradores, interdição de áreas com uso de força armada, trabalhadores e crianças saindo apenas com a roupa do corpo e pessoas proibidas de entrar em suas próprias casas. Expressando a ideologia típica da elite branca dos Jardins, o prefeito Dória mostrou-se valente contra doentes e moradores de rua e, no alto da sua arrogância, decretou, por ato de vontade, o fim da Cracolândia para todo o sempre. Governar por atos de vontade e ao arrepio da lei é uma conduta típica dos totalitários de todos os tipos e do nazismo em particular.

Com os sucessivos desastres na Cracolândia ao longo da semana, a fama de bom gestor de Dória virou pó, provocando, inclusive, a demissão de sua Secretária de Direitos Humanos que classificou a operação de "desastrosa". O manual de arrogância e violência de Dória contrasta com todas as recomendações internacionais, técnicas e médicas que são taxativas em afirmar que a questão da dependência química é uma questão de saúde pública e não uma questão policial ou criminal. O grande gestor insurgiu-se contra a prudência desse consenso do bom senso. O resultado foi a criação de várias cracolândias e de uma nova Cracolândia, ainda maior, na Praça Princesa Isabel.

O outro quase consenso contra o qual Dória se insurgiu é o de que a estratégia da Guerra às Drogas fracassou. Estudos e a experiência internacional mostram que a Guerra às Drogas, até agora, proporcionou gastos de trilhões de dólares e atingiu principalmente pequenos produtores, traficantes intermediários e os consumidores. Na ação espetaculosa do prefeito contra a Cracolândia foram presos 38 traficantes e apreendidas algumas armas. O que consta é que nenhum desses presos é um grande traficante, um chefe do tráfico em São Paulo. Ou seja, os extraordinários gestores de São Paulo estão enxugando gelo.

Não satisfeito com o desastre de sua violência contra doentes indefesos, o prefeito quis ir mais longe no seu autoritarismo. Anunciou internações forçadas de dependentes químicos e buscou o respaldo na Justiça para perpetrar este ato contra a liberdade das pessoas e contra os direitos civis de doentes. Um juiz, cuja qualificação é inominável, concedeu o aval para o arbítrio, mas logo derrubado pelo desembargador Reinaldo Miluzzi. Em seu despacho o desembargador afirma que o pedido da prefeitura é "impreciso, vago e amplo e, portanto, contrasta com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, porque concede à municipalidade carta branca para eleger quem é a pessoa em estado de drogadição vagando pelas ruas de São Paulo". Ou seja, o desembargador compreendeu o caráter arbitrário emboscado na petição da prefeitura. Além disso, ele suspendeu o sigilo judicial do pedido, pois isto fere o mais elementar princípio democrático que é o da publicidade e transparência dos atos dos agentes públicos.

Um prefeito contra a cidade

Como se sabe, o consenso médico, técnico e jurídico admite a internação compulsória em casos especiais e com medidas adequadas, sempre a partir de uma abordagem e avaliação individualizadas do dependente. Dória se insurge contra este consenso, não por conta de erro ou de não compreensão das circunstâncias, mas pelo capricho autoritário de querer fazer valer a sua vontade. Vontade que, no caso da Cracolândia, mistura ideologia autoritária, rejeição aos pobres e moradores de rua, racismo, interesses econômicos, especulação imobiliária e pressa em se projetar nacionalmente em face de sua aspiração de ser candidato à presidente da República no próximo ano.

Várias das principais ações de Dória até o momento mostram que ele governa contra a cidade. No caso da Cracolândia, esta sucessão de erros, este ataque ao bom senso e à prudência, são demonstrações de desumanidade e de falta de piedade para com aqueles que precisam de ajuda em face de sua desgraça. O prefeito mandou cortar parte do programa Leve Leite, um programa suprapartidário, pois foi criado por Maluf e mantido por Pitta, Marta, Serra Kassab e Haddad. Da mesma forma, a Virada Cultural, tal como vinha sendo editada, abrigava um consenso suprapartidário, pois os últimos prefeitos, independentemente de partidos, mantinham o mesmo formato. Em sua fúria destruidora, a gestão Dória a modificou, resultando num fracasso.

No seu excesso de esperteza, o prefeito vem fazendo o seguinte: rebatiza programas de gestões anteriores como se fossem novos e paralisa os programas anteriores sem tirar do papel aqueles rebatizados. Vive mais em eventos, festividades, em viagens para Dubai, Seul, Europa e Estados Unidos para promover negócios privados enquanto abandona a cidade à sua própria sorte. Semáforos apagados, buracos nas ruas, lixo espalhado, falta de zeladoria, hospitais municipais sem remédios e leitos, trânsito cada vez mais lento é o que não falta.

Dória não está fundamentalmente focado em governar a cidade de São Paulo. Quer ser presidente. Para isso, busca criar um culto em torno de si. Quer conquistar devotos a partir da imagem de que ele é um grande gestor, um grande transformador. Faz promessas grandiosas, anuncia programas mirabolantes, zera filas, acaba com Cracolândias, faz e desfaz a cidade. A dor, o desemprego, a trágica desgraça dos drogados e dos moradores de rua, as horas perdidas no trânsito, o crescimento das mortes nas marginais, tudo se transforma em "cidade linda" sem que nada aconteça e mesmo que as condições da cidade piorem. Com esse passe de mágica, os devotos crescem, principalmente fora de São Paulo.

Dória inventa títulos entusiasmados para programas que não existem, anuncia o começo e o fim de tudo, sem que nada mude, usa palavras envernizadas para ações que não são nem explicadas e nem detalhadas. No seu manual, ensina-se que é preciso combinar promessas vagas com conceitos nebulosos mas atraentes, tudo embrulhado no entusiasmo ardente da demagogia. Se algo sair errado, Dória se retira de campo e terá sempre um secretário, um auxiliar ou um inimigo como bodes expiatórios.

Para Dória não importa a dor da família dos drogados, não importa o vazio da alma do dependente químico, não importa da desgraça do morador de rua, não importam as atribulações dos trabalhadores, não importam as angústias dos desempregados, não importam a falta do pão e do leite para as crianças. Tudo isto é coisa feita, que atrai mais desgraça. O que importa para ele é o brilho do poder pelo poder, as luzes das festas, a fama da celebridade, o arrogante conforto da riqueza. Dória é o mais lídimo representante da ideologia perversa da elite branca dos Jardins. Esta mesma ideologia que interdita diretos, hipoteca o futuro do povo e condena o Brasil a um passado eterno de iniquidades e injustiças.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Não se fazem reformas dessa envergadura nesse cenário de ilegitimidade


 A reforma da Previdência e as confissões do açougueiro

por Eduardo Fagnani - Carta Capital

Não se fazem reformas dessa envergadura sem a legitimidade do voto popular e sem integridade ética

Neste cenário de ilegitimidade cataclísmica, é preciso estancar as reformas em curso, baseadas em falácias e diagnósticos rudimentares

 Reformas da Previdência são necessárias. Mas quais reformas? Alguma reforma fiscalista que destrua o principal mecanismo de proteção social com que os brasileiros contam? Ou reforma que elevará o número de brasileiros idosos em situação de pobreza extrema, de 0,8% para mais de 50% da população total?
Reformas dessa envergadura têm reflexo direto na vida presente e futura das famílias. A Assistência Social e o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) concedem cerca de 35 milhões de benefícios. Direta e indiretamente são mais de 100 milhões de brasileiros assistidos. Cerca de 70% deles recebe benefício médio de 1.197 reais (aposentadoria por idade); e 30% em torno de 2.304 reais (por tempo de contribuição).
Reformar sem debater com a sociedade é inaceitável. Com a democracia aviltada e o debate interditado, como vivemos hoje no Brasil, prevalece a ditadura do pensamento único dos interlocutores das finanças difundido pela imprensa.
A democracia não é mercadoria, e não se "vende" reforma previdenciária como se vende sabonete. Não se fazem reformas sociais com diagnóstico ginasiano rudimentar baseado em falsas premissas. Nos últimos vinte anos, foram feitas quatro grandes reformas da Previdência. Elas não serviram para nada? Onde, afinal, reside o problema? Na Previdência do Setor Público ou no RGPS? Na aposentadoria dos pobres – aquelas 35 milhões de famílias do RGPS que recebem, em média, menos de dois salários mínimos – ou na aposentadoria dos membros do Judiciário (25,7 mil reais, em média) e do Legislativo (28,6 mil reais), por exemplo?
Se o problema é o Servidor Público, trata-se de um problema de "fluxo" (novos servidores que entraram no serviço público após a reforma concluída em 2012, após 14 anos de tramitação), ou de "estoque" (os servidores que entraram no serviço público antes de 2012)?
Aquela reforma iniciada em 1998 e concluída em 2012 não resolveu o problema dos novos ingressantes? Que problemas persistem? Haverá aposentadoria de "marajá" do setor público em 2060? Servidores públicos que compõem o "estoque" não morrem? Quantos estarão vivos em 2060?
Seria prática de boa democracia manipular a opinião pública com exemplos marginais, que já foram equacionados no futuro, para justificar a imposição de perdas à maioria dos que recebem aposentadoria inferior a dois salários mínimos?
Será verdade que "o Brasil não exige idade mínima" para aposentadoria? Ou ela existe desde os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) criados na década de 1930? A idade mínima não foi talvez mantida pela Lei Orgânica da Previdência Social (1960) e pela Ditadura Militar? E não foi ratificada pelo artigo 201 da Constituição Federal?
Brasília sitiada
Com o debate interditado, prevalece a ditadura do pensamento único dos financistas (M. Camargo/ABr)
As aposentadorias são "precoces"? Quanto representam no total? Trata-se de fato estrutural ou marginal? Essa pretensa questão não foi resolvida em 2015 pela lei do "Fator Progressivo", que em 2026 chegará a 100/90?  Quais são os problemas remanescentes? E a reforma das Pensões? Não foi feita em 2015?
Em síntese, para reunir todas essas perguntas em uma única: o Brasil precisa de reforma estrutural ou de reforma tópica? Estando interdito o debate, como está agora, só prosperam por aqui a desinformação e a pós-verdade. A estratégia antidemocrática baseia-se no terrorismo econômico. Argumentos rasteiros construídos não para esclarecer e ilustrar, mas para meter medo, fazem crer que o destino da nação depende única e crucialmente do êxito da reforma fiscalista da Previdência. 
Se houvesse debate, a sociedade teria ao menos uma chance de saber que o tão falado suposto "déficit" da Previdência é "argumento" que finge que não vê e despreza o que determina a Constituição da República. Com debate, a sociedade saberia que a Constituição de 1988 na verdade ratificou o sistema tripartite de financiamento das aposentadorias (empregadores, trabalhadores e governo) vigente no Brasil desde os Institutos de Aposentadoria e Pensão instituídos na década de 1930. Um sistema modernizado pelos constituintes, inspirando nos regimes de Bem-Estar Social dos países industrializados que o adotam desde o final do Século XIX. Não no Brasil 2017. Aqui, o aporte que compete ao governo, como determina a Constituição, é considerado "déficit".
Economistas não conseguem acertar nem as mais simples projeções trimestrais. Mas os sábios de Brasília querem nos fazer crer que "sabem", com a precisão milimétrica oferecida por planilhas de Excel, da "catástrofe" nas contas da Previdência que "ocorrerá" daqui a 40 anos. Como acreditar em antevisões do futuro, se não há modelo atuarial adequado? Só palpites sem base científica e sem relevância estatística, construídos por "marqueteiros" para gerar terror.
Henrique Meirelles
Como acreditar em antevisões de Meirelles e cia, se não há modelo atuarial adequado? (Marcelo Camargo/ABr)
Quantos velhos temos hoje? Quantos teremos em 2060? O governo não sabe. Problemas metodológicos nas bases de dados do IBGE mostram diferença de 8 milhões de idosos, como já observado em estudo do Dieese. Um governo que não sabe nem quantos velhos temos hoje tem credibilidade para sentenciar alguma futura catástrofe demográfica?
É fato que a população está envelhecendo. Mas quem disse que "não há alternativas"? Nenhuma democracia desenvolvida jamais enfrentou esse problema? Nunca na história do mundo alguma democracia superou com sucesso esse desenvolvimento natural da vida? Claro que sim! E como fizeram? Não temos capacidade para propor alternativas hoje, para um problema previsto para nos alcançar daqui a 40 anos? Nesse caso, para que servem o Ministério de Planejamento e o Ipea, por exemplo? 
Hoje, cerca de 50 milhões de trabalhadores estão na informalidade e não contribuem para a Previdência. E se fossem incluídos no mercado de trabalho formal e passassem a contribuir? Não financiariam a aposentadoria de cerca de 58 milhões de idosos que, supostamente, teremos em 2060? A razão de dependência de idosos não melhoraria? O problema é a demografia? Ou é a ausência de modelo de desenvolvimento adequado às necessidades do País?
Sim, haverá menor proporção de trabalhadores contribuintes, para maior número de aposentados. Mas o financiamento da Previdência depende unicamente da contribuição do trabalhador ativo? O que ensina, por exemplo, a experiência da socialdemocracia europeia? Ensina que o financiamento da Seguridade Social (que contempla a Previdência) é preponderantemente integralizado pela “contribuição do governo” e pela “contribuição dos empregadores” (respectivamente, 46% e 34% do total).  E a Constituição de 1988? Ela não teria se inspirado nesse modelo? O que rezam os artigos 194 e 195?   
Em plena Quarta Revolução Industrial (inteligência artificial, robótica, impressão 3D, etc.), que aprofundará a corrosão dos empregos, o financiamento da Previdência deveria continuar ancorado na base salarial? Qual a experiência de outros países? É razoável fazer projetos para os próximos 40 anos, raciocinando sobre a hipótese de que o cenário do mercado de trabalho em 2060 venha a ser o mesmo que o mundo conheceu em 1960?
O diagnóstico ginasiano rudimentar (e mal-intencionado) conduz a propostas indecentes que, em última instância, limitam o direito a proteção na velhice. Como mostram os dados, a imensa maioria dos brasileiros não têm condições sequer de cumprir 25 anos de contribuição para ter acesso à aposentadoria parcial.
Manifestante contra a reforma da Previdência
A pergunta central é: o Brasil precisa de reforma estrutural ou de reforma tópica? (Paulo Pinto/AGPT)
Como afirmar que a reforma "não atinge os pobres", como prega certa elite intelectual, burocrática e jurídica, bem como a incansável propaganda que os rádios repetem sem parar? Quem é pobre? Só seriam pobres os que recebem menos de 2 dólares por dia, como arbitrado pelas agências internacionais? E os 79% dos trabalhadores que recebem até dois salários mínimos? São ricos?
É justo que o acesso ao benefício assistencial (portadores de deficiência e quem tenha renda per capita de até um quarto de salário mínimo) requeira idade mínima (68 anos) superior à exigida para magistrados (65 anos), que têm estabilidade no emprego, salários acima do teto constitucional e folha de pagamento repleta de "penduricalhos"? Se querem "combater privilégios", por que não escrevem sequer uma linha sobre a injustiça tributária, as isenções fiscais, a licença para sonegar (sempre premiada por sucessivos e impagáveis "refinanciamentos") e com a obscena transferência de renda para os rentistas, por meio de juros?
Em nome do "fim dos privilégios", querem unificar as regras para todos os segmentos e, assim, impor ao trabalhador rural do Nordeste regras semelhantes às que são definidas para um Promotor Público de São Paulo. É justo tratar os desiguais como se fossem iguais?
Favela
Mais de 65% dos municípios têm IDH equiparados a países africanos (Tânia Rêgo/ABr)
É justo um País de longo passado escravocrata inspirar-se nos regimes previdenciários de países desenvolvidos, se menos de 1% dos municípios brasileiros possuem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhantes àqueles, e mais de 65% dos municípios têm IDH equiparados a países africanos?
É justo impor regras mais duras que as praticadas em nações mais igualitárias, posto que, em muitas daquelas nações, a aposentadoria parcial pode ser obtida por volta dos 60 anos, e não se exige tempo de contribuição? 
É justo desconsiderar que, no Brasil, desigual e extremamente heterogêneo, a "média nacional" de diversos indicadores não reflete as diferenças regionais?
A pressa para atender aos interesses dos poderosos, o diagnóstico rudimentar ginasiano ou mal-intencionado, a fragilidade dos argumentos conduzem ao que há de mais deplorável no sistema político brasileiro: o clientelismo rasteiro, o "voto de cabresto" baseado em chantagens.
E o que dizer do suposto "refinanciamento" (por 20 anos, renegociáveis a cada cinco anos) dos cerca de 1,4 bilhão de reais devidos pelos sonegadores, aí incluídos senadores e deputados? E do perdão da dívida do agronegócio, com a Previdência Rural? E do refinanciamento da dívida dos Estados e Municípios inadimplentes, com a Previdência Social? E as negociações com a bancada evangélica, em troca de concessões de rádios e TVs e isenção de IPTU de templos religiosos alugados?
Argumenta-se que os críticos da reforma da Previdência não têm propostas. Temos, sim! Mas, como se vê, o buraco é mais em baixo.
Não se fazem reformas sociais com o rolo compressor de governos antidemocráticos, com desprezar o conhecimento técnico acumulado pelas instituições de pesquisa da sociedade e sem buscar consensos com os diversos segmentos – o que só se faz mediante debate honesto e qualificado.
E, sobretudo, não se fazem reformas dessa envergadura sem a legitimidade do voto popular e sem integridade moral e ética dos governantes. Esse fato, cristalino na vigência da etapa de "estancar a sangria" pela qual passa hoje o Brasil, ganhou contornos dramáticos, com as veias abertas pelas confissões do açougueiro que virou dono de frigorífico. Neste cenário de ilegitimidade cataclísmica, não há outro caminho senão estancar as reformas em curso.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Multidão em Copacabana pede Diretas Já

No RJ, mais de 100 mil pelas Diretas-Já

Da Rede Brasil Atual:



Cerca de 100 mil pessoas foram à praia de Copacabana, no Rio, neste domingo (28), para participar do ato promovido por artistas e movimentos populares, exigir a saída do presidente Michel Temer e a realização de eleições diretas. A estimativa é dos organizadores. A Polícia Militar não divulgou estimativa. O ato-show começou por volta das 11h e foi até as 18h30. Reuniu intelectuais, músicos, atores, parlamentares e lideranças sindicais. Destaques para Caetano Veloso, Milton Nascimento, Mano Brown, Rappin Hood, Mart'nália, Teresa Cristina, Criolo, Cordão da Bola Preta,, Otto, Maria Gadú, BNegão, Elisa Lucinda, os atores Vagner Moura, Gregório Duvivier, Osmar Prado, Antonio Pitanga, Bemvindo Siqueira, entre outros.

As apresentações musicais foram intercaladas com discursos que terminavam em coros de "Fora, Temer!" e "Diretas Já". Sem presença ostensiva de força policial, o ato transcorreu o tempo todo de forma pacífica e nenhum incidente foi registrado.

"A gente tem hoje um presidente ilegítimo, impopular e criminoso. E esse Congresso, com maioria investigada por crime de corrupção, não tem moral para eleger um novo presidente, não pode. Só as eleições diretas vão tirar o país desse buraco em que a gente está hoje", defendeu Gregório Duvivier.

Cantora, poeta e atriz, Elisa Lucinda fez um pronunciamento em favor do amadurecimento da cidadania e da democracia brasileiras, e dos direitos dos trabalhadores. "Dirão para eu deixar de ser boba, porque desde Cabral todo mundo rouba. Eu digo que não, esse será meu Carnaval, só com o tempo a gente consegue ser ético e livre, e não admito que tentem tirar minha esperança. Não dá para mudar o começo, mas podemos mudar esse final."

O presidente da CUT, Vagner Freitas, e o coordenador da Frente Povo Sem Medo, Guilherme Boulos, reafirmaram a disposição para a mobilização popular pelo restabelecimento da normalidade democrática no país.

Freitas afirmou que vai chamar greve geral caso as reformas continuem tramitando no Congresso. "Não adianta o 'Fora, Temer!' e manter as reformas. Por que a Globo golpista quer derrotar o Temer? Porque eles acham que o Temer não consegue aprovar as reformas, então eles querem colocar um golpista pior para acabar com nossa aposentadoria. Deixo um comunicado a todo o povo: se as reformas continuarem, já convoco os trabalhadores e trabalhadores a fazer a maior greve geral da história do país".

"Esse grande ato-show pelas 'Diretas Já' vai além dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda. Esse movimento representa os 85% da população brasileira que quer escolher seu presidente. A população sabe que a única saída para a crise política é chamar o povo a decidir. Hoje o grito é em Copacabana, mas esse movimento vai tomar o país nas próximas semanas", afirmou Boulos.

Parlamentares também marcaram presença no ato. "Para aqueles que falam que não existe solução jurídica para fazer diretas, eu digo que isso é falso! Na terça-feira vamos votar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado a PEC das Diretas. E já vamos mandar um recado para aquele Congresso: nós não vamos participar de nenhuma eleição indireta! Só o povo pode dar legitimidade a um novo presidente da República!", disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

"A gente está onde a gente deveria sempre estar, nas ruas. Chegou a hora de derrotar a cultura do golpe, tem de ter eleições diretas imediatamente", afirmou o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol-RJ).

Entre as atrações mais esperadas, Caetano Veloso e Milton Nascimento optaram por não discursar, como fizeram outros artistas. Caetano, que subiu ao trio elétrico por volta das 17h, soltou um "Fora, Temer!", antes de começar sua primeira música, Podres Poderes, que cantou acompanhado por Maria Gadú. Milton cantou Paula e Bebeto, Coração de Estudante e Nos Bailes da Vida.

O ato-show foi encerrado por BNegão que lembrou um de seus primeiros sucessos, A verdadeira dança do patinho, com parte da letra adaptada ao cenário político brasileiro, desde a movimentação pelo impeachment de Dilma Rousseff.

sábado, 27 de maio de 2017

OMS condena internação compulsória para Cracolândia

Internação compulsória defendida por Doria para Cracolândia é forma de tortura, diz OMS

Organização Mundial da Saúde alerta que medida não resolve o problema e recomenda abordagem multidisciplinar para redução de danos e liberdade para o dependente escolher seu tratamento
por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual
MÁRCIA MINILLO
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Símbolo da resistência dos usuários ao desmonte do programa baseado na redução de danos
São Paulo – Contrariando expectativas do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos conselhos regionais de Medicina e de Psicologia, entre outros, além de movimentos sociais e organizações que atuam na região da Luz, centro de São Paulo, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, acatou na noite de ontem (26) pedido da Prefeitura de São Paulo que autoriza médicos do serviço municipal de saúde a avaliar e internar a força usuários de crack pelo período de 30 dias. As entidades ainda podem entrar com recurso contra a decisão.
Esta é a primeira vitória do prefeito João Doria (PSDB) desde que deu início a uma série de intervenções truculentas na região conhecida como cracolândia, na madrugada de domingo (21), quando cerca de 600 policiais militares e da Guarda Civil Metropolitana foram às ruas do bairro e atacaram as pessoas, sob pretexto de prender traficantes. Na operação, foram usadas dezenas de bombas de gás lacrimogêneo e disparados tiros de balas de borracha. Muitos soldados portavam até armas de fogo, segundo relatos. A violência continuou nos dias seguintes, com casas arrombadas e reviradas, pertences destruídos, expulsões de moradores, interdições e demolições, inclusive com pessoas dentro dos imóveis.
Com os impactos das operações, Doria acabou unindo, contra si e o governador Geraldo Alckmin (PSDB), promotores e defensores públicos, especialistas em saúde, assistência social, educação, parlamentares, movimentos sociais, parte da imprensa e até mesmo sua secretária de Direitos Humanos, a psicóloga e vereadora Patrícia Bezerra (PSDB) – no mesmo dia em que a Procuradoria Municipal ingressou com o pedido de autorização para a internação compulsória de usuários de drogas que frequentam a Cracolândia, ela pediu demissão justamente por discordar da política conduzida pelos tucanos para o setor.
Política violenta, que se completa agora com a internação compulsória legitimada pelo Estado.
"Precisamos de ajuda, cuidado... não ser humilhado. Somos viciados, doentes. Precisamos de ajuda, não de internação forçada, que não vai ajudar. Só vai piorar a situação... Resistimos, de braços abertos"  – Marcos Japonês, usuário de crack

Tortura

O processo corre em segredo de Justiça. Por isso, não se sabe ainda em que fontes o juiz Emílio Migliano Neto foi buscar argumentação para sua decisão, que contraria frontalmente as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o organismo das Nações Unidas, internações compulsórias de usuários de drogas em supostos centros de reabilitação, de tratamento de drogas ou de "reeducação através do trabalho" podem se tornar locais para a prática da tortura e de maus-tratos, além de serem em muitos casos instituições controladas por forças militares ou paramilitares, forças policiais ou de segurança, ou ainda por empresas privadas.
"Cuidados médicos que causam grande sofrimento sem nenhuma razão justificável podem ser considerados um tratamento cruel, desumano ou degradante, e se há envolvimento do Estado e intenção específica, é tortura", alertou o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), Cristiano Maronna.
"Internar a pessoa a força é uma forma de torturar. Então é preciso denunciar essa política higienista. Internação compulsória, apenas em último caso, apenas quando já foram esgotados todos os recursos terapêuticos, conforme a lei", disse Maronna, em participação na audiência pública realizada na noite desta quinta-feira na Câmara dos Vereadores de São Paulo.
"Em todo o mundo, a classe média vive em redução de danos. Muitas pessoas bebem sua cerveja, seu uisquinho, fumam seu baseado, cheiram cocaína e vão trabalhar no dia seguinte. Quem tem família, 'cidadania', pode. Mas eles, que são pobres, negros, afastados da sociedade, não podem" – Fernando Sato, Casa Rodante

Não funciona

Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o psiquiatra Dartiu Xavier destaca que há muito desconhecimento e preconceito em relação à dependência química. Segundo ele, nem todos que usam droga se tornarão dependentes. E que a melhor maneira de abordar um dependente é a interdisciplinar, com assistência social, saúde, educação e capacitação profissional.
"Intervenções restritivas, punitivas, com internação compulsória, têm muito pouco resultado. Enquanto estiver internada, a pessoa não vai usar droga. Mas no dia em que ela sair, ela vai recair imediatamente. Mais de 90% têm recaída. E um modelo caríssimo e de baixíssimo resultado", disse. "Já em programas de abordagem multidisciplinar e redução de danos, como o De Braços Abertos, há redução do uso de drogas em 84% dos casos", disse.
Diversos países, segundo ele, já adotaram esses modelos multidisciplinares de redução de danos, com resultados igualmente satisfatórios. 
Para Xavier, outro equívoco é atribuir todo o problema social à droga. "Aquelas pessoas são privadas de alimentação, moradia, trabalho, saúde e educação. Ou seja, vivem uma situação muito séria de exclusão social e a única forma de elas terem alguma... é a droga, seja o álcool ou outras drogas baratas, porque não têm recursos", disse. 

 Ilegal

O presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), Aristeu Bartelli, classifica qualquer internação compulsória como um "expediente nazista" que só vai ser comparado ao período de exceção nazista. "O CRP vive a avisar aos psicólogos: cuidado e atenção ao se envolver com atendimentos em massa. Atendimentos em massa que não respeitem a lei, a dignidade humana, ferem o código de ética profissional, serão cobrados pelo Conselho", disse.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) também tem orientado aos médicos a não realizarem perícias e nem indicarem internações compulsórias.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

As peças do xadrez político que alimentam a crise, por Luís Nassif


Xadrez do maior estadista, a volta do Sr. Crise
Por Luís Nassif

Peça 1 – a última cartada de Temer


A tentativa de colocar na cena o fator militar foi o último blefe de Michel Temer. A reação imediata de um oficial legalista, o respeitado general Villas Boas Correa, de parlamentares, de porta-vozes responsáveis da sociedade civil, abortou a tentativa de aprofundamento da crise política, impedindo o Brasil se reeditar o Panamá de Rafael Noriega.

O que se tem, é simples. No comando, um governo reconhecidamente corrupto, comprando parlamentares para aprovar um conjunto de medidas que afeta direitos de trabalhadores e contribuintes. Esse é o combustível maior da indignação que começa a se generalizar no país.
Nas próximas semanas, há a possibilidade de duas delações definitivas.

Uma, do deputado Rodrigo Loures (PMDB-PR), o homem da mala de R$ 500 mil. Pelas informações que circulam, é pessoa de pouca resistência emocional que apresentou à própria PF a prova definitiva: a sacola e os R$ 500 mil recebidos de Joesley Bastista, depois da reunião sugerida por Temer.

O segundo, Eduardo Cunha. A extrema simpatia de Sérgio Moro em relação à senhora Cunha tem duas explicações: ou é o fascínio que acomete os membros da Lava Jato paranaense ante qualquer celebridade (ela já foi locutora e repórter da Rede Globo) ou estratégia de negociação com Cunha.
Não menospreze o provincianismo do grupo curitibano da Lava Jato. O deslumbramento explica muitas de suas atitudes.

O que interessa para a nossa analise é que qualquer uma das delações terá o poder de jogar definitivamente Temer – e seu grupo – atrás das grades. Ou seja, a presidência já é baixa contábil. O que se discute é se irão para trás das grades ou não.

 Esse fator explica a resistência de Temer a qualquer tentativa de desalojá-lo. Outros grampos com Loures já abriram as portas para um dos esquemas mais notórios de corrupção de Temer, no porto de Santos (https://goo.gl/esbqH6).

Peça 2 – a transição política


A estratégia de se promover um desarranjo total na política – através um golpe parlamentar ou clássico – visando empurrar goela abaixo reformas não aceitas pela maioria da população, é conhecida como Teoria do Choque. Em geral, avalia-se em seis meses, depois do choque, o tempo que leva para a sociedade se reorganizar. No andar de baixo, a explosão das manifestações populares; no andar de cima, os protestos atravessando até a pesada blindagem da mídia, sinalizam que o o golpe plutocrata-liberal perdeu prazo de validade.

Qualquer tentativa de insistir nessa estratégia significará levar o caos e os conflitos para todos os cantos do país.

Esses momentos de espanto são propícios para a aparição do grande estadista nacional, o único capaz de romper com a inércia e abrir espaço para os novos rumos, o Sr. Crise. A única dúvida é se já se alcançou o fundo o poço ou não. A resposta virá nos próximos dias.

Haverá um crescimento da campanha pelas diretas mas, provavelmente, a saída da crise será através da queda de Temer e sua substituição por um presidente eleito indiretamente, que conduza o país até as eleições de 2018.

Peça 3 – as alternativas políticas


Há um conjunto de nomes de presidenciáveis circulando. Alguns significarão a continuidade do esquema de Temer e da JBS.

1.    Henrique Meirelles

Joesley Batista grampeou Michel Temer. Logo, de sua parte, os diálogos foram encenados. E o que faz o delator? Reclama do presidente a pouca atenção que seu ex-funcionário, Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, dedica aos seus pleitos. Um grampo consagrador para Meirelles.
Aparentemente faz parte do know how dos goianos, depois do famoso grampo sem arquivo de Gilmar Mendes e Demóstenes Torres – ambos se elogiando durante a gravação.
É possível que os 5% da opinião pública que apoiam Temer acreditem na sinceridade do desabafo de Joesley.

2.    Rodrigo Maia

Filho de César Maia, genro de Moreira Franco e súdito de Michel Temer, seria a maior garantia da continuidade do esquema de corrupção que se implantou na parceria Executivo-Congresso.
Depois, há nomes como Nelson Jobim – do PMDB, mas com trânsito no PSDB e interlocução no PT -, Tasso Jereissatti – um templário tucano.
Mais importante que o nome será o processo de escolha, se no bojo de um pacto de desarmamento dos espíritos ou na radicalização da guerra.
Ontem, o Ministro da Defesa Raul Jungman, confrontado com seu primeiro desafio promoveu um vexame, radicalizando com o chamamento das Forças Armadas, seguido do recuo humilhante. E do gesto intolerante de cassar a Ordem do Mérito da Defesa concedida ao ex-deputado federal José Genoíno.
 Poderia ter exercitado sua seletividade com vários outros personagens, mas levaria o troco. A Ordem do Mérito da Defesa já agraciou Edison Lobão, o ex-governador capixaba Élcio Álvares, Fernando Collor, Gilberto Kassab, Heráclito Fortes, José Serra, Leônidas Pires Gonçalves (envolvido em acusações de tortura), Márcio Fortes (tesoureiro do caixa 2 de Serra), Paulo Skaf, Aécio Neves, os ex-governadores paraense Almir Gabriel e Jader Barbalho, o notório Egberto Batista, Aroldo Cedrez do TCU, Delcídio do Amaral, Irapuan Costa Júnior, João Nardes do TCU.
Mas Jungman escolheu Genoíno, sabendo que não teria condições de reagir. Uma atitude vil, mostrando a verdadeira estatura pública de Jungman: insignificante.
No dia seguinte, ele e o general Sérgio Etchegoyen foram obrigados a convocar a imprensa para voltar atrás na convocação das Forças Armadas, ambos com ar de quem soltou pum na sala.

Peça 4 – os caminhos do entendimento

Ponto 1 – A descontaminação da máquina pública.


Não bastará tirar o esquema Temer do poder. Será preciso desinfetar o Estado do profundo processo de aparelhamento que jogou por todos os poros da máquina pública, da EBC à Funai, da Funasa à Eletronuclear, os integrantes das quadrilhas de Eduardo Cunha, Aécio, Padilha e da horda dos 120 hunos eleitos pela maior máquina de corrupção da história, no bojo dos campeões nacionais.
Aliás, a literatura desenvolvimentista terá que mergulhar em profunda autocrítica sobre os desmandos desse modelo de criação de campeões nacionais.

Ponto 2 – limites ao poder do Ministério Público, Polícia Federal e da Lava Jato

 Obviamente só será possível com um governo de conciliação acima de qualquer suspeita.

Ponto 3 – a reabertura dos canais de negociação em torno das reformas

Um interino conciliador providenciar a imediata suspensão das reformas em andamento e a convocação de conselho – com representantes de todas as partes – para abrir um processo de negociação.


quinta-feira, 25 de maio de 2017

O irresponsável Temer traz as Forças Armadas para o centro da crise


Temer a um passo para a ditadura

Por Jeferson Miola

O Decreto do governo que determina “o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal no período de 24 a 31 de maio de 2017” afronta o Estado de Direito e torna verossímil o risco de uma escalada ditatorial no país.

Temer é um presidente ilegítimo e corrupto. Ele e mais de 70% dos ministros são investigados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa – cometidos tanto no atual mandato como antes.

Temer não possui, por isso, a menor possibilidade de continuar no cargo para o qual não foi eleito e a partir do qual, juntamente com os partidos que deram o golpe e o apoiam, promove o mais brutal ataque aos direitos do povo brasileiro, à economia nacional e à soberania do país.

Temer se recusa a renunciar. A renúncia poderia ser a única anotação de grandeza numa biografia irremediavelmente manchada pela trajetória de conspirador, corrupto e integrante de uma organização criminosa que faz da política um passaporte para a prática do crime.

Enquanto reluta em renunciar, ele vê o país se desmanchar na depressão econômica, no caos humanitário, na desordem institucional e no conflito que poderá evoluir para grave violência social.

No desespero para se manter a qualquer custo na presidência, o irresponsável Temer traz as Forças Armadas para o centro da crise e deixa o Brasil a um passo da ditadura.

O pretexto para a escalada ditatorial segue o manjado roteiro que a direita observa para atentar contra a democracia: [1] infiltraram provocadores, vândalos e agentes policiais secretos na manifestação pacífica coordenada pelas centrais sindicais e movimentos sociais; [2] programaram a tolerância a atos de violência ao patrimônio público e à Polícia Militar perpetrados pelos agentes por eles mesmos infiltrados, e [3] invocaram o caos e desordem para convocar as Forças Armadas.

A continuidade de Michel Temer no Palácio do Planalto se tornou, com o episódio de hoje, uma séria ameaça à já avariada democracia brasileira.

É necessário uma ampla união nacional para pôr fim ao governo Temer com a máxima urgência e aprovar, no Congresso, uma emenda constitucional para realização de eleições gerais dentro de 120/150 dias.

O Congresso Nacional, se ainda tiver o mínimo apego à democracia, deve anular o infame Decreto deste 24 de maio assinado pelos não menos infames Michel Temer, Raul Jungmann e general Sérgio Etchegoyen.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Só "Diretas Já!" para impedir o conchavo dos partidos do golpe

                         Eugênio Aragão 

"Não pode haver concessão nenhuma."

"É importante não nos iludirmos. A saída eventual de Temer não altera nada na correlação de forças. Os golpistas mudam de cara mas não de tática e nem de estratégia."

Diretas Já!

Só o restabelecimento de um governo legítimo conseguirá barrar as articulações espúrias no Congresso."


O golpe e o pecado de alianças com o inimigo de classe
Por Eugênio José Guilherme de Aragão, sub-procurador da República e ex-ministro da Justiça
Crime de rico a lei cobre,
O Estado esmaga o oprimido.
Não há direitos para o pobre,
Ao rico tudo é permitido.
À opressão não mais sujeitos!
Somos iguais todos os seres.
Não mais deveres sem direitos,
Não mais direitos sem deveres!
(hino A Internacional)
A realidade histórica que nossa esquerda política parece não ter compreendido até hoje é a da luta de classes. Não se trata necessariamente de um confronto físico, como imaginam fascistas ignorantes, mas de um confronto de condições políticas, econômicas e ideológicas. Há um antagonismo inexorável entre aqueles que se apropriam da riqueza social e aqueles que a produzem e padecem sob a tutela violenta dos apropriadores, ou, formulado de forma mais simples, entre os parasitas do capital e os expropriados do produto de sua força de trabalho.
É escandaloso que, enquanto a maioria das brasileiras e dos brasileiros vive com salário mínimo ou até menos, devendo com ele cobrir suas despesas de habitação, vestuário, alimentação e educação dos filhos, uma minoria abastada não se contenta com seus polpudos ganhos do estado e exigem mesadas empresariais de 50, 500 mil ou até milhões, para garantir vantagens indevidas aos contratados em obras e serviços para a administração.
É preciso colocar a mão na cabeça e perguntar-se: que diabos alguém faz com uma mesada dessas??? Para quê tanto dinheiro? Para comprar SUVs, viver em apartamentos de luxo, frequentar jantares e coquetéis em ambientes para poucos e comprar roupas de custo imoral? Enquanto isso, nossos irmãos lascados se abrigam em barracos e barracões, de lona, de madeira, de alvenaria e latão, submetidos a todas intempéries possíveis, expostos a ratos, lacraias, baratas, escorpiões e a uma polícia violenta que em nada perde para os bandidos em crueldade. Captam água sem tratamento, convivem com esgoto a céu aberto e acessam a energia elétrica por gambiarras. Não têm assistência efetiva à saúde e a educação que lhes oferecem padece de permanente subinvestimento. Vestem-se com roupas velhas doadas ou mais novas, compradas em brechós. São obrigados a sair de madrugada de casa para se espremerem em condução publica cara e de péssima qualidade para chegar ao trabalho, onde abaixam a cabeça para não perder o emprego e comem de suas matulas simples esquentadas, quando possível, num microondas ou frias mesmo, quando o empregador não o disponibiliza. Chegam em casa à noite, fugindo dos assaltos e, esgotados, ainda cuidam de seus filhos e de suas filhas.
E nossa esquerda política, dizendo defender os desapropriados, não consegue, em nome de uma tal “governabilidade”, deixar de parlamentar com os apropriadores aos sorrisos, fazendo-lhes concessões em troca de migalhas de poder. Migalhas, diga-se de passagem, até bem-vindas, porque permitem um mínimo de ação inclusiva e redistributiva. Mas são migalhas, nada mais do que migalhas, se comparadas com a capacidade da apropriação criminosa do patrimônio público e social.
Compreender a luta de classes implica não aceitar arranjos de poder em detrimento do esforço de empoderamento da classe trabalhadora e dos excluídos. É não aceitar conchavos espúrios com o inimigo de classe. Acertos táticos eventuais com setores reacionários são possíveis apenas quando não agravam o desequilíbrio de forças no enfrentamento da profunda iniquidade.
Os atores progressistas foram alvo de um ataque vil coordenado por políticos golpistas inescrupulosos, com apoio das instituições judiciais e parajudiciais e da mídia comercial. Seus objetivos são o completo aniquilamento do frágil estado social brasileiro, piorando as condições de vida de milhões de trabalhadores e excluídos, bem como a entrega barata dos ativos nacionais, submetendo o Brasil aos interesses dos Estados Unidos da América. Tudo em prol de negociatas que constituem um assalto à Nação e nossa capitulação ao crime organizado, incluído o tráfico internacional de drogas. Quaisquer alianças que preservem os interesses e objetivos dos usurpadores corruptos da soberania popular são incompatíveis com o projeto de um Brasil altivo, independente e inclusivo, sendo, por isso, inaceitáveis para quem padece da profunda desigualdade econômica e para quem tem consciência política.
Fala-se que os partidos parceiros do golpe, PMDB e PSDB, afundados na lama das megapropinas, procuram “uma solução” para a crise em que enfiaram o País com auxílio da mídia e das agências persecutórias. Qual a solução? Desfazer o golpe? Reinstituir a presidenta eleita arrebatada covardemente por quem lhe devia lealdade de vice? Devolver o poder à soberania popular, para que escolha o caminho a seguir? Não, nada disso. Isso seria coisa de esquerdista. Querem aprofundar a agenda do golpe e, de preferência, com apoio do PT.
Como assim? Os partidos do golpe estariam tentando convencer Temer a largar o osso o mais rapidamente possível, com garantias de leniência na persecução penal, para que possam manter o rumo das “reformas” com um sucessor escolhido por suas bancadas de trombadinhas entre pessoas que não têm nenhum compromisso com os interesses da maioria das brasileiras e dos brasileiros. E, segundo avaliação dos golpistas, não poderiam perder tempo, pois, do contrário, impor-se-ia, na contramão de seus planos anti-povo, a vontade das ruas.
Vencida a hipocrisia, reina, agora, o cinismo absoluto. É evidente que esse Congresso contaminado por práticas de gatunagem na sustentação de um governo golpista ilegítimo não tem condições de escolher o futuro Presidente da República sem contaminar, também, seu governo com sua extorsão criminosa de vantagens materiais. Só a soberania popular manifestada em eleições diretas e livres poderá restaurar a democracia e permitir a afirmação dos interesses nacionais e da maioria das brasileiras e dos brasileiros.
Acordos com as forças da reação e do golpe só podem ser estabelecidos dentro desse objetivo: a realização imediata de novas eleições. Nada menos. Nossa preocupação é precisamente impedir a aprovação de medidas anti-povo. Só o restabelecimento de um governo legítimo conseguirá barrar as articulações espúrias no Congresso. Exigimos respeito!
Enquanto em Brasília o MPF leva à frente, sempre com métodos policialescos e num viés moralista que nega a história, o desbaratamento de quadrilhas no poder político, em Curitiba permanece a intenção de destruir as lideranças de esquerda e, mais precisamente, do PT. A burguesia sabe cumprir seu papel. A destruição da política como um todo é a afirmação absoluta do poder econômico e do poder burocrático subserviente àquele. Na luta de classes, temos que combater isso com toda nossa energia. E, para tanto, não é bom confiar no ministério público, na polícia e no judiciário, instituições que fizeram papel sujo no golpe dos corruptos; instituições que não passam de instrumentos dos apropriadores criminosos, a quem sempre trataram com leniência que contrasta com a severidade do julgamento público e escandaloso do PT e da esquerda. Se hoje essas instituições não têm outra opção que a de se afirmarem no combate às forças corruptas, isso se dá porque foram atropeladas pelos fatos. Não o fazem, porém, para preservar os interesses nacionais, promover justiça social e proteger direitos dos mais fracos. Fazem-no na alavancagem corporativa e privilegiam bandidos aquinhoados, dando-lhes imunidade judicial porque expuseram seus comparsas. E ainda acham que isso é um prêmio para brasileiras e brasileiros!
É importante não nos iludirmos. A saída eventual de Temer não altera nada na correlação de forças. Os golpistas mudam de cara mas não de tática e nem de estratégia. As forças progressistas continuam a ser alvos de um ataque destrutivo, com campanha de desmoralização midiática e com perseguição implacável. E, nesse contexto, não pode haver concessão nenhuma. A luta de classes não desaparece num passo de mágica, num apelo demagógico à união de todos as brasileiras e todos os brasileiros. Aceitar esse apelo é aceitar a aliança entre estuprador e estuprada. Precisam reconhecer o golpe que deram e reconhecer, como força política legítima, os vencedores das eleições de 2014 e, só depois, conversaremos sobre acertos pontuais táticos que permitam o avanço de nossa luta.
Com inimigos de classe, só se negocia entre a capitulação deles e a vitória de trabalhadores e excluídos.