terça-feira, 13 de setembro de 2016

Temer e o triunfo da naftalina

Retrocesso

Derrotada a maré vermelha do PT, o novo governo há de restaurar aquele patriarcado viscoso e bacharelesco da república do café com leite
Era Temer desponta no horizonte, cobrando de seus apaniguados o respeito a novos códigos, novos hábitos, novos cenários, nova iconografia – com a irônica ressalva de que o que muda na paisagem não traz nada de novo, só de velho. 
A Era Temer, a quem quiser aderir a ela, é um mergulho retrô, busca suas referências no mobiliário emocional de antanho, recua ao paradigma azinhavrado daquela República velhíssima dos cortesãos de polainas, de um Campos Salles, de um Prudente de Moraes, e das barganhas eleitorais da política do café com leite. A escravidão, por ora, não será restabelecida.
O bacharel de Tietê há de inspirar, nos adeptos, seu estilo de enfatuação empolada, de mesóclises pernósticas e de um primarismo rudimentar. Figurino ideal para ganhar assento naquele Parnaso das Letras onde bebericam seus chazinhos luminares tais como Merval Pereira, escritor sem escrita. O que a Academia está esperando para aclamar o poetaço-presidente?
Outro padrão cultural há de implantar a Era Temer. Saem os favorecimentos das leis de incentivo às minorias alternativas e a artistas pervertidos e a nação instaurará a solenidade dos saraus e recitativos à moda antiga, desde que não desviem as demoiselles do lar, belas e recatadas, dos deveres da maternidade e de seus cursos de caligrafia e de ponto cruz.
Nada de pensadores complicados, liberais da Rive Gauche ou subversivos teutônicos, já que agora a inteligência brasileira viverá seu esplendor sob a égide dos eméritos eruditos que o presidente usurpador guarda na algibeira: Gaudêncio Torquato, Denis Rosenfield, Bolivar Lamounier e Luis Felipe Pondé. 
Esse Pondé talvez se esgueire, ora e vez, para outro tipo de atividade, não só as do espírito, mas também as do físico, com amparo de Alexandre Frota. A Frota será destinada a missão de formatar a têmpera viril da mocidade nativa, em esportes de muito contato, o que pode servir de consolo a Pondé em sua carência afetiva e sua intermitente queixa de que as meninas bonitas, invariavelmente de esquerda, recusam seus favores sexuais à direita.
O canarinho CBF passa a vigorar como colorido obrigatório da alma nacional, proscrevendo aquele vermelho PT, que, aliás, fazia tempo que já tinha virado pink. O canastrão de plantão,condottiere do rigor patriarcal, perfumado numa alfazema que recende a naftalina, insistirá em suas fatiotas talhadas em gótico funéreo, assim como José Sarney, outro presidente do PMDB a não chegar lá pelo voto, não conseguia largar seu ridículo jaquetão preto.
As mulheres do impeachment podem se sentir, elas, motivadas pela moda pombagira da advogada Janaína Paschoal, mas na República dos carolas e dos hipócritas os descontroles libidinosos devem ser, cruz-credo, preservados atrás das portas.  
A pamonha assume o papel de pitéu número 1 no cardápio dos pamonhas e o pato será proscrito da mesa, com medo das ilações que lembrem os sonegadores da Fiesp. No cenáculo das beaux-arts, as reminiscências do passado vão recuperar o Brasil profundo da arte de raiz, docemente ingênua, com a reabilitação dos pintores acadêmicos de capiaus e violeiros.
Nos lares de família, por inspiração dosBolsonaros, saem as poltronas modernistas inspiradas pelos comunas da laia de um Niemeyer e passa a imperar aquele décor de estatuetas equestres em bronze que tanto encantam os oficiais da ativa – e da passiva. Bibelôs com a mimosa figura do senador Anastasia serão igualmente bem-vindos.
Ideologicamente, o País será abençoado pelo retorno aos nobres valores do catolicismo, com o devido cuidado de não incomodar a sempre gulosa e ciosa bancada evangélica e dispensando-se, é claro, aquele mandamento – não roubar – tão pernicioso ao PMDB cleptomaníaco. Cristianismo, sim, pio, devoto, de boa cepa, nada que se assemelhe às ideias perturbadoras externadas pelo bolivariano papa Bergoglio, discípulo do belzebu.
Cristianismo vigoroso, como o da época em que a gente sacrificava alegremente, sem culpa declarada, as bruxas que, como esta que estava aí, vítima expiatória do Santo Ofício do Planalto Central, atormentavam nossa fé.
A música passa a dispensar o Chico e o Caetano e os palcos farão, enfim, justiça ao abnegado Lobão, que andava pagando o preço de sua convicta militância em auditórios invariavelmente vazios.
Recompensa semelhante esperam os amantes do teatro, a serem brindados, à sombra do regozijo verde-amarelo, não mais com as obscenidades de um Zé Celso, e sim com as tortuosas peças kafkianas de Octávio Frias Filho, o editor daquela Folha de S.Paulo tão enternecida, nas páginas editoriais, com os arautos da marcha à ré. 
O óleo de fígado de bacalhau, os purgantes, o Leite de Rosas e o bicho-de-pé farão seu estrepitoso revival com o patrocínio da Era Temer. O Brasil cordial triunfará sobre os ativistas do ódio de classe. A indagação sobre qual será a obra de cabeceira mais representativa da nova velha ordem é capciosa.
Podia ser, por exemplo, um dos textos de Olavo de Carvalho, mas O Imbecil Coletivo soaria autorreferente. Adentrando essa fase de operosa produtividade, a Bolsa bombando, a indústria trabalhando, os investidores investindo e o maná da prosperidade caindo do céu da pátria amada, quem é que terá tempo de se distrair com leitura? O Paulo Skaf da Fiesp, por exemplo, nunca abriu um livro.
*Publicado originalmente na edição 917 de CartaCapital, com o título "O triunfo da naftalina".

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