sábado, 6 de abril de 2019

Carta aberta ao governador Zema, por Luiz Otávio Correa, contrária a extinção da rádio Inconfidência AM


O governo já havia condenado a rádio à morte quando um decreto do governador Zema reduziu em março a verba de custeio da emissora de R$ 1.212.681,00 para R$ 70 mil, ou seja, míseros R$ 5.833 por mês. Depois de mais de 80 anos, o tradicional Gigante do Ar está dando seus últimos suspiros.





Carta aberta do Luiz Otávio Correa (publicado na sua página do facebook), Historiador e pesquisador da rádio Inconfidência, sobre a decisão do governador Romeu Zema de extinguir a rádio Inconfidência AM.


Carta aberta ao governador de Minas Gerais

 Eu gostaria de escrever algo para poder desabafar um pouco por certas coisas que vem acontecendo no país que para mim são realmente insuportáveis.

 Este é um momento de muito sofrimento, talvez o pior que já vivi desde que entendo por gente. Pode piorar eu sei, mas já está sendo muito doído. Uma paulada todo dia.

 Agora, por exemplo, eu me deparo com a péssima notícia de que o governo de Minas Gerais vai extinguir a rádio Inconfidência, emissora que venho estudando já há dois anos e meio no meio doutorado.

 Esta foi a pior das notícias para mim. Eu sei que outras barbaridades estão acontecendo em nome do livre mercado e do avanço da ignorância pequeno-burguesa mas eu, que venho descobrindo a importância da Rádio Inconfidência neste 82 anos, nem estou acreditando no que está acontecendo. O destino da emissora AM parece estar sacramentado.

Será extinta e um terço dos funcionários serão demitidos, até mesmo os concursados. E não existem, ao que parece, mecanismos democráticos para barrar a ação deste governo, que nada deve entender da importância desta importância histórica desta emissora para a cultura de Minas Gerais.

 Por este motivo é que eu escrevo esta carta. Como fez Maquiavel, escrevo direcionando a fala para o governador, tentando dialogar de alguma forma(tarefa difícil diante do baixo nível do pensamento neoliberal que parece ser hegemônico) mas digo na verdade às pessoas comuns como eu e para a comunidade cultural mineira que como eu está de queixo caído.

Quem sabe compreendam que acabar com esta emissora é também tirar um pouco de nós mesmos. A importância Histórica da emissora

 A Rádio Inconfidência nasceu em Minas em 1936, em um momento que eram poucas as rádios em Minas e também no Brasil, pelo governador Benedito Valadares e por Israel Pinheiro. Logo depois foi criado aquele que é o mais antigo programa ainda no ar do Brasil o “A Hora do fazendeiro.” Para quem quiser depois eu poderia falar sobre a importância de João Anatólio Lima e de seu filho Jairo Anatólio Lima para a história do rádio mineiro. Mas nem vou começar a falar de pessoas e intelectuais que passaram pela emissora, porque são tantas que falaria aqui pro horas.

 Só um exemplo bem recente da sua importância. A Rádio Inconfidência foi a primeira a colocar uma mulher para narrar um jogo de futebol e por causa disso, pela primeira vez na história do Brasil, tivemos uma mulher narrando um jogo da seleção brasileira na copa do mundo. Eu pergunto então. Vocês imaginam alguma emissora comercial com esta coragem? Tem alguma outra no Brasil?

 A Rádio Inconfidência transmitia desde a desde a década de 40 as Semanas Santas de Ouro Preto e São João Del Rei, o que nenhuma outra emissora fazia. A Rádio Inconfidência abriga várias minorias, vários movimentos culturais e sociais, como nenhuma outra no país atualmente. A Rádio inconfidência foi e é, durante toda a sua trajetória, responsável pela comunicação entre os mais de oitocentos municípios de Minas Gerais.

Não estou falando apenas da comunicação oficial, mas também a fala cotidiana das pessoas, as conversas geradas através das cartas que chegam no “A Hora do Fazendeiro” e outros programas. Ela sempre foi uma rádio conversacional e aberta.

Papel semelhante faz a Rádio Nacional da Amazônia, que também é pública. Menos em um momento, gostaria de ressaltar. Quando os militares assumiram a rádio, nos anos de 1970 iniciou-se um longo processo de precarização da emissora com a criação da Fundação Pandiá Calógeras. Na década seguinte ela quase foi privatizada pelo Regime Militar, quando o Brasil teve que se submeter às regras do FMI. MAS NEM A DITADURA CONSEGUIU ACABAR COM A RÁDIO EM 1981. OS NEOLIBERAIS VÃO, ao que parece.

A história se repete agora, não como farsa, mas como tragédia. Na dialética absurda e surreal do momento que vivemos. Nos anos de 1980, apesar de toda a precarização, crescia a audiência da brasileiríssima, nascida em 1979, a emissora FM do grupo que, por resistência à invasão da música estrangeira, só toca até hoje música brasileira. Isto só foi possível por que a emissora é estatal com uma enorme vontade de ser pública. Durante toda a sua trajetória foram vários dirigentes incompetentes que fizeram a rádio diminuir o seu tamanho e importância. Há alguns anos ele vinha se reerguendo e se transformando novamente é um centro aglutinador da cultura mineira, função que sempre foi sua. Mas fizemos uma péssima escolha eleitoral, infelizmente e colocamos no poder um grupo que história dos movimentos culturais mineiros e da história do radicalismo e da comunicação pública no Estado.

 O argumento utilizado é que o estado não tem que gerir uma emissora de rádio. Quem diz que não? O estado tem sim a função de difundir o patrimônio cultural, tem a função de alimentar as redes culturais e os artistas mineiros. A BBC é considerada uma das melhores do mundo justamente por cumprir o seu papel público. A inconfidência tem a função de abrir espaço para grupos diferentes e alimentar a economia cultural. Acho inclusive que a Inconfidência fazia pouco este papel já que, como morador de Ouro Preto, confesso sentir que a emissora deveria estar mais presente no interior do estado de Minas. Mas era a única que poderia fazer esta função, revelando artistas da região, cobrindo os eventos culturais da cidade, etc. Somente uma rádio pública abre espaço para a música clássica e para a música instrumental, a não ser raríssimos casos como era o da Guarani que hoje está nas mãos de grupos religiosos. As rádios comerciais realmente não tem este pretensão porque dependem das leis do mercado.

O mercado não é sensível com a cultura por às vezes a dimensão da crítica é necessária. O mercado quer uma mercadoria fácil e vendável. Não é por acaso que estamos vivendo uma monocultura no mercado cultural brasileiro. Então quem vai promover as conversas entre a grande variedade cultural que tem em Minas Gerais e que fogem desta lógica? A brasileiríssima, por exemplo, revelou muita gente boa aqui em Minas. Toda a geração dos anos de 1980, por exemplo, a que veio depois do Clube da Esquina. Revelou Clara Nunes, e vários outros artistas.

 A migração

 A emissora AM iria sair da faixa, em função da determinação de uma lei que a meu ver foi uma decisão equivocada. O Decreto que autoriza a migração foi assinado pela presidente da República Dilma Rousseff em 7 de novembro de 2013. Foi equivocada em função de uma série de questões, que poderíamos debater em outro espaço. Mas o que todos esperávamos era que a Inconfidência migrasse para a FM e mantivesse a sua programação tanto em FM, quanto em ondas curtas.

Tem muita gente falando, para desviar o assunto para arena ideológica e tirando a responsabilidade do atual governo que é totalmente responsável pela extinção da emissora, que a culpa é da Dilma por ter assinado a migração. Mas o que prevê a lei é a extensão do dial da FM para incorporar a migração de uma tecnologia para a outra e não o fim das emissoras. O que acontece é que o atual parece governo não ter sensibilidade para com a importância e o papel desta emissora, das duas na verdade e simplesmente resolveu extinguir a AM.

 Elas cumprem um papel diferenciado e as duas são importantes. A brasileiríssima, a FM, tem a função de fomentar a cultura em Minas Gerais, nas suas variadas formas. Tem música clássica, mas também tem a música caipira e a cultura popular de Minas Gerais. Ela abrange o que outras emissoras não fazem e isto é sua função, ser diferente e chegar onde outras emissoras não vão, já que estão atreladas às leis do mercado cultural.

 A Gigante do ar, a emissora que hoje é em Amplitude Modulada(Am), é uma rádio de serviços, também muito importante por informar e por dar espaço a vários grupos da sociedade. Na AM trabalham importantes comunicadores de Minas Gerais como o maravilhoso Ricardo Parreiras que está na emissora desde 1949. Só na Inconfidência seria possível ter Ricardo Parreiras que apresenta hoje dois programas na emissora.

Então perguntamos ao governador de Minas e à Secretaria de Cultura: Se vão unificar a rádio, encolhendo-a, o que vão escolher para ficar? O que querem dizer quando dizem que a emissora tem que ser autossustentável, sob ameaça de que ,se não o fizer, em dois anos a FM terá também o mesmo destino da AM? Querem que a Inconfidência tenha a mesma lógica das emissoras comerciais? Ela não servirá para isto nunca. Ela tem uma função social e pública que não pode ser substituída.

Por outro lado, uma outra pergunta importantíssima. O que vão fazer com as transmissões em Ondas Curtas, que chegam no mundo inteiro e que nos faz mais próximos da capital, nós que somos do interior de Minas Gerais? Aqui o acesso à internet é mais restrito e nós gostamos de ouvir o Delírio e Companhia e outros programas nos nossos rádios. Faz parte da nossa trajetória de vida.

 A Inconfidência é parte de Minas Gerais, parte da vida de nossos pais, avós e avôs. Ela conversa com a sociedade desde 1936 e é um patrimônio dos mineiros. Não pode acabar. Não pode. Esperamos então que o governo entenda esta importância e volte atrás nesta estapafúrdia decisão.

 Ouro Preto, 6 de Abril de 2019 Luiz Otávio Correa, Historiador e pesquisador da rádio Inconfidência.

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