sábado, 30 de julho de 2016

Saúde Pública e o SUS sob ataque: assista o programa da TVT



O sistema único de saúde – SUS, é uma das maiores conquistas das lutas populares implementadas na Constituição de 1988.
Criado com o objetivo de promover e cuidar da saúde de todos, integrar governos e sociedade em defesa da vida e da cidadania, o SUS vem se construindo, qualificando e produzindo avanços significativos, apesar dos enormes desafios.
Neste momento, enfrenta o período mais vulnerável de sua curta história, com a triste perspectiva de desmonte vinda de ameaças e ataques do governo Interino: redução drástica de recursos; fim do “Mais Médicos” e, pior, indicação pura e simples de privatização, transformando a saúde e o direito Constitucional à saúde em mercadoria e lucro privado.
Quais os impactos de tamanho retrocesso na saúde e na vida de milhões e milhões de brasileiros?
Clique abaixo para assistir o programa Melhor e Mais Justo da Rede TVT: 

Parte 1:

Melhor e Mais Justo: Querem adoecer o SUS – 1/2

Melhor e Mais Justo: Querem adoecer o SUS – 1/2

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Governo golpista pode fazer o SUS perder metade do orçamento e deixar de ser universal

SUS pode perder metade do orçamento e deixar de ser universal, diz médico

Debate promovido pelo Diesat aborda possíveis consequências de medidas adotadas pelo governo interino. "Sem a equidade, os mais pobres não terão acesso à saúde pública"
por Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual 
DIESAT/DIVULGAÇÃO
ilustra sus.jpg
"Estrutura do ministério está hoje muito ligada à defesa da privatização da saúde pública", afirmou membro do CNS
São Paulo – O governo interino de Michel Temer pode causar danos graves para o Sistema Único de Saúde (SUS), entre eles a redução de quase metade do orçamento da saúde pública e o fim dos princípios constitucionais de universalização e equidade, que regem o SUS. É o que afirma o médico sanitarista José João Palma, membro do Movimento Sanitário, que participou da manhã de hoje (29) de debate promovido pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), na zona oeste de São Paulo.
A desvinculação de receitas para a pasta, que pode ser efetuada por projetos de lei aprovado a toque de caixa, pode girar em torno de R$ 44 bilhões ao ano, segundo estimativas de economistas. "O orçamento da saúde hoje gira em torno de R$ 100 bilhões. Podemos perder quase metade, em uma área que já é subfinanciada e que já tem pouca verba para expansão", diz Palma.

Está na pauta da Câmara o Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/16, do Executivo, que retira recursos da saúde e da educação ao barrar a evolução de servidores públicos municipais, estaduais e federais na carreira, impedir concurso público e congelar salários, entre outras medidas. Ontem (28), o Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial da União as exonerações de 73 funcionários, em determinação de Temer anunciada como medida para cortar gastos com cargos em comissão nos ministérios.

"Estamos convivendo com golpe civil que busca legalidade e ameaça direitos sociais que para serem conquistados levaram uma vida", afirma o membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Renato Almeida Barros. "A estrutura do ministério está hoje muito ligada à defesa da privatização da saúde pública."

Mais que orçamento e quadro pessoal, estão em jogo também os princípios constitucionais que regem o SUS, segundo Palma: universalidade, que garante atendimento para todos; integralidade, que expandiu os serviços desde a vigilância de água até o sistema de transplantes de órgãos; equidade, fazendo com que quem é mais pobre receba atendimento de qualidade; e participação social.

"É aí que mora o perigo", diz o médico. "Se acabar a universalização do SUS, quem tem plano de saúde vai ficar OK, mas quem não tem vai voltar ao tempo da filantropia e da caridade. Se acabar a integralidade, o SUS funcionará com uma cesta básica de procedimentos, que excluirá os mais caros. Sem a equidade os mais pobres não terão acesso à saúde pública. Além disso, os conselhos de controle devem perder força, impedindo a participação social, que é o diferencial do SUS."

Palma e Barros concordam que a resistência deve vir das ruas, pelos movimentos sindicais e sociais. "Temos sobre nós a herança de luta para instituições e a seguridade social somos responsáveis", diz o primeiro.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

A ação contra a Odontologia Pública pelo governo ilegítimo mostra a intenção do desmonte do SUS


P
Marcos Luis Macedo de SantanPresidente do Sinodonto/SE, Mbrda Academia Tiradentes de OdontologiaLuis Macedo de SantPresidendo Sinodonto/SE, Membro da Academia Tiradentes de Odontologia
arcos Luis Macedo de Santana
Presidente do Sinodonto/SE, Membro da Academia Tiradentes de Odontologia
Por Marcos Luís Macedo de Santana
Presidente do Sinodonto/ SE
Membro da Academia Tiradentes de Odontologia

URGENTE: O BRASIL SORRIDENTE DORMINDO COM O INIMIGO
A crise econômica e política agrava a situação do SUS e particularmente da Odontologia. Anunciada extinção da Coordenação Nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, deixará a Odontologia (Brasil Sorridente) sem orçamento específico e sem um responsável direto pela Política Nacional de Saúde Bucal na Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério Saúde.
Isso fará com que os recursos financeiros e orçamentários sejam pulverizados no emaranhado de necessidades da Atenção Primaria à Saúde e com que a Odontologia desapareça do planejamento e das discussões da gestão maior no Ministério da Saúde.
Sabemos que a Odontologia brasileira carece de força política para garantir sua existência como Política Nacional de Saúde Bucal. A extinção da Coordenação Nacional de Saúde Bucal traria desdobramentos terríveis com repercussão para todos os Estados e Municípios brasileiros, poria em risco a existência das coordenações estaduais e municipais,e até a permanência de programas como o PMAQ e outros e mergulharia a Odontologia Pública na escuridão sem rumo nem identidade dentro do SUS.
Urgentemente devem todas as Entidades Nacionais, Estaduais e Municipais da Odontologia, as nossas Autarquias CFO/CROS, a Academia, os Sindicatos, Federações e todos os dentistas, estudantes e demais cidadãos de bem declarar guerra pela salvação da Odontologia Pública (SUS) e da Política Nacional de Saúde Bucal. Esta medida deve ser feita em grandes manifestações, em notas publicas, manifestos e o que mais for necessário, direcionada ao presidente da Republica, ao ministro da Saúde, ao Congresso Nacional e seus parlamentares, aos órgãos de Defesa do Consumidor, Ministério Público da Saúde, Conselho Nacional de Saúde.
Este país está às vésperas de, ao extinguir a Coordenação Nacional de Saúde Bucal, cometer um estelionato contra os milhares de dentistas e de alunos dos cursos de Odontologia do Brasil e contra os milhões de usuários da população brasileira que estará fadada a não ter mais uma Política de Saúde Bucal e de Atenção à Saúde Oral. Isto em um país que adotou um Sistema Universal de Saúde.

Aracaju, SE, 28/07/2016

Fonte: Jornal Odonto (jornaldosite)


terça-feira, 26 de julho de 2016

Luta pela moradia: a resistência não acontece como desobediência e sim como Vida, por Frei Rodrigo Péret

Fala do Frei Rodrigo Péret durante a coletiva de imprensa da Frente de Apoio ao Bairro Elisson Prieto, na região do Glória, em Uberlândia.



Por Rodrigo Péret

Quando nos conflitos de moradia a propriedade privada assume uma supremacia na visão do Ministério Público (MP), outros direitos imediatamente são prejudicados.
Ou seja, o patrimônio assume um valor em si mesmo acima do valor do direito à Vida.

Dentro desta visão do MP e do Judiciário as pessoas e as comunidades são desqualificadas.
Na realidade, as pessoas e as comunidades são vítimas de uma desigualdade social que existe nas cidades brasileiras.
Então, se instala uma formalidade processual civil em detrimento de normativas constitucionais do direito à moradia e do direito à cidade.
E passa-se a não mais buscar a solução do que causou o conflito. A saída, então, é o despejo, é a violência. É a execução das famílias. Desta forma, o patrimônio assume um papel relevante.

Só que existem outros direitos. A propriedade é um direito limitado.
Não é o único direito que existe.
Essa é a primeira reivindicação que temos que afirmar de forma clara.

(...)

Temos visto uma militância do MP de Uberlândia contra as famílias, contra o direito à moradia.

Acreditamos que a resistência que as famílias, neste sentido, tem praticado neste longo período de ocupação e de construção na cidade, naquele espaço, o arruamento, a construção das casas, água, energia elétrica, casas de alvenaria, são todas frutos do esforço comunitário.
O esforço das famílias de sem teto tem sido fundamental para com que este direito venha nascendo na prática.
Na verdade, o que estas famílias de sem teto estão fazendo é a realização de uma política pública: a de moradia.

(...)

Essas famílias assumiram para si a função de agentes e gestores de políticas públicas.

A defesa dessas famílias de sem teto em Uberlândia e especialmente as 15 mil pessoas, que estão vivendo na região do Glória, é um ato de defesa da democracia em um momento que vivemos uma total ameaça, não só dos direitos sociais, mas do direito fundamental da realização da vida.

A realização do direito à vida não acontece com golpe.

O que está fazendo o MP Federal de Uberlândia , na verdade,é um golpe. Um golpe em cima do próprio direito.
Essa é a imagem, a ideia que queremos desenvolver e vamos levar ao Fórum Social Mundial no
Canadá.

(...)

Vamos relatar o que está acontecendo aqui, não só na perspectiva mais ampla do que está ocorrendo no Brasil, do desmanche do sistema dos direitos humanos feito por este governo ilegítimo; mas também, do que está acontecendo mesmo antes deste governo ilegítimo assumir, que é a prática constante do MP de não considerar todos os direitos na sua igualdade e na sua relação.

Os direitos possuem o mesmo valor.
Eu, até,  ousaria dizer que alguns possuem valor superior, porque acredito que todos os direitos estão pendurados em um só direito, que é o direito fundamental à vida

E a vida só pode existir com dignidade.

A resistência  não acontece como desobediência. A resistência acontece na área do Glória como vida.
No dia a dia. É alí que se existe, que se vive, que se constrói a vida.
É alí que o bairro está, é alí que o bairro vai continuar, é alí que as famílias irão continuar.

Assista o Vídeo:

Fala (na integra) de Frei Rodrigo Péret durante a coletiva de imprensa da Frente de Apoio ao bairro Elisson Prieto (Glória). Se trata da defesa do direito à moradia de 2.350 famílias, na Ocupção Elisson Prieto, do MTST, na região do Glória, pertecente à Universidade Federal de Uberlândia. A frente nasceu como uma resposta contrária a ações do Ministério Público Federal de Uberlândia, que impetrou, em meados de abril deste ano, uma ação de improbidade administrativa e bloqueio dos bens do ex-reitor da UFU Alfredo Júlio Fernandes Neto, o atual reitor da instituição, Elmiro Rezende, e o vice-reitor, Eduardo Nunes. Uma ação ação equivocada do MPF, que não aceita a solução pacífica, já em fase final, acordada por todas as partes: Universidade, Prefeitura, Governo Federal e as famílias de sem teto.







Escracho: a elite está dando um tiro no pé e a velha luta de classes está escrachada nas esquinas

 Folha S.P.



Escracho
Eleonora de Lucena

A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.
Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.
Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.
Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.
Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.
Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.
O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.
O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.
Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.
Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.
A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de "Fora, Temer!". Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a "teologia da prosperidade" talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.
*   ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha. Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Grande Sertão: Veredas; Antônio Cândido sobre Guimarães Rosa

O maior crítico literário brasileiro completou 98 anos. Sociólogo, literato e professor, Antonio Candido desenvolveu uma obra crítica extensa e respeitada, não se limitando à literatura brasileira.


                        Nasceu no dia 24 de julho de 1918. 
Além dos estudos acadêmicos voltados à literatura, Antonio Candido também desempenhou papel forte na política do Brasil. Por meio de documentos, textos e artigos, Candido demonstrou sua militância política na vertente socialista para lutar contra os inúmeros embates com os modos oligárquicos e autoritários. A partir do Estado Novo, passando pela Ditadura Militar, Antonio Candido fez uma reflexão da complexidade política vivenciada no país.

Ao longo de seus 98 anos de vida, O crítico já recebeu quatro Prêmios Jabuti e um Prêmio Camões. Destacar suas principais obras é tarefa difícil, devido à importância de cada uma delas, mas há obras que são consideradas os pilares da crítica sociológica e da literatura brasileira, como Ficção e confissão: estudo sobre a obra de Graciliano Ramos (1956), Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959),Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária (1965), Formação da literatura brasileira (1975),A educação pela noite e outros ensaios (1987), O estudo analítico do poema (1987), O discurso e a cidade (1993) e O Romantismo no Brasil (2002).
Fonte: livre opinião

Veja a análise de Antônio Cândido sobre a obra de Guimarães Rosa, destacando Grande Sertão: Veredas




Grande Sertão Veredas: Antônio Cândido sobre Guimarães Rosa

GGN
Gilberto Cruvinel


O regionalismo que não é regionalismo, uma universalidade a mais particular possível
Antonio Candido

O grande milagre do Guimarães Rosa que é a ambiguidade suprema, que neste caso está não no livro, mas nele também, é o seguinte: é que ele tomou uma tendência muito cansada da literatura brasileira que é o regionalismo. O pitoresco da linguagem, o arcaismo, o tema caipira, o tema regional, o tema jagunço, o tema caboclo. Isso já era uma coisa muito sovada, muito gasta. Praticamente, considerava-se que a literatura brasileira já tinha saído disso.
No momento em que se considera, a crítica pensava mais ou menos isso, surge um homem que fechado, fechado hermeticamente dentro do universo do sertão com uma exuberância verbal extraordinária, com aquilo que era considerado ruim na tradição brasileira que era a exuberância de linguagem, com aquilo que era considerado ruim que era o regionalismo, com aquilo que era considerado perigoso, que era o pitoresco. Ele parte de tudo isso e consegue fazer uma coisa inteiramente nova, consegue fazer uma ficção, como eu disse, de tipo realmente universal com todos os grandes problemas do homem, tanto assim que eu pensando neste caso, como é que se pode resolver este paradoxo? De um regionalismo que não é regionalismo e de uma universalidade que é mais particular possível.
Ele fez o livro que supera o regionalismo, ele fez através do regionalismo. Esse, do ponto de vista da composição literária, a meu ver é o paradoxo supremo. Tanto assim que eu me senti obrigado a criar uma nova categoria que é transregionalismo ou surregionalismo. Assim como você fala em surrealismo, você pode falar, no caso de Guimarães Rosa, em surregionalismo. Fenômeno, aliás, que nós verificamos, pouco depois ou ao mesmo tempo em outros lugares da América Latina. Nós encontramos, por exemplo, em Gabriel Garcia Marquez, nós encontramos em Juan Rulfo, nós encontramos em Mario Vargas Lhosa, nós encontramos em Alcides Arguedas. Esse enraizamento profundo no temário regional pitoresco com uma linguagem transfiguradora, moderna que não tem nada a ver com a linguagem do regionalismo tradicional.



Governo Golpista tem como objetivo a precarização do trabalho


ATAQUE NEOLIBERAL

Precarização do trabalho é o principal alvo do governo golpista

Medidas do interino Michel Temer atacam salário dos trabalhadores com ideologia alimentada por questões semânticas que preferem os termos 'flexibilização' ou 'informalização' no lugar de 'precarização'
por Emir Sader / Rede Brasil Atual
WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL
manifestacao contra terceirizacao.jpg
Ato de trabalhadores contra a versão de que barateando os custos da força de trabalho se diminuiria o desemprego
Um dos objetivos fundamentais do golpe é elevar ainda mais a taxa de lucro dos grandes empresários, às custas dos salários dos trabalhadores. Nem bem instalado o golpe, passaram a circular versões sobre o que o neoliberalismo chama de “flexibilização” ou “informalização” das relações de trabalho.
Há uma torpe operação semântica nisso. Vocês preferem que sejamos formais ou informais? Informais. Flexíveis ou inflexíveis? Flexíveis. Assim se tenta passar uma brutal operação de expropriação dos direitos elementares dos trabalhadores por uma manobra do sentido das palavras.
Essa concepção chegou à América Latina com o então ministro do Trabalho da ditadura de Pinochet, José Piñera, irmão do que foi presidente do Chile, Sebastián Piñera. Propaga a falsa versão de que barateando os custos da contratação da força de trabalho se diminuiria o desemprego e se incentivaria o investimento privado.
O custo da força de trabalho no preço do produto final no Brasil é exíguo, costuma estar sempre abaixo de 5% do preço de venda de um produto. Não é o salario o que eleva o preço, o que aumenta o custo do investimento, o que freia o investimento dos empresários.
Estes estarão sempre afim de diminuir os salários, porque isso automaticamente eleva a exploração da força de trabalho e os seus lucros. Faz parte das tentativas permanentes dos capitalistas de maximização das suas ganâncias às custas dos trabalhadores.
Quando falam de informalização e de flexibilização, referem-se a retirar direitos dos trabalhadores, a contratá-los sem carteira assinada, sem contrato de trabalho. Um trabalhador informal deixa de ter o direito de apelar à Justiça do Trabalho, de se organizar, de ter segurança que vai ter férias, 13º salário, licença maternidade, apoio em caso de acidente de trabalho, e tantos outros direitos conquistados pela luta dos trabalhadores ao longo de décadas.
Quando se informaliza a relação de trabalho, o que faz o empresário é mandar embora quem tem contrato de trabalho e incorporar gente sem os direitos básicos. Barateia os seus custos, sem contratar nenhum trabalhador a mais. Foi isso o que sempre aconteceu, desde que se começou a implementar essa ideia.
Durante os governos neoliberais, como os de Fernando Henrique Cardoso no Brasil e de Carlos Menem na Argentina, por exemplo, a maioria dos trabalhadores deixou de ter carteira de trabalho assinada. Deixaram de ser cidadãos, porque cidadão é o sujeito de direitos e essa grande maioria deixou de ser sujeito de direitos.
E nem por isso aumentou o investimento privado ou diminuiu o desemprego, ao contrário, só se elevou o lucro dos patrões. Foi necessária mais de uma década de aumento do trabalho formal, nos governos de Lula, Dilma e dos Kirchner para que fosse recuperado o nível de formalização do contrato de trabalho perdido no neoliberalismo.
O nome real disfarçado pela informalização e pela flexibilização é precarização. É trabalho sem os direitos adquiridos. Uma obsessão dos governos de direita, que voltam a falar, no Brasil, com o golpe, de aumentar ainda mais a jornada de trabalho e a tirar direitos dos trabalhadores.
Um diretor da Fiesp, desses que levam mais de duas horas almoçando na região da Avenida Paulista e gastam fortunas em cada almoço, teve a empáfia de dizer que os trabalhadores não precisam de uma hora para almoçar, que bastam 20 minutos. Alegou, mentindo, que nos EUA o trabalhador come sanduíche com uma mão e continua acessando o computador com a outra. Outro mentiu sobre a França que, mesmo tendo um novo Código de Trabalho imposto contra a resistência dos trabalhadores, oficialmente não eliminou a jornada semanal de 35 horas.
Do que se trata, como diz o sindicalismo europeu, é de que se trabalhe menos, com jornadas menores, para que todos trabalhem, na direção exatamente oposta à que quer impor o governo do golpe.

domingo, 24 de julho de 2016

Bresser afirma que "esse impeachment é uma farsa"


0
36 

sábado, 23 de julho de 2016

O que estará em jogo no julgamento do Senado




Por Roberto Amaral

Carta Capital

Reuniu-se no Rio de Janeiro, em 19 e 20 de julho, o “Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil”, iniciativa que deita raízes no Tribunal Russell-Sartre sobre os crimes de guerra dos EUA no Vietnã, seguidamente reunido para julgar os crimes das ditaduras na América do Sul (‘Tribunal Russel II’, Roma 1974, Bruxelas 1975, Roma 1976), e que culminou, por suposto, com a condenação do regime militar brasileiro.
Sobre o Tribunal do Rio em si, ouviu-se o silêncio sepulcral de nossa grande imprensa, “dopada com tranquilizantes”, como observa Jânio de Freitas. Nem uma só palavra sobre a presença, entre nós, de juristas europeus, norte-americanos e latinos. E, por óbvio, nem uma linha, nem um segundo de rádio ou de televisão.
Nenhuma palavra sobre a sentença, simplesmente porque os juristas-jurados afirmam, unanimemente, a “inexistência de crime de responsabilidade ou de qualquer conduta dolosa que implique um atentado à Constituição da República e aos fundamentos do Estado brasileiro”, donde considerarem que o impeachment, com o qual o Senado ameaça a presidente Dilma Rousseff, se caracterizaria, acaso efetivado, como verdadeiro golpe ao Estado Democrático de Direito.
Assim, desvinculados dos conflitos brasileiros, atentos apenas ao bom Direito e aos fundamentos da democracia, nos falam juristas como Walter Antillón Montenegro (Costa Rica), Jaime Fernando Cárdenas Garcia (México), Maria José Farinas Dulce (Espanha), Alberto Filipi (Argentina), Carlos Augusto Gávez Argote (Colômbia), Azadeh N. Shahshahani (EUA), Giani Tognini (Itália) e Raul Veras (México).
Mas a questão jurídica, não obstante sua relevância, é apenas um dos muitos aspectos da violência que, abatendo-se sobre Dilma, ameaça, na verdade, o processo histórico-social brasileiro, ameaça o desenvolvimento, a independência e o futuro de nossa gente e de nosso País. Acena com uma regressão político-ideológica de décadas, em certos termos mais profunda do que aquela que nos atingiu em 1964, e da qual pensávamos, vã ilusão, que nos havíamos vacinado com a redemocratização e as vitórias populares que se seguiram a 2002.
A história está aí para ensinar a possibilidade sempre presente de retorno a quadros políticos aparentemente superados, e que o pior é sempre uma possibilidade. A tragédia alemã do nazismo foi gerada ainda no útero da constituição democrática de Weimar, mãe de nossa Carta de 1934, que, por seu turno, expeliu àquela autoritária do Estado Novo.
Nas entranhas da frente democrática que dinamitou o Estado Novo (1945), estava o reacionarismo golpista e militarista da UDN, que finalmente chegaria ao poder com a regressão autoritária de 1964. Não nos esqueçamos da eleição de Collor, pondo uma pá-de-cal na frustrada promessa da ‘Nova República’ ao implantar a primeira experiência neoliberal, afinal levado a cabo pelos oito anos do tucanato, derrotado em quatro eleições, e agora redivivo no regime do presidente interino.
O professor Cristovam Buarque, senador da República por Brasília, reivindicando a isenção que ninguém lhe nega, apresenta-se, diante do processo do impeachment no Senado, como um jurado num tribunal do júri, prestes a julgar Dilma Rousseff: “Sou um julgador, não um indeciso. Mesmo que eu tivesse um sentimento formado, eu não diria qual é. Como é que posso julgá-la se ela não veio aqui” (Valor, 15/7/2016).
Posta de lado a óbvia irrelevância da eventual presença física da presidente na Casa Legislativa, o fato objetivo é que em nenhuma oportunidade o Senado, e nele o senador Cristovam Buarque, estará julgando a presidente Dilma, com seus erros e seus acertos. O que está em jogo (pode até ignorá-lo o senador, mas não ignorará o professor que sobrevive nele), é o futuro deste País. Uma nação que Cristovam (e seus colegas) assumirá a responsabilidade histórica de legar aos seus netos.
Justifica-se que poucos tenham acreditado nos reais compromissos de Michel Temer quando o vice em campanha pelo cargo anunciou sua “Ponte para o futuro”, na verdade sua carta de compromisso com o atraso. Justifica-se, pois a fidúcia jamais foi elemento destacado do caráter de Temer e seus áulicos de hoje. Mas como ignorar seus dois meses de governo interino e as promessas com as quais acena na trágica eventualidade da consumação do crime político?
Como ignorar a PEC 241/2016, a limitar o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação, efetiva promessa de barbárie social? Para não falar da catástrofe que ela anuncia para a educação brasileira – isto é, para o futuro do país, e isso o senador Cristovam sabe muito mais do que eu e a maioria de meus poucos leitores e seus muitos eleitores.
Resistência ao Golpe
O voto pelo impeachment é a opção pelo regresso social (Foto: Lula Marques/Agência PT)
Consideremos apenas o que a proposta anuncia para a Saúde. Arrimo-me nas denúncias do ex-ministro José Gomes Temporão: “Se essa regra vigesse há 20 anos, não teríamos o programa nacional de imunizações que é o maior do mundo, não teríamos o programa de Aids que é um dos mais respeitados do mundo, não seríamos o segundo maior país em transplantes de órgãos, não teríamos os 100 milhões de brasileiros cobertos pelo Programa de Saúde da Família e o impacto, dando só um exemplo, da redução dramática da mortalidade infantil (...) Eu diria que viveríamos uma situação de barbárie social, simplesmente” (seminário “Austeridade contra a Cidadania”, São Paulo, 18/7/2016).

Mais que julgar Dilma Rousseff, quem votar pelo impeachment estará, conscientemente, votando num projeto de governo no qual o SUS e as compensações sociais não cabem no Orçamento da União. Está em jogo uma opção clara, ideológica e material, pelos credores e pelos rentistas, em detrimento do povo.
Votando a favor do impeachment, fundado na conspiração e na fraude, supondo estar julgando a honrada presidente Dilma, na verdade o humanista e agora senador Cristovam estaria (e creio que jamais estará) optando pela revisão dos direitos dos trabalhadores, pelo desmonte do Estado e pela alienação de nossa soberania. Não há mágoa que o justifique. Fique isso bem claro, para que fique bem claro o compromisso que cada um dos senadores e senadoras estará assumindo com o País e seu povo: o voto pelo impeachment é a opção pelo regresso social.
É ainda a opção por novo período ditatorial, uma ‘ditadura de novo tipo’, na sequência de um ‘golpe de novo tipo’, sem tanques nas ruas, sem vetustos generais de óculos escuros, mas comandada por arrivistas civis, apoiada por estamentos burocráticos estatais poderosíssimos em simbiose como a Polícia Federal, o Ministério Púbico Federal, setores do Poder Judiciário e um STF partidarizado, cujo melhor exemplo é a liderança política e técnica de Gilmar Mendes, o adversário do decoro, aquele ministro que, como observa o colunista Bernardo Mello Franco, da Folha de S.Paulo, “não disfarça” seu facciosismo.
O novo governo já disse a que veio e já anunciou com o que nos ameaça mais na frente, como governo das elites contra os pobres. De seu repertório de perversidades constam todos os apelos da direita, do reacionarismo, do preconceito social, a fermentação do autoritarismo que toma conta das estruturas da desigual sociedade brasileira.
De par com a desnacionalização da economia nacional, em marcha, de par com a precarização do Estado reduzindo ou anulando seu poder de intervenção em favor dos mais pobres e mais oprimidos, anulando seu poder de indutor do desenvolvimento social e de combate às desigualdades sociais e econômicas, culturais, políticas e regionais.
O governo da direita já anunciou a retomada de teses como a redução da maioridade penal e elevação de três para 10 anos do limite de internação de menores infratores e – atenção, senador Cristovam! –, o corte das verbas para a Cultura e para Educação, após o assassinato do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e o abastardamento da universidade pública, do ensino e da pesquisa, bem como a redução do acesso dos pobres à universidade e ao ensino gratuitos.
O governo, pelos seus associados, já anuncia como meta o aumento da carga horária dos trabalhadores. O empresário-rentista dos bancos públicos Benjamin Steinbruch sugere que o intervalo para o almoço dos trabalhadores seja reduzido a 15 minutos.
O ministro do Trabalho, cargo antes ocupado por políticos comprometidos com os direitos dos trabalhadores, volta à lengalenga udenista contra a CLT e, em nome de sua “modernização”, retoma o discurso da terceirização e da supremacia da negociação sobre a proteção legal. Que negociação pode ser favorável aos trabalhadores, especialmente àquelas categorias mais fragilizadas, em meio a à recessão e ao desemprego?
Um governo que acena contra as garantias da Previdência, a favor dos ricos e contra os pobres, a favor do capital e contra o trabalho, contra o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, promotor da desigualdade social, antinacional e antipopular, não sobrevive no leito das franquias democráticas. O governo com o qual acena o vice-perjuro será necessariamente uma ditadura de novo tipo
Um regime antidemocrático, conformado com uma Constituição reformada, emendada ao sabor de uma maioria retrógada. Uma ditadura amparada na unanimidade da grande imprensa, a serviço do poder econômico e por isso louvada por todas as avenidas Paulistas da vida, além de protegida pela parcialidade do Poder Judiciário, preguiçoso na defesa dos pobres e pressuroso na proteção dos direitos dos poderosos.
Diante desse quadro, como pode um senador ou senadora, liberal ou de centro-esquerda, ter dúvidas sobre que decisão tomar?

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Escola sem Partido e a Geração de Zumbis

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:

Educar por educar, passando apenas dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e o cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, sem considerar a realidade à sua volta, sem ajudá-lo a construir um senso crítico e questionador sobre o poder, seja ele vindo de tradições, corporações, religiões ou governos, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina. A um tijolo, em qual parte do muro deve permanecer.

Uma das principais funções da escola deveria ser “produzir'' pessoas pensantes e contestadoras que podem – no limite – colocar em risco a própria sociedade do jeito que a conhecemos, fazendo ruir a estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está.

Em outras palavras, educar pode significar libertar ou enquadrar. Pode ajudar às pessoas a descobrirem como quebrar suas próprias correntes ou ser o pior cativeiro possível, fazendo com que vítimas se tornem cães de guarda de seus agressores.

Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Que tipo de educação um movimento como o “Escola Sem Partido'', e tantos outras propostas de fundamentalistas, quer implantar?

Presos na cortina de fumaça da suposta doutrinação, empobrecemos um pouco mais o debate sobre educação. Ganha quem aposta que o resultado de toda essa confusão será a contenção dos pequenos avanços civilizatórios da área nos últimos anos.

Pois, como bem disse Paulo Freire, todos somos orientados por uma base ideológica. A discussão é se a nossa é includente ou excludente. Mas se as pessoas que mais precisariam fazer essa reflexão chamam Paulo Freire de “lixo'', será uma grande caminhada até que percebam o tamanho da corrente que prende seus pés.

As ideologias mais violentas, inclusive, são as que se vendem com um discurso de que não são ideologias. Que se mostram como a saída “lógica'' e “natural'', sendo que não há caminhos lógicos e naturais em se tratando de humanidade. O que existe é debate. Muito debate.

Pois quando pede-se que o professor ou a escolas se omite ou é proibido de analisar o mundo sobre um ou mais pontos de vista, dizendo que isso só serve para doutrinação, a ideologia hegemônica na sociedade ocupa silenciosamente o espaço deixado. E, na prática, ensina aos jovens que tudo está bem quando, na verdade, ele desesperadoramente sente o contrário.

Em algumas sociedades, pessoas que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança, chamadas de mal-educadas e vagabundas e acusadas de serem resultado de uma educação que não deu certo.

Para muita gente aqui no Brasil, bom mesmo é quando, da fornada, sai um outro tijolo para o muro, igualzinho ao anterior. E ao anterior. E ao anterior…

Com tanta coisa importante para discutir, com tanta ação urgente para tomar, nos pegamos imobilizados numa falsa questão, sustentada por argumentos frágeis e para lá de questionáveis.

E o futuro, aquele que nunca chega, vai ficando a cada dia mais distante.

Fonte: blog do Altamiro Borges

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Andrequicé, distrito de 400 casas e 2 mil habitantes, respira Guimarães Rosa

Após 60 anos de 'Grande Sertão: Veredas', distrito mineiro respira Guimarães Rosa

Andrequicé, pequeno distrito da cidade de Três Marias, é tomado a cada esquina pela obra de Guimarães Rosa. Do restaurante 'Veredas' até a Praça 'Uma Estória de Amor'
por Léo Rodrigues, da Agência Brasil   
Frases de Guimarães Rosa tomam as ruas de Andrequicé (MG)
Andrequicé (MG) – Do Cine Manuelzão, passando pelo restaurante Veredas até a Praça Uma Estória de Amor, a obra de Guimarães Rosa (1908-1967) ocupa cada esquina de Andrequicé. No pequeno distrito do município de Três Marias (MG), a 280 quilômetros de Belo Horizonte, mesmo aqueles que nunca leram Grande Sertão: Veredas sabem relatar algum detalhe da aventura entre Riobaldo e Diadorim. Sobre Manuelzão, o protagonista de Uma Estória de Amor, contam muito além do que diz a literatura roseana. É que justamente em Andrequicé viveu Manuel Nardi, o Manuelzão de carne e osso, inspirador de um dos personagens mais famosos do universo de Guimarães Rosa.
A diversidade cultural do distrito foi apresentada na XV Semana Cultural Festa de Manuelzão. Ao longo de oito dias, shows, filmes, quadrilha, contação de histórias, teatro, dança de ciganos, folia de reis, cavalgada e cortejo de carros de boi ilustraram a riqueza do sertão eternizado por Guimarães Rosa. Uma visita a locais citados pelo escritor levou os presentes a se sentirem nas páginas dos livros. Duas jovens encenaram, às margens do rio De-janeiro, o primeiro encontro entre Riobaldo e Diadorim. A festa terminou neste domingo (17).
A história de Guimarães Rosa com o sertão mineiro tem na boiada de 1952 um de seus mais importantes marcos. O escritor decidiu reunir um grupo de vaqueiros para realizar um percurso de 240 quilômetros em 10 dias, da Fazenda Sirga, a 60 quilômetros de Andrequicé, até Araçaí (MG), município vizinho a Cordisburgo (MG). Ao longo do trajeto, o escritor fez anotações sobre lugares e pessoas. É dessa realidade que Guimarães Rosa vai extrair a matéria-prima para lançar, há exatos 60 anos, Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, que posteriormente seria desmembrado em três volumes: Manuelzão e MiguilimNo Urubuquaquáno Pinhém eNoites do Sertão.
A boiada também permitiu a Guimarães Rosa observar atentamente o linguajar sertanejo. "Ele anotou muitos termos, muitos 'causos' e muitos vocábulos sertanejos que vão ganhar vida na sua literatura. É através dessa linguagem que ele vai apresentar para o Brasil um país ainda desconhecido de si mesmo", analisa Telma Borges, professora de literatura da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de escrita, recheada de recursos linguísticos, que faz com que muitos leitores considerem a leitura difícil. Segundo Telma, ele criou uma linguagem original, mas com correspondência na linguagem sertaneja. A professora explica que o escritor mineiro usa a gramática, mas não a normativa e tradicional. "Ele desloca os termos da oração e se sente um estranhamento. O leitor tropeça nas palavras. É mais fácil entender o texto lendo devagar, voltando atrás para recuperar o sentido das frases, ou lendo em voz alta. Daí é interessante como a leitura em voz alta produz uma significação muito mais acelerada. A literatura de Guimarães Rosa tem uma marca de oralidade, que permite a identificação com o sertanejo".
Ao longo do evento, Telma conduziu alguns passeios e ministrou oficinas para alunos do ensino fundamental. Ela destaca o conhecimento que as crianças já têm de Guimarães Rosa. "Eles preparam ao longo de todo o ano atividades para a Semana Cultural, como teatro e contação de história. É muito explícito como a formação dessas crianças se dá a partir da literatura e sobretudo sobre a literatura de Guimarães Rosa", diz.

Linguagem complexa

No distrito de 400 casas e 2 mil habitantes, o gosto pela literatura foi calejado pelo tempo. "Eu nunca gostei muito de ler. No meu tempo, as escolas faziam uma pressão muito grande pela leitura e acho que criei uma aversão. Não era prazeroso, era obrigado. Depois de muito tempo, começaram a organizar as rodas de leitura. A cada 15 dias, nos reunimos por duas horas para ler trechos de Grande Sertão: Veredas. Decidi ir a primeira vez por curiosidade e tomei gosto. É legal porque é uma linguagem complexa, mas lendo em grupo, fica mais fácil entender", conta a moradora Maria Borges de Souza.
Esta linguagem complexa e particular atrai também o interesse de estrangeiros, e a obra tem dezenas de traduções. Com a cultura de quem dominava seis idiomas e tinha algum conhecimento em pelo menos outros cinco, Guimarães Rosa foi bem duro com algumas versões, como a inglesa de 1963. "Não viram, principalmente, que o livro é tanto um romance, quanto um poema grande, também. É poesia ou pretende ser, pelo menos", escreve ele em uma carta datada de 17 de junho de 1963.
Presente na XV Semana Cultural Festa de Manuelzão, o alemão radicado no Brasil Berthold Zilly anunciou que irá encarar o desafio de fazer uma nova tradução de Grande Sertão: Veredas. Professor e crítico literário, seu objetivo é justamente oferecer um relato mais fiel à linguagem de Guimarães Rosa. A única versão alemã da obra, lançada em 1964, narra os acontecimentos sem transmitir a originalidade da escrita do autor mineiro.
A linguagem de Guimarães Rosa também foi levada para as telas. Grande Sertão: Veredas virou uma série produzida pela Rede Globo em 1985, dirigido por Walter Avancini e com a atuação de Tony Ramos, Tarcísio Meira e Bruna Lombardi. A cena de abertura foi rodada em Andrequicé, às margens do rio De-janeiro. Mais tarde, o distrito foi novamente palco de uma grande produção: o filme Mutum, dirigido pela cineasta Sandra Kogut. Única película brasileira selecionada para o Festival de Cannes de 2007, a obra adapta o conto Campo Geral presente no livro Manuelzão e Miguilim. O conto apresenta a história de Miguilim, um garoto pobre que vivencia alguns eventos trágicos na infância até que desenvolve uma amizade com um médico e é levado para estudar na cidade.
O jornalista Pedro Fonseca, que recebeu uma comitiva da equipe de produção, lembra que alguns defenderam que o filme fosse rodado no estado de Goiás, argumentando que o sertão mineiro não seria mais o mesmo retratado por Guimarães Rosa. Ele levou-os para uma passeio, inclusive a pontos citados pelo escritor, o que teria convencido a produção. Mesmo assim, o jornalista lamenta a falta de preservação do meio ambiente. "Os eucaliptos tomaram a paisagem. Para mim, está provado que a falta de água na região se deve ao eucalipto. Não chove. Andrequicé está com problemas de abastecimento. As veredas estão secas e devastadas. Dá uma tristeza muito grande e um sentimento de impotência", lamenta.

60 anos de Grande Sertão: Veredas

O evento é organizado pela Sociedade dos Amigos do Memorial Manuelzão e de Revitalizacão de Andrequicé (Samarra) e conta com o apoio do Ministério da Cultura. Nesta edição, a festa celebrou seus 15 anos e lembrou os 60 anos dos livros Grande: Sertão Veredas e de Manuelzão e Miguilim, que reúne os contos Uma Estória de Amor e Campo Geral. O aniversário das obras lançadas em 1956 é motivo para um sertão em festa. A data foi também celebrada na semana passada durante o FestiVelhas 2016, em Morro da Garça (MG), e na 28ª Semana Roseana, em Cordisburgo (MG), cidade natal do escritor.
Segundo o presidente da Samarra, José Antônio Vicente de Souza, a festa coroa o engajamento da cidade em torno da preservação da obra de Guimarães Rosa e do legado de Manuelzão. "A gente percebia que o distrito precisava de cuidados, ao mesmo tempo que tínhamos o desejo de preservar a história de Manuelzão. Daí surge a Samarra. Para revitalizar o Andrequicé através da cultura. Olha que legal, não é uma coisa bacana?", explica José Antônio, que é também sobrinho da ex-mulher de Manuelzão.
A Samarra conta cada vez com mais instrumentos para estimular o mergulho na literatura roseana. Durante o evento, o Memorial Manuelzão, sediado na casa onde morou Manuel Nardi, ganhou um reforço: o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) entregou ao memorial uma versão digital das cadernetas de Guimarães Rosa. Elas contêm as anotações que serviram de base para a publicação de Grande Sertão: Veredas.
Um dos pontos altos da XV Semana Cultural Festa de Manuelzão foi o desfile das roupas produzidas pelas bordadeiras de Andrequicé. O grupo, que foi formado na primeira edição do evento com o apoio de Furnas, faz reuniões semanais. Até então, elas trabalhavam em painéis, capas de almofadas e colchas, sempre inspiradas em frases extraídas da obra de Guimarães Rosa. Para produzir as roupas, elas realizaram encontros desde o início do ano onde receberam orientação do designer de moda Marcos Pessoa Morais, de Belo Horizonte.
Márcia Alves, de 56 anos, é dona de um bar em Andrequicé e integra o grupo. "Bordo nas horinhas de descuido, como dizia Guimarães Rosa", se diverte. "Cada dia que eu bordo uma frase de Guimarães Rosa, eu me sinto na faculdade. Acho que estou aprendendo mais", acrescenta. Ela conta que a coleção de roupas apresentada foi toda inspirada no romance de Riobaldo e Diadorim e se emociona com o resultado. "Não pensava nunca que iríamos chegar nesse patamar".
Fonte: Rede Brasil Atual