segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A mídia nos representa?



Com que direito o jornal Estado de Minas se intitula representante legítimo de todos os habitantes do estado? Esse ou qualquer outro veículo de comunicação não pode se colocar como porta-voz da opinião pública. É porta-voz da opinião publicada deles.
O artigo de Rodrigo Martins, na revista Carta Capital desta semana analisa bem o tema.    





Por Rodrigo Martins


 Parecia uma carta de indepen­dência ou um ultimato antes da declaração de guerra. Na ma­nhã da quarta-feira 18, o jornal Estado de Minas se arvorava no papel de representante legítimo dos 19 milhões de habitantes do estado. Em edi­torial de primeira página, o jornal investia contra o ministro Celso de Mello, que dali a horas decidiria o futuro de 11 con­denados no processo do "mensalão". "Nas ruas de Belo Horizonte, parte expressiva da população tende a considerar a aceita­ção dos embargos como decepcionante. Pior: um aceno à impunidade", afirma­va o texto. No dia seguinte, como tantos veículos de comunicação, o diário mi­neiro não esconderia a insatisfação com a "prorrogação" da análise do processo. O carioca O Globo iria além. "STF mantém a impunidade de mensaleiros até 2014", cravou na capa. Em tom uníssono, a mídia lamentou o "divórcio" entre o Supremo Tribunal Federal e a "opinião pública".
Mas qual opinião pública? "A do próprio jornal, oras", avalia, sem rodeios, o soció­logo Venício de Lima, professor da UnB e dedicado aos estudos da mídia. "Desde meados do século passado, os principais grupos de mídia reivindicam a represen­tação da opinião pública em detrimento dos canais institucionais da democracia representativa, como partidos, governos e Congresso. Isso porque a imprensa tem o papel de mediar a comunicação, fazer a ponte entre o publico e as instâncias de de­bate político." Com um problema, ressalta: "Ao mesmo tempo que fazem essa mediação, esses grupos são atores políticos, de­fensores de seus próprios interesses e dos de seus financiadores. Em nenhum lugar do mundo a mídia pode se colocar como porta-voz da opinião pública. Menos ain­da no Brasil, marcado pela forte concen­tração dos meios de comunicação, um oli­gopólio de interesses muito particulares".
A avaliação de Lima é compar­tilhada pela cientista políti­ca Vera Chaia, professora da PUC-SP. "A mídia não foi elei­ta, não tem representatividade, não pode falar em nome do conjunto da população. O que pode medir a opinião pública são as pesquisas, e mesmo as­sim é preciso olhar para elas com cer­ta desconfiança, pois normalmente di­recionam o entrevistado a se manifes­tar sobre as pautas predeterminadas pe­la mídia", avalia a docente. "Ainda mais descabido é pressionar um juiz a deci­dir conforme o clamor popular. Um mi­nistro da Suprema Corte tem de julgar com base na Constituição, na defesa do ordenamento jurídico."
Marcus Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, ressalta que o conceito de "opi­nião pública" está no singular não por acaso. "Ela só se manifesta quando há consenso na sociedade. E do interesse do conjunto da população, por exem­plo, ter um sistema de transporte pú­blico bom e confiável. Não interessa se boa parte da população tem automóvel particular. A mobilidade urbana depen­de de sistemas de transporte coletivo", afirma. "Portanto, podemos dizer que a opinião pública é favorável ao combate à corrupção, mas daí a dizer que é contra os embargos dos réus do "mensalão" são outros quinhentos, O que estava em jo­go ali não era esse único processo, e sim a validade de um recurso jurídico. Até porque, amanhã ou depois, o dono des­se jornal que fala em nome da opinião pública pode estar no banco dos réus e sentir que o seu direito à ampla defesa foi cerceado pelo STF lá atrás."
Para tentar assumir oposto de legíti­ma representante da opinião pública, a mídia costuma desqualificar as demais instâncias políticas da democracia, sus­tenta o historiador Aloysio Castelo de Carvalho, professor da UFF. "Os jor­nais se apresentam como uma voz mais autêntica por não ter envolvimento di­reto no processo eleitoral, e exploram o desgaste que existe entre os políticos eleitos e a população representada. Em países com democracia mais consolida­da, há um equilíbrio maior nessa relação entre a mídia e as instituições políticas. Uma responde à outra, sobretudo nos casos de desvio de conduta. Aqui, não. Além disso, não há uma tradição de plu­ralidade de pensamento na mídia brasi­leira. Boa parte da população tem a sua voz ignorada pelos jornais."
Autor de um livro sobre o tema. Carvalho cita o exemplo da articulação de dezenas de emissoras de rádio, dos Diários Associados e dos jornais cario­cas O Globo e Jornal do Brasil pela de­posição do presidente João Goulart. Criada em 1963, a cinicamente autointitulada "Rede da Democracia" se colo­cava como porta-voz da opinião públi­ca e exigia a intervenção dos militares contra a suposta ameaça comunista no País, " Praticamente, não havia oposição nos meios de comunicação a esse proje­to, que resultou no golpe de 1964 e em uma ditadura de 21 anos."
O alardeado "divórcio" entre o Judiciário e a opinião públi­ca é outra invenção, sustenta Fernando Filgueiras, professor de Ciência Política da UFMG e coordenador do Centro de Referenciado Interesse Público. "Nunca existiu esse casamento, até porque a população nu­tre profunda desconfiança em relação ao Judiciário." Em artigo publicado na revista acadêmica Brazilian Political Science Review, ele apresenta uma pesquisa feita em 2012 com mais de 1,2 mil entrevistados em Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife. A des­confiança atinge todas as instituições: Presidência da República, Congresso Nacional, forças policiais... Mas tam­bém o Judiciário, visto com suspeição por 48,7%. As razões são claras: 61,4% não acreditam que os cidadãos são tra­tados de forma igual, e 51,7% avaliam que os juízes tomam decisões influen­ciadas por políticos, empresários e ou­tros interesses.

HÁ UMA RAZÃO PARA OPINIÃO PÚBLICA SER UMA PALAVRA NO SINGULAR, DIZ MARCUS FIGUEIREDO. "ELA SÓ SE MANIFESTA QUANDO HÁ CONSENSO NA SOCIEDADE." OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NÃO FORAM ELEITOS, LEMBRA VERA CHAIA.     

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