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segunda-feira, 27 de julho de 2020

As evidências de um crime, por Luiz Antônio do Nascimento

As evidências de um crime

POR LUIZ ANTONIO DO NASCIMENTO - JULHO 27, 2020


Poderíamos atribuir esse fúnebre festival de absurdos à incompetência ou à prepotência arrogante do governo ao confrontar a lógica, o bom senso, o conhecimento, a compaixão. Mas o que houve, principalmente, foi uma evidente e deliberada omissão criminosa que levou à morte milhares de cidadãos brasileiros – caminhamos, céleres, para a marca das 100 mil vidas perdidas

Algo de muito sério está acontecendo e não estamos nos dando conta ‒ ou até estamos, mas parecemos anestesiados, uns pela ignorância cega às atrocidades do governo, outros pela fidelidade suicida, alguns pelo profundo desencanto com a classe política, e há aqueles que admiram o sadismo descontrolado. Precisamos reagir.

Não é um pedido. É uma exigência, questão de sobrevivência como nação. Fatos trazidos a público pela imprensa durante a semana passada, de tão sérios, estão a exigir, dos tribunais daqui ou do exterior, a interdição imediata desse presidente insano e seu fantoche ministro da Saúde. 

Domingo, Bolsonaro foi denunciado por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Esta é a quinta representação criminal contra ele. Nela, uma coalizão de entidades que congregam trabalhadores da área da saúde acusa o presidente brasileiro de “menosprezo, descaso e negacionismo” no combate à Covid-19, o que “trouxe consequências desastrosas”, como a disseminação da doença e o colapso dos serviços de saúde, resultando em milhares de mortes.

É muito, mas muito grave. Pelo tamanho da crueldade. Primeiro, lembremo-nos: desde as primeiras horas, Bolsonaro descarta conselhos e orientações, mostrando um impiedoso desprezo pela vida. Ainda em março, no mesmo dia em que o general-comandante do Exército se preparava para “o enfrentamento de uma pandemia que exige a união de todos”, o presidente foi para a TV falar que aquilo era uma “gripezinha”. Já tinham morrido 47 cidadãos brasileiros.

No início de maio, a ABIN, Agência Brasileira de Inteligência, encaminhava ao presidente um lote de 47 relatórios que sugeria a adoção do isolamento social e chamava a atenção para a falta de leitos de UTI e de testes para monitorar a pandemia. O que fez o capitão? Intensificou, nas ruas, a campanha pela retomada da economia. Já tinham morrido 7.321 cidadãos brasileiros.

Essa omissão genocida (genocida, sim) ficou evidente em decisões reveladas semana passada que envolvem o general-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o homem que na verdade comanda o ministério, o presidente – razão pela qual até hoje o militar da ativa é tratado como interino; não há decisão que ele tome que não tenha sido determinada pelo capitão.

Então, vejamos o que se descobriu:

1 – No dia 25 de maio, o Comitê de Operações de Emergência em Saúde Pública do MS propôs ao ministro medidas sociais drásticas para evitar a superlotação das UTIs e o elevado número de casos. E alertava: “Sem isolamento, será necessário um tempo muito grande, de um a dois anos, para controlarmos a situação”. Já tinham morrido 23.473 cidadãos brasileiros. O que fez Pazuello? Baixou uma portaria em 19 de junho orientando a retomada das atividades. Já tinham morrido então 49.090 cidadãos brasileiros. 

2 – Na mesma reunião de 25 de maio, o comitê técnico desaconselhou a compra de cloroquina em larga escala, “pois caso o protocolo venha a mudar, podemos ficar com um número em estoque parado para prestar contas”. O que fez Pazuello, que dias antes estabelecera o uso da cloroquina no protocolo do SUS? Comprou três toneladas de insumo farmacêutico para produzir o remédio do chefe.

3 – Em reunião dia 29 de maio, na secretaria executiva do MS, Pazuello foi informado de outra preocupação do comitê técnico: o risco de desabastecimento, na rede pública, de 267 insumos para o tratamento da Covid-19. Na ata da reunião, uma recomendação: “Não fazer divulgação dos dados” – dias depois, o Ministério tentou esconder e manipular os dados diários da Covid-19. Já tinham morrido 27.878 cidadãos brasileiros.

4 – Em fins de junho, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde denunciou falta de medicamentos nas UTIs dos hospitais públicos em 21 Estados e no Distrito Federal. Entre eles, anestésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares usados em pacientes entubados. Já tinham morrido 59.656 cidadãos brasileiros.

5 – No dia 3 de julho, o comitê técnico informou que o MS tinha 4 milhões de comprimidos de cloroquina em estoque. Já se sabia que o medicamento era ineficaz e perigoso. E já tinham morrido 63.254 cidadãos brasileiros.

6 – Dia 15 de julho, o Tribunal de Contas da União apontou que o Ministério gastou apenas um terço dos recursos que tem para combater o novo coronavírus. Dos R$ 38,9 bilhões que o governo afirma ter liberado, usou apenas R$ 11,4 bilhões. O que fez Pazuello? Disse apenas que o repasse “não é uma corrida de cem metros”. Já tinham morrido 75.523 cidadãos brasileiros.

Poderíamos atribuir esse fúnebre festival de absurdos à incompetência ou à prepotência arrogante do governo ao confrontar a lógica, o bom senso, o conhecimento, a compaixão. Mas o que houve, principalmente, foi uma evidente e deliberada omissão criminosa que levou à morte milhares de cidadãos brasileiros – caminhamos, céleres, para a marca das 100 mil vidas perdidas.

Cem mil brasileiros que irão atormentar para sempre a consciência dessa sociedade patética que se diz democrática, mas despreza um título que deveria utilizar com orgulho e nos coloca a todos como iguais – o título de cidadão, que não admite diferenciações, subordinações, distinções, humilhações. Nos últimos dias, vimos de um lado como brasileiros têm jogado esse conceito no lixo, impunemente; de outro, como o governo trata os filhos, ainda vivos, da pátria amada.

“Tudo que vem para pobre é com sacrifício. Tudo.” – desabafava na TV a mulher que, com o marido e a filha doentes, voltava pra casa depois de enfrentar longa fila e não conseguir mais uma vez resolver o problema burocrático para receber o auxílio emergencial de R$ 600 numa agência da Caixa.

Para completar:

‒ O conselho permanente da CNBB estuda a divulgação de um manifesto assinado por 152 bispos e arcebispos brasileiros. Mônica Bergamo antecipou na Folha o conteúdo da “Carta ao Povo de Deus”, que traz duras críticas ao governo Bolsonaro. Oremos.

‒  Sujeito de sorte esse Queiroz! Tá em casa por decisão do ministro João Otávio de Noronha, do STJ, o mesmo que rejeitou 700 pedidos similares por presos do grupo de risco da Covid-19.  

‒ Liberdade de expressão é uma coisa. Fake news, manipulação da opinião pública e uso de robôs para disseminação de ameaças e ofensas em massa, outra.

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Postado por LUIZ RICARDO PÉRET às 13:34
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LUIZ RICARDO PÉRET
As noticías que leio e me fazem pensar e aí... Dentista (graduação:FOUFMG) . Trabalho em Centro de Saúde em Belo Horizonte. Atuo no Programa de Saúde da Família (PSF). Especialista em Saúde Coletiva, pela Faculdade de Enfermagem da UFMG. Especialista em Odontopediatria, pela Faculdade de Odontologia da UFMG. Exerci funções de Gerente de Unidade Básica de Saúde e Referência Técnica Odontológica, no Distrito Sanitário Leste de Belo Horizonte. Áreas de interesse: Saúde, Políticas Públicas, Patrimônio Histórico, Religião, Cultura.
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