Leiam os dois artigos que analisam a entrevista de Glenn Greenwald no programa "Roda Viva" da TV Cultura.
Jornal GGN
Luis Nassif
A diferença abissal entre Glenn e o jornalismo pátrio, por Luis Nassif
A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo.
A #Vaza Jato é das mais importantes reportagens da história da imprensa brasileira. E Glenn Greenwald um advogado constitucionalista, jornalista, que se saiu vitorioso do maior desafio do jornalismo mundial: as reportagens sobre o caso Snowden, que o colocaram na mira dos maiores poderes mundiais, da CIA ao próprio governo dos Estados Unidos.
A estratégia adotada para a divulgação do dossiê Snowden e, agora, da #Vaza Jato – de parceria com veículos de mídia – é campeã. Institucionaliza a cobertura e blinda sua própria atuação como jornalista.
Por isso mesmo, uma hora e meia de entrevista com ele permitiria levantar informações preciosas. Por exemplo:
- Como se dá a coordenação da cobertura compartilhada para impedir, por exemplo, redundâncias ou conflitos de interpretação?
- Quais são as ferramentas de pesquisa utilizadas? Sistema de localização para textos? E no caso dos áudios, como filtrar?
- Como foi a operação para colocar o conteúdo a salvo da ação da Polícia Federal e, mesmo, da CIA? Como funcionam os sistemas de nuvens para ficarem a salvo de órgãos de Estado.
- O que esperar das conversas gravadas sobre as negociações com advogados de delatores? Qual o nível de intimidade entre procuradores e advogados?
- Quais os indícios de interferência de Rosângela Moro e o primeiro amigo Zucolotto nos acordos de delação?
- Como foram as conversas sobre a fundação que administraria os recursos da Lava Jato?
- Houve conversas com colegas de outros países sobre parcerias em escritórios de compliancepara atender empresas denunciadas pela Lava Jato? Há indícios sobre a indústria da anticorrupção?
- Qual o grau de intimidade entre Lava Jato e magistrados de tribunais superiores?
Com todas essas informações podendo ser extraídas de Glenn, por quase uma hora e meia o programa girou em cima do mesmo bordão, sobre as intenções do The Intercept com o dossiê, sem o menor conhecimento sobre o papel do jornalista, da polícia e do político.
Como é possível perguntas do tipo: no caso do Snowden, ele invadiu porque conhecia o conteúdo. Como explicar uma invasão prévia dos arquivos da Lava Jato antes dos invasores saberem o que havia?
Os entrevistadores não conseguiam distinguir o papel do jornalista do hacker; ou do procuradores e do jornalista.
Ou então, pretendendo comparar as críticas de Glenn contra os vazamentos da Lava Jato com os vazamentos da Vaza Jato, demonstrando uma ignorância completa em relação aos poderes, prerrogativas e responsabilidades de juízes e procuradores, em relação aos jornalistas.
Foram muitas perguntas descabidas.
Uma delas, é o estranhamento da razão de denúncia tão forte – como a de que Deltan Dallagnol negociou apoio a uma ONG com empresas envolvidas na Lava Jato – ter saído agora e não antes. Porque Cabral descobriu o Brasil no dia 21 de abril, e não um mês antes? Como se a ordem dos fatores mudasse o resultado. Ou a indagação se ele estaria sugerindo substituir repórteres por hackers. A tudo Glenn respondia pacientemente, recorrendo aos fundamentos do jornalismo.
Uma das peças mais utilizadas pelos entrevistadores foi o manual das semelhanças indevidas.
Pergunta de uma jornalista: qual a diferença entre sua alegação (denunciando as fakenews contra seu marido) e a de Deltan, de que os vazamentos da Vaza Jato visam comprometer a Lava Jato? A diferença é de uma obviedade ululante: Glenn assegura que as supostas denúncias sobre rachadinhas são falsas; e as informações da Vaza Jato verdadeiras.
A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo. Mostra que há uma ignorância ampla sobre fundamentos básicos de jornalismo, praticados em qualquer país civilizado. Lembra em muito os jornalistas do sistema nos tempos da ditadura.
Glenn Greenwald explica ética e papel do jornalismo a 6 jornalistas no Roda Viva
Por Patrícia Faermann
"A informação, mesmo aquela obtida de maneira ilegal, o jornalista não só tem o direito, mas a obrigação de publicar, porque isso não é um crime, e ninguém acredita que é um crime", teve que explicar Glenn Greenwald
Jornal GGN – A entrevista de Glenn Greenwald no Roda Viva, nesta segunda-feira (02), impactou as redes sociais não somente pelas respostas envolvendo diretamente os vazamentos das mensagens da Lava Jato, como pelas lições que o advogado e jornalista norte-americano teve que dar sobre ética, obrigações e garantias da profissão para a bancada de seis entrevistadores de jornais tradicionais.
Como no formato original, o programa da TV Cultura teve mais de uma hora de duração, desta vez com a participação do fundador do The Intercept Brasil, o jornalista que ficou reconhecido internacionalmente pelas denúncias sobre o programa de espionagem da NSA repassadas por Edward Snowden, e atualmente o que recebeu as mensagens da chamada VazaJato, entre investigadores e o ex-juiz Sergio Moro, que revelam como eles atuaram para incriminar e condenar os investigados.
Após Greenwald usar boa parte do primeiro e segundo blocos do programa para explicar à plateia de jornalistas que o rodeavam as garantias inclusive da Constituição brasileira ao jornalista, como proteção à fonte, e que os fins para se chegar ou prender investigados não podem justificar os meios, cometendo os próprios investigadores também ilegalidades, a repórter Lilian Tahan, do portal Metrópoles, fez a pergunta nos últimos minutos que resumiu a tentativa dos demais entrevistadores durante todo o programa de tentar incriminar o jornalista.
As intervenções de diversos entrevistadores foram na mesma linha para o questionar se ele iria paralisar as reportagens caso a polícia descobrisse que o hacker que obteve as mensagens e as repassou recebeu dinheiro para isso, cometendo crime. O jornalista norte-americano disse que não, uma vez que ele não cometeu crime por estar fazendo seu papel de jornalista.
Tahan então perguntou: “não seira mais fácil demitir repórteres e contratar meia dúzia de hackers?”. “Desculpa?”, perguntou o convidado, visivelmente perplexo. De maneira óbvia, Greenwald explicou à entrevistadora que “jornalistas não têm o direito de quebrar a lei” e que caso o façam devem ser responsabilizados, mas que ele não cometeu nenhum crime em atuar como jornalista.
O segundo e terceiro blocos tiveram como foco o mesmo tom de questionamento, principalmente enfatizando se as consequências das reportagens do The Intercept e jornais parceiros com a VazaJato poderiam anular as condenações de centenas de presos dos processos. “Você defende a anulação sumaria de todos os processos e condenações da Lava Jato?”, perguntou, em determinado momento, o editor do Globo, Gabriel Mascarenhas.
O editor do The Intercept afirmou que não é juiz e não integra o Supremo Tribunal Federal para responder a essa pergunta. Em seguida, outros questionamentos insistiam na mesma linha, como por exemplo, o da âncora Daniela Lima, que perguntou como ele se sentiria, se teria “peso na consciência” caso o ex-deputado Eduardo Cunha ou Geddes Vieira Lima fosse solto graças às reportagens.
Até que Glenn teve que responder, novamente de maneira lógica, que pessoas que cometeram crime devem ser responsabilizadas efetivamente, mas seguindo o devido processo legal, o que não permite que investigadores ou juízes cometam outras ilegalidades para isso. Em outras palavras, que os fins não justificam os meios. “A informação, mesmo aquela obtida de maneira ilegal, o jornalista não só tem o direito, mas a obrigação de publicar, porque isso não é um crime”, respondeu, e completou em tom de alerta contra a censura ou estado democrático à bancada de entrevistadores: “e ninguém acredita que é um crime”.
“O jornalismo mais importante, mais influente, mais premiado muitas vezes vem de fonte que cometeu crimes para obter essa informação, e isso não é o papel dos jornalistas”, enfatizou.
Foram poucos os momentos em que os jornalistas ali presentes perguntaram a Greenwald se ele tinha mais informações importantes a revelar sobre as mensagens. As duas vezes em que esse tema foi levantado pelos entrevistados, era para saber se ministros da Suprema Corte seriam arrolados em reportagens futuras. O jornalista respondeu que não havia documentos de peso envolvendo ministro do STF e que as mensagens pessoais destas figuras não seriam divulgadas, por critérios de ética da profissão.
Os entrevistadores, contudo, não quiseram saber se havia mais mensagens sobre ilegalidades cometidas pelo coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, e pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro. Tampouco houve interesse sobre o impacto e desdobramentos de um dos maiores furos de reportagem da história recente do país.