DOM, 21/08/2016 -
“Os juízes não podem ser acusadores”, afirma advogado que participou da defesa de Assange, Tyson e Rushdie nos tribunais de Genebra
Jornal GGN - Em entrevista exclusiva para o La Tercera, o advogado australiano-britânico Geoffrey Robertson, especialista em direitos humanos que defenderá Lula diante da Comissão de Direitos Humanos da ONU, apontou sérios vícios nos procedimentos da Operação Lava Jato, coordenado pelo juiz Sérgio Moro, e que, além de prejudicar a qualidade do processo, põe em risco os direitos humanos no Brasil.
"No Brasil, tem alguns procedimentos não reformados que são, obviamente, injustos. Por exemplo, o juiz de instrução pode grampear a ligação telefônica de suspeitos e logo liberar as interceptações aos meios de comunicação, o que é uma grave invasão de privacidade. O juiz pode colocar um suspeito sob cárcere e não o liberar até que confesse ou “negocie os encargos”, o que é um meio para confessar pouco confiável", sintetizou ao repórter Fuentes. Acompanhe àa seguir a entrevista na íntegra, com tradução livre do Jornal GGN.
Em entrevista para o jornal La Tercera, Robertson afirma que o juiz Sérgio Moro “tem dado uma percepção de parcialidade” em relação a Lula. “Deveria retirar-se” do julgamento, disse.
por Fernando Fuentes
No dia 28 de julio, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que apelaria perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU contra o juiz federal Sérgio Moro, que o investiga no escândalo da Petrobras e os subornos da empresa para financiar campanhas políticas, por “persecução judicial”. A demanda foi encarregada ao advogado australiano-britânico Geoffrey Robertson, que resumiu assim os termos da ação: “Os juízes não podem ser acusadores”.
Especialista em direitos humanos, Robertson participou da defesa do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, do boxeador norte-americano Mike Tyson e do escritor indiano Salman Rushdie frente os tribunais de Genebra. Também teve um papel fundamental na formação dos juízes que julgaram a Saddam Hussein. Nesta entrevista concedida para o La Tercera, o famoso advogado analisa o caso de Lula, seu novo cliente.
Como ocorreu seu contato com Lula? Qual era sua opinião a respeito dele antes de chegar a se tornar advogado dele?
Seus advogados se colocaram em contato comigo me pedindo para avaliar o equilíbrio do caso em virtude das normais internacionais, os procedimentos legais e sob quais deles Lula estava sendo submetido. Claro que eu tinha atuado em uma série de casos relativos aos direitos humanos em países da América Latina. Por exemplo, atuei para a Human Rights Watch no caso Pinochet e levei a cabo a investigação de corrupção contra (os narcotraficantes colombianos, Gonzalo) Rodríguez Gacha e Pablo Escobar, ajudados por mercenários israelenses (no caso de armas que envolveu) o governo de Antigua. Meu livro “Crimes contra a humanidade” inspeciona notórias violações dos direitos humanos na América Latina, e tem sido traduzido para o espanhol. Assim, quando fui contatado pelos advogados de Lula, fiquei feliz de poder assessorá-los. Não o conhecia, além da sua reputação: como homem de Estado de considerável distinção, cujas políticas haviam tirado a milhões de brasileiros da pobreza.
Por que o caso de Lula deveria ser discutido pelo Comitê de direitos humanos da ONu?
Todos os países necessitam de um tribunal de direitos humanos objetivo e externo que pode, de vez em quando, examinar seus procedimentos legais para garantir que cumpram o os acordos internacionais básicos de justiça. Na Europa, Grã Bretanha e Espanha e no resto dos outros países têm um tribunal deste tipo – a Corte Europeia de Direitos Humanos – e se beneficiam em grande medida da decisão de juízes internacionais que podem assegurar que seus próprios procedimentos cumpram com as normas internacionais. No Brasil, tem alguns procedimentos não reformados que são, obviamente, injustos. Por exemplo, o juiz de instrução pode grampear a ligação telefônica de suspeitos e logo liberar as interceptações aos meios de comunicação, o que é uma grave invasão de privacidade.
O juiz pode colocar um suspeito sob cárcere e não o liberar até que confesse ou “negocie os encargos”, o que é um meio para confessar pouco confiável. O juiz de instrução, que chega a se envolver profundamente no processo de acusação, se converte então em juiz da causa, sem um jurado ou assessores, isso é obviamente tendencioso. Assim, esses são aspectos do procedimento legal do Brasil que necessitam de uma reforma. Alguns têm sido levados para a Corte Interamericana que, por exemplo, tem condenado a publicação de escutas telefônicas, mas o juiz (Sérgio) Moro parece não fazer caso de suas decisões. Por isso espero que os juízes brasileiros se orientem por uma decisão de um tribunal da ONU.
Quais são os principais ônus que você tem apresentado contra o juiz Sérgio Moro?
Bom, não são encargos em um sentido formal, mas tem uma série de queixas contra este juiz pela forma em que tem atuado, por exemplo, a publicação de escutas telefônicas – incluindo interceptações ilegais – e incentivar os meios de comunicação locais a demonizar Lula antes de que tenha ocorrido qualquer julgamento. Ele inclusive ajudou a lançar um livro que glorifica sua investigação “Lava Jato” e sugere que Lula é culpado e, no entanto, ainda reivindica o direito de atuar como juiz da causa, apesar de estar obviamente predisposto contra ele. Estes são temas de vital importância na perseguição da corrupção política. Você não pode processar de maneira efetiva, a menos que processe de forma limpa. Isso é tudo o que Lula pede, ele aceita que não está por cima da lei, mas ele tem direito que a lei seja aplicada de maneira justa e sem hostilidade política.
Os advogados brasileiros de Lula dizem que Moro está animado a participar das eleições presidenciais de 2018 e que pode impedir a candidatura do ex-presidente se o condenar em um processo judicial. O senhor compartilha dessa opinião?
Os advogados de Lula está sinalizando que o juiz Moro tem incentivando a publicidade que faz ele aparecer como um herói e não negam essa história de que se apresentará como presidente. Isso estaria bem se fosse um promotor, mas ele é um juiz de primeira instância e deve nesse papel se conduzir a fim de não dar a impressão de que está prejulgando Lula. Ele tem dado uma percepção de parcialidade e, portanto, deveria retirar-se de qualquer julgamento. No entanto ele tem se negado.
Lula foi imputado recentemente por “obstrução da justiça” no caso Lava Jato. Essa decisão judicial pude influenciar nas análises da Comissão de Direitos Humanos da ONU?
Lula tem sido listado como réu em um caso antes de outro juiz que não tem nada a ver com os assuntos da petição feita à ONU. Ele está fazendo uma solicitação para ser retirado da lista, sobre a base ou falta de qualquer prova credível de que ele não fez nada para obstruir a justiça.
Que diria para os que acreditam que Lula busca evadir da justiça brasileira?
Isso não tem sentido. Ele permanece sujeito a um processo legal brasileiro. As queixas que são feitas na ONU não se referem a sua substância de nenhum cargo que se pode interpor contra ele, mas sim do procedimento para o manejo dos procedimentos. Lula tem sublinhado repetidas vezes que está disposto a fazer frente a qualquer alegação e refutar qualquer acusação de corrupção. Ele não tem nenhuma conta bancária no exterior ou escondida, nem propriedades mais do que seu modesto apartamento, e não tem recursos para se sustentar mais do que o dinheiro que ganhou por conferências depois de deixar o cargo. Ele desafia os promotores a provar o contrário, e permanecerá no Brasil para lutar contra seus acusadores, se alguma vez forem levados perante o Tribunal. O caso da ONU é apenas uma tentativa de assegurar que eles forem levados ao tribunal serão julgados de forma limpa, que dizer, não pelo juiz Moro.
Qual é sua opinião sobre o processo de impeachment que enfrenta a presidente Dilma Rousseff? Crê que este caso pode ser analisado pela ONU?
Não estou em condições de formar uma opinião sobre o caso de Dilma. Só posso advertir que o impeachment é um processo torpe e arcaico, e que tem sido praticamente abandonado na Grã Bretanha e em muitos outros países. Se um político é acusado de delito, incluindo quando está no cargo, ele ou ela deve ser levado a um tribunal penal ordinário como qualquer outra pessoa. Se, como no caso de Dilma entendo, os políticos são acusados de enganar o Parlamento, devem se enfrentar um voto de “não confiança” e renunciar se perder. O impeachment é uma forma de julgamento pelo Parlamento, e quase todos os parlamentos são parciais, membros de seu próprio partido serão parciais em seu favor, e aqueles que formam a oposição serão parciais contra ela. Mas a acusação contra ela, que está relacionada com o orçamento dos últimos anos, realmente não tem nada a ver com Lula.
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