sábado, 24 de agosto de 2013

UMA VIDA DEDICADA À PRESERVAÇÃO

Todo fim de semana estarei postando uma reportagem sobre o patrimônio histórico de Minas Gerais.
Para dar início à série, relembro a entrevista concedida , ao IEPHA/MG (Jornal Bem Informado número10) , pelo arquiteto Luciano Amédée Péret (ex-diretor e ex-presidente do órgão) , em julho de 2008. Foi publicado no site do IEPHA/MG em agosto de 2008.
Pioneiro na preservação, professor Luciano Amédée Péret fala sobre patrimônio cultural.


ENTREVISTA: UMA VIDA DEDICADA À PRESERVAÇÃO


 luciano_amedee_peret


Logo no início da década de 70, um personagem-chave passou a integrar a equipe do recém-criado órgão estadual de patrimônio histórico, o IEPHA/MG. Trata-se do engenheiro, arquiteto e urbanista Luciano Amédée Péret, profissional então já reconhecido no Estado tanto por sua experiência na Escola de Arquitetura quanto por projetos de visibilidade, como o Palácio dos Despachos.

Especialista em restauração arquitetônica, por mais de 15 anos teve atuação destacada no Instituto, chegando, inclusive, a presidi-lo. Ajudou a escrever e manter viva parte da memória de Minas Gerais, conquistando enorme respeito e admiração.

Ainda hoje, aos 80 anos e aposentado, o professor Péret - como é conhecido - mostra que mantém olhar atento e coração devoto à preservação do patrimônio cultural de Minas.

Como o senhor avalia o período em que esteve à frente do IEPHA? Que tipo de aprendizado essa experiência lhe proporcionou?
Na criação do IEPHA, há quase 40 anos, houve todo o esforço inicial de fazer o levantamento dos bens do Estado, com o intuito, mais do que registrar, de proteger e restaurar o acervo. Naquela época, o conceito de preservação do patrimônio ainda não era difundido e foi preciso vencer a onda modernizante da década de 70 para garantir o registro da história. Como um de seus fundadores, diretor executivo, de 1971 a 1979, e presidente, de 1979 a 1983, sinto orgulho de ter participado de um dos primeiros tombamentos do IEPHA, que foi o do Palácio da Liberdade. E lembro com saudade dos intensos trabalhos no Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Congonhas, Palácio da Justiça e Parque Municipal, em Belo Horizonte, Mosteiro de Macaúbas, em Santa Luzia; Parque Cabangu, em Santos Dumont; Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale, entre outros. São experiências inesquecíveis, aprendidas e vividas ao lado de expoentes da cultura mineira que se dedicaram na preservação dos bens culturais, como o professor Sylvio de Vasconcellos, Affonso Ávila, Ivo Porto de Menezes, Abílio Machado, Juko Carneiro de Mendonça, dom Oscar de Oliveira, Tarquínio José Barbosa, entre outros.
 
Como o senhor vê as políticas atuais de proteção ao patrimônio?
A criação do IEPHA foi um dos grandes passos. Até então, tudo que se fazia dependia do governo federal. Hoje, a importância do trabalho de preservação está garantida na Constituição Federal. O governo de Minas Gerais, com a lei “Robin Hood”, incentiva a preservação do patrimônio histórico e cultural e, a nível municipal, os Planos Diretores das cidades estabelecem formas de preservação do patrimônio, além da criação de leis específicas estabelecendo incentivos à preservação. Pela ação do Ministério Público, qualquer cidadão pode impedir a destruição ou descaracterização de um bem de interesse cultural. Tudo isso são avanços enormes. Mas, se por um lado surgiram novos atores e modelos de gestão, por outro, é preciso existir uma interação entre os níveis de Poder, as comunidades locais e o setor privado.
 
O senhor acredita que houve alguma mudança quanto ao comportamento e engajamento da sociedade em torno do tema?
   Após a criação do IEPHA, houve uma nítida mudança no comportamento da sociedade que foi e está sendo construído ao longo dos anos. A sociedade passou a dar valor aos bens culturais, está enxergando que é preciso preservar a história, o registro e as referências de uma cultura. Mas a falta de informação ainda é um dos fatores que interferem nas ações de preservação do patrimônio cultural e arquitetônico. Os tombamentos, por exemplo, ainda são vistos como um congelamento do imóvel ou prejuízo, no caso de bens particulares. Mas já é possível compatibilizar o uso moderno com a preservação do patrimônio.
 
Concorda com a visão de que o melhor guardião do patrimônio é a própria sociedade?
   A sociedade tem um papel primordial neste processo, porque todo o trabalho de preservação é feito buscando a valorização ética e o resgate da identidade cultural dela própria. Mas o envolvimento da população tem que ser feito em conjunto com o governo. Não há como a população preservar sem um embasamento legal e um suporte histórico. O Estado tem que zelar pelo patrimônio cultural do povo e, ao mesmo tempo, incentivar e garantir, por meio de suporte técnico adequado, formas de participação da sociedade. O resgate de uma história é uma forma de recuperar a auto-estima de uma comunidade e uma forma de o povo exercer sua cidadania. Preservar a memória é um trabalho conjunto.
 
São muitos os novos projetos de proteção ao patrimônio que priorizam o acesso da população aos bens culturais protegidos. Exemplo em Belo Horizonte é a criação do Circuito Cultural Praça da Liberdade. Como o senhor vê essas iniciativas?
 Toda iniciativa na área de preservação é bem-vinda, principalmente quando facilita o acesso da população. Como arquiteto, vejo que é preciso sempre definir claramente os critérios, políticas e linhas de atuação para que o patrimônio não seja um bem para consumo das elites. Ele deve ter uma função social, ajudando a vencer as nossas desigualdades e integrando o povo através de sua identidade.
 
Nosso estado tem um dos maiores acervos culturais do país. Para o senhor, que tem uma trajetória de vida fortemente marcada pelo trabalho de registro, proteção e recuperação do patrimônio mineiro, em que pé estamos?
 
   O acervo de Minas é vastíssimo e o que temos hoje é o resultado de um trabalho intenso iniciado pelo IEPHA, que deu um violento impulso ativando toda a área de preservação. Mas muito ainda precisa ser feito, com os recursos tão escassos nessa área. Além de divulgar a importância dos bens culturais para a sociedade brasileira, é preciso formar pessoas especializadas na área de proteção, para fiscalizar, recuperar e garantir a preservação da história.
 
 Hoje, com toda a experiência que o senhor acumulou, que mensagem deixaria em relação à preservação?
   Minas Gerais deve se fazer presente através de seus órgãos culturais, procurando assim participar da preservação da nossa memória cultural. A unidade nacional tem como um de seus fatores essenciais a preservação legítima dessa cultura. Manter a nossa identidade cultural é dever de todos, pois, alicerçados no passado poderemos compreender o presente, estabelecendo um futuro sempre promissor.

E gostaria de registrar o reconhecimento do trabalho de várias gerações de funcionários do IEPHA que trabalharam - e os que hoje continuam neste trabalho - para a manutenção da identidade e história do Estado. Minas tem a vocação da cultura. Todos os mineiros devem se empenhar na defesa de nosso patrimônio cultural.

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