segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Lula: “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”; leia a íntegra da carta

O ex-presidente Lula afirmou, em carta publicada nesta segunda-feira 30, que não irá “barganhar” seus direitos e sua liberdade em resposta à intenção da Operação Lava Jato em concedê-lo prisão domiciliar.

Leia a íntegra a carta de Lula: ‘não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade.’

 "Diante das arbitrariedades cometidas pelos procuradores e por Sérgio Moro..."

Lula: “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”; leia a íntegra da carta



Lula deve sair para liderar o país, segundo o jurista Pedro Serrano

Rede Brasil Atual

Lula deve sair para liderar o país, segundo o jurista Pedro Serrano

Acatar o pedido do MP não significaria reconhecer o processo "vil" a que foi submetido, sugere o professor de Direito Constitucional da PUC-SP. "O país precisa de Lula falando"
    
   
RICARDO STUCKERT
"Lula deve sair de cabeça erguida, sabendo que o país precisa das palavras dele", afirma o jurista
São Paulo – Na avaliação do jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve aceitar a progressão para o regime semiaberto. O pedido, assinado pelos 15 membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, tendo o procurador Deltan  Dallagnol à frente, foi encaminhado à Justiça Federal na última sexta-feira (27).
Segundo ele, no plano jurídico, é um pedido absolutamente correto, já que Lula cumpriu 1/6 da pena e tem direito à progressão para o regime semiaberto, quando trabalharia durante o dia e dormiria na prisão – ou ainda em prisão domiciliar, com tornozeleira, podendo também trabalhar e sair livremente durante o dia, e se recolhendo à noite e nos finais de semana.
“Como advogado, aconselharia a usufruir desse direito. Não tem nada a ver com reconhecer culpa, nem a legitimidade desse julgamento vil. Quanto menos restrições sofrer no seu direito de liberdade, melhor. Menos agressão tirânica há em relação aos seus direitos”, afirmou Serrano aos jornalistas Glauco Faria e Jô Miyagui, em edição especial do Jornal Brasil Atual, neste sábado (28).
No plano político, o pedido é absolutamente “inusitado”, segundo Serrano, já que caberia à defesa de Lula fazê-lo, e revela um recuo dos agentes da Lava Jato diante das revelações trazidas pela Vaza Jato e da iminente mudança de postura do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação aos abusos cometidos pelos procuradores, em conluio com o então juiz Sério Moro.
“No plano jurídico, aconselharia ele a sair. No plano político, também, porque fora da cadeia Lula ele pode falar, dar entrevistas e estar mais presente na vida nacional. O país precisa de Lula falando. O país está entrando num caminho absolutamente sem sentido”, diz o jurista, que cita as confissões do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que revelou ter ido armado à uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes.
“O país está uma bagunça, está sem ordem. Lula pode significar a retomada de um caminho ordeiro, moderado e de progresso. Ele falando orienta as pessoas, o país. Ele tem uma imensa e singular capacidade de liderança”, defende. “Esses homens, sem querem, estão fazendo um favor para o país. Lula deve sair de cabeça erguida, sabendo que o país precisa das suas palavras. Ele precisa estar em casa para poder falar ao povo. O povo precisa de direção nesse momento. Nossas instituições, nossos homens de liderança, se deixaram vender para a mídia, para a vaidade, em nome de interesses pessoais, e realizaram um caos nesse país, desde o impeachment da Dilma, e nós não estamos conseguindo colocar o país nos trilhos”, afirma Serrano.

Direitos Políticos

Para Serrano, quando libertado, Lula poderá falar e opinar livremente, como qualquer cidadão. Qualquer restrição aos seus direitos políticos seria “inconstitucional”, segundo ele, e seguiria para as instâncias superiores. “Não se pode querer calar a voz do Lula nesse momento. Seria uma perda imensa para o país e uma imensa agressão à Constituição. Tenho certeza que se os juízes de Curitiba resolverem dar mais essa ajuda ao golpe, mais esse tipo de solapamento à democracia e à  Constituição Brasileira, os tribunais superiores vão derrubar esse tipo de limitação.”

Atibaia

O jurista diz, ainda, que o conluio político entre Moro e os procuradores, comprovado e evidenciado pelos conversas reveladas pelo The Intercept Brasil, também contaminam o processo em que Lula é acusado de ter sido o beneficiário de obras realizadas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS num sítio em Atibaia. “Foram várias fraudes armadas por procuradores que se relacionavam de forma absolutamente ilícita e politizada com o juiz. Como afirma (Luigi) Ferrajoli, um dos maiores juristas vivos do planeta, é estarrecedor a forma com que que as instituições brasileiras foram utilizadas para golpear Dilma, Lula e a democracia brasileira e a nossa constituição.”

Bode expiatório

Além da libertação do ex-presidente, especula-se que Dallagnol deverá ser punido disciplinarmente, ou ao menos removido da função de coordenador da Lava Jato. Serrano, contudo, ressalva que a “culpa” não deve cair exclusivamente sobre ele, como se fosse uma espécie de “bode expiatório”. Ele cobra que haja uma “Justiça de transição” para apurar as responsabilidades e punir os envolvidos que fizeram uso do sistema de Justiça para golpear a democracia brasileira.
“O erro da gente é se nós quisermos personalizar, colocando nele (Dallagnol) a culpa de tudo o que houve. Não é verdadeiro. Houve um sistema no país que funciona mal, que  funcionou em favor das elites contra o povo, e que funcionou contra a democracia e contra a Constituição. Houve um enredamento de pessoas de vários setores sociais, capitaneado pelo sistema de Justiça e pela mídia comercial, que são os grandes responsáveis por isso. De nada adiantaria Deltan ter feito o que fez, se não tivesse apoio do Judiciário, o apoio incisivo do juiz Moro, que é o verdadeiro líder desse processo nefasto. O apoio de parte do Supremo Tribunal Federal (STF), de parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de parte significativa do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4), que chegou a decidir dar poderes de exceção para Moro, declaradamente. É o único tribunal no mundo fez isso.”

domingo, 29 de setembro de 2019

Governo Bolsonaro não é civilizatório

O cientista político e professor Antonio Carlos Mazzeo fala de Bolsonaro: "Um ideólogo de falsa consciência, de estórias mentirosas e de manipulação". Mazzeo fala sobre seu novo livro "Os Portões do Éden" e as forças progressistas no mundo



Grupos emergiram do esgoto da sociedade

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Garzón, juiz que prendeu Pinochet: Lula é preso político!

Vaza Jato confirma as suspeitas!
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(Crédito: Andrea Comas/Reuters)
O juiz espanhol Baltasar Garzón, que ganhou fama mundial em 1998 ao decretar a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, por crimes cometidos contra cidadãos espanhóis, afirmou nesta quarta-feira 25 que o presidente Lula é um preso político.
"Lula foi alvo de perseguição política para neutralizá-lo como ator político que claramente estava nas preferências do povo. E isso não acontece por acaso. Essa suspeita de parcialidade contamina praticamente tudo", afirmou Garzón em entrevista ao portal iG.
Garzón também afirmou que com as revelações, pelo Intercept Brasil, dos escândalos em que se envolveram os procuradores da Lava Jato, a perseguição a Lula fica ainda mais evidente.
"Eu já disse há muito tempo que considerava que Lula não estava apenas sendo tratado injustamente, mas também perseguido politicamente. Agora, com as revelações de certos comportamentos e comunicações entre instituições que precisavam estar separadas em seu desenvolvimento processual, ganham crédito as dúvidas que alguns de nós expusemos".

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Bolsonaro na ONU: ódio, mentiras e calúnias


Por Umberto Martins, no site da CTB:

O discurso de Jair Bolsonaro na abertura da assembleia da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (24), não surpreendeu nem fugiu à regra. Como era de se esperar, foi temperado com ódio, mentiras e infâmias.

As mentiras

Numa referência aos governos Lula e Dilma (que foi deposta por um golpe de Estado em 2016, como admitiu recentemente o próprio Michel Temer), o líder da extrema direita brasileira afirmou que, quando chegou ao Palácio do Planalto, o “Brasil estava à beira do socialismo” e sob orientação do Foro de São Paulo, que caracterizou como uma “organização criminosa, criada por Fidel Castro, Lula e Chávez, para difundir e implementar o socialismo na América Latina”.

A verdade é que os governos de centro-esquerda liderados pelo PT nem de longe podem ser considerados anticapitalistas, jamais propuseram a implantação do socialismo, a socialização dos meios de produção (em contraposição à propriedade privada burguesa) ou algo do gênero. Além disto, propiciaram generosos lucros aos banqueiros e grandes empresários, inclusive estrangeiros.

É igualmente falsa a ideia de que o Foro de São Paulo, fundado em 1990 por partidos progressistas da América Latina de diferentes matizes ideológicos, prega ou pleiteia o socialismo. A organização luta pela democracia, a integração democrática e solidária das nações da região e a soberania, rejeitando as intervenções imperialistas dos EUA, que são recorrentes na história, e advogando o direito dos povos e nações à autodeterminação.

No Brasil, participam do grupo o PDT (Partido Democrático Trabalhista), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PCB (Partido Comunista Brasileiro), PPL (Partido Pátria Livre), PPS (Partido Popular Socialista), PSB (Partido Socialista Brasileiro) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Desses partidos, só o PCdoB e o PCB ostentam identidade comunista.

Teoria da conspiração 

O rei dos fake news reiterou que foi esfaqueado por um militante da esquerda. Trata-se de uma versão delirante e enganosa dos fatos. Peritos indicados pela Justiça Federal concluíram que Adélio Bispo, o homem que o esfaqueou na campanha eleitoral de 2018, é simplesmente um doente mental. Três laudos já foram feitos para apurar a possibilidade de problemas mentais e as conclusões não deixam margem a dúvidas.

Por esta razão, em 14 de junho deste ano o juiz federal Bruno Savino, de Juiz de Fora, decidiu considerar Adélio Bispo de Oliveira inimputável na ação penal referente à facada e converteu a prisão preventiva em internação provisória, mantendo Adélio na Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande (MS).

O doente mental, que voluntária ou involuntariamente acabou favorecendo a campanha do capitão reformado, permanecerá internado por tempo indeterminado, nos termos da sentença. A insistência de Bolsonaro em desqualificar o trabalho dos peritos, recorrendo a uma teoria da conspiração que não encontra respaldo na ciência ou nos fatos, é mais um jogo de cena para distrair a plateia alienada que o acompanha nas redes sociais.

Falso patriotismo

O patriotismo encenado com indisfarçável oportunismo pelo presidente, sob o pretexto de defender a Amazônia, é outra grande mentira. Na realidade, Bolsonaro está impondo ao país, a despeito dos interesses e opiniões do povo, a política mais entreguista, reacionária e antinacional da história brasileira. Nem mesmo FHC, Collor ou Temer foram tão longe nesta direção.

Para favorecer governos e investidores estrangeiros, aliados a rentistas brasileiros como Paulo Guedes, o governo de extrema direita pretende entregar aos grandes capitalistas todas as estatais brasileiras, embora sejam altamente lucrativas. Banco do Brasil, Eletrobras, Caixa Econômica Federal, Correios, Casa do Tesouro e até a Petrobras integram o programa de privatizações do Palácio do Planalto.

Ansiada pelas classes dominantes, a privataria é condenada pela esmagadora maioria do povo brasileiro. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em 10 de setembro, 67% são contra. O povo rejeita o programa de privatizações como um todo, especialmente a privatização da Petrobras e dos Correios. Segundo a pesquisa, 65% se opõem à privatização da estatal petrolífera e 60% à dos Correios. Mas o mercado quer e Bolsonaro, submisso à vontade da grande burguesia, está se lixando para o que quer, sente e pensa o povo brasileiro.

A entrega do pré-sal às multinacionais e o alinhamento incondicional do Itamaraty aos Estados Unidos tampouco estão em harmonia com os interesses e a soberania nacional. Só por tolice ou má fé é possível imaginar que o imperialismo mais agressivo do planeta (que no Brasil apoiou os golpes de 1964 e 2016) advoga a soberania e o desenvolvimento dos mais países, e especialmente dos mais pobres.

O espírito de vira lata e o descarado puxa-saquismo no relacionamento com Donald Trump são motivos de piada no exterior e vergonha em nosso país. No discurso, Bolsonaro também fez rasgados elogios ao regime militar, deixando transparecer seu espírito autoritário e suas propensões fascistas.

Recuperação econômica?

Bolsonaro também faltou com a verdade ao abordar a economia. Garantiu que a produção ingressou num ciclo de recuperação e a confiança internacional foi resgatada. Não citou uma só estatística para corroborar sua conclusão. Não citou porque não existe.

A verdade é que o desempenho da economia piorou após a ascensão do capitão reformado à Presidência, o desemprego em massa não cedeu (alcançando cerca de 18 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, incluindo os chamados desalentados), os salários caíram e o que realmente avançou foi a funesta precarização do emprego e das relações trabalhistas. Em agosto deste ano cerca de 40 milhões estavam na informalidade (trabalhando por conta própria ou sem carteira assinada), um recorde histórico.

As perspectivas oficiais para a economia também não são otimistas. As previsões do mercado, e até mesmo do governo, sinalizam que o Brasil continuará atolado no pântano da estagnação neste ano (com expansão inferior a 1% do PIB) e também no próximo (com resultado não muito melhor).

O presidente também investiu contra o cacique Raoni Metuktire, considerado o principal líder indígena do Brasil, numa grosseira retaliação às posições de Raoni, que criticou a política do governo para o meio ambiente e a Amazônia e pediu a saída de Bolsonaro. “O Bolsonaro está fazendo coisa ruim. A gente tem que tirar ele logo”, disparou o cacique durante entrevista na Alemanha.

Calúnias contra Cuba 

O capitão fascista também não se esqueceu de caluniar Cuba e Venezuela, certamente para agradar o patrão Donald Trump (único líder que elogiou, num deslavado puxa-saquismo). Disse que o governo da ilha socialista tem milhares de agentes na Venezuela e também tinha infiltrado seus espiões no Brasil por meio do programa Mais Médicos.

“Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Um verdadeiro trabalho escravo, acreditem. Respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU.”

A calúnia mereceu um desmentido da agência “Aos fatos”, que checa a veracidade de notícias e discursos: “Dados do Tribunal de Contas da União de 2017 mostram que, dos 18.240 médicos participantes do programa, 5.274 eram formados no Brasil (29%), 1.537 tinham diplomas do exterior (8,4%) e 11.429 eram cubanos e faziam parte do acordo de cooperação com a Opas (62,6%). Conforme determina a Lei 12.871/2013, que instituiu o programa Mais Médicos, os profissionais cubanos precisavam apresentar documentação que comprove formação em curso superior de Medicina e autorização para exercício da profissão no exterior. Logo, a declaração de Bolsonaro é falsa.”

O chanceler cubano não deixou por menos: “Eu rejeito categoricamente as calúnias de Bolsonaro contra Cuba. Ele está delirando e anseia pelos tempos da ditadura militar. Ele deveria cuidar da corrupção de seu sistema de justiça, governo e família. Ele é o campeão do aumento da desigualdade no Brasil”.

Sobre a repercussão do odioso pronunciamento no meio diplomático, o jornalista Jamil Chade, correspondente da UOL, relata: “Jair Bolsonaro não tinha chegado nem sequer à metade de seu discurso e meu WhatsApp, Signal e email já estavam sendo bombardeados por mensagens de diplomatas e representantes de entidades internacionais. Todos chocados com o que estavam ouvindo. Mas uma das mensagens, particularmente dura, veio de um representante que faz parte da cúpula das Nações Unidas: “Ele (Bolsonaro) acabou de perder a última chance de ser respeitado”. Em outra mensagem, um mediador perguntava: “Há algo mais extremo que essa visão de mundo?”

sábado, 14 de setembro de 2019

Filme ‘O Voo da Primavera’, sobre Dom Tomás Balduino, recebe prêmio



Filme "O Voo da Primavera", Ganhador do Prêmio "Margarida de Prata" 2019 de cinema brasileiro, sobre a luta pela terra e o trabalho de Dom Tomás Balduino.

    Sinopse: A luta pela terra e pelo território representam um capítulo longo e violento da história brasileira. Essa história, que passa pelo avanço do capitalismo no campo, esteve permeada pela expropriação material e simbólica dos povos indígenas, das populações tradicionais e comunidades camponesas, além de ter resultado em milhares assassinatos durantes os conflitos no campo.

Alguns setores da Igreja, a partir de grupos ligados à concepção da Teologia da Libertação, compuseram a raiz da luta a terra, pelo território, pelo povo do campo e da floresta.

 Dom Tomás Balduino, que atuou como Bispo na Cidade de Goiás entre 1967 e 1998, foi um personagem importante da resistência com o povo.

Um trabalho produzido a muitas mãos e que durou cerca de 10 anos, o longa-metragem “O Voo da Primavera” representa, conforme a Essá Filmes, um fragmento histórico “da luta pela terra e pelo território no Brasil, que retrata a resistência indígena, quilombola, camponesa e tem como linha condutora o trabalho de Dom Tomás Balduino”, um dos fundadores da CPT e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A obra foi vencedora na categoria longa-metragem “Margarida de Prata”.


Clique abaixo para assistir:
- Vídeo enviado por ESSÁ Filmes
Sinopse: A luta pela terra e pelo território representam um capítulo longo e violento da história brasileira ..








sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura

 El País

Chega de diálogo. A partir de certo ponto é apenas inútil.

 VLADIMIR SAFATLE

 De todas as ilusões que se desfazem atualmente no Brasil, uma das mais urgentes a se livrar é aquela que leva alguns a acreditar que nosso momento histórico pede mais diálogo. Ao contrário, é possível que chegou enfim a hora de dizer claramente: chega de diálogo. A partir de um certo ponto, dialogar é não apenas inútil. É espúrio. Se há algo que marcou o Brasil nos últimos trinta anos foi a profusão de diálogo. Nosso fim da ditadura foi “dialogado”. Antigos oposicionistas, militares torturadores, empresários que apoiaram o golpe e financiaram crimes contra a humanidade: todos eles “dialogaram”, fizeram uma transição “sem revanchismo” (como se dizia a época), sem nenhum terrorista de estado na cadeia. Depois, os governos da Nova República eram todos marcados pelo “diálogo” entre esquerda e direita, mesmo o PP que abrigou o sr. Jair Bolsonaro por 27 anos estava em todas as coalizões de governo. Todos “dialogaram” com Bolsonaro, mesmo quando ele expunha claramente seu desprezo a princípios elementares de direitos humanos. Em uma situação minimamente normal, seus impropérios como deputado teriam lhe valido a cassação de mandato. Como se não bastasse, até mesmo com as igrejas evangélicas o que não faltou foi “diálogo”. Edir Macedo estava lá “dialogando” com Lula e Dilma. O PSC do sr. Marco Feliciano fazia parte da coalizão de Dilma Rousseff.
Mais um com quem não faltou “diálogo”.

 Neste sentido, a experiência brasileira é pedagógica em mostrar quão pouco se consegue com diálogo. Na verdade, o diálogo é nossa pior maldição. Muitas vezes, é necessário dar forma à recusa clara em dialogar. Quem dialoga com pessoas que louvam torturadores e assassinos como “heróis nacionais” não sabe qual o valor das palavras. Quem procura dialogar com aqueles que sustentam ações ambientais criminosas e tentam por todos os meios esconder a catástrofe que produz até o momento em que o céu de São Paulo se torna escuro por confluência com nuvens de queimadas, perde seu tempo. Não é de diálogo que o Brasil precisa. É de ruptura.

 Vejam o caso da destruição da Floresta Amazônica. Nunca o Brasil foi tão claramente colocado na posição de estado-pária pela opinião pública mundial, nunca estivemos tão isolados e dependentes do bem querer dos norte-americanos para evitar uma reação brutal do resto do mundo. Não é só o governo francês que está em rota de colisão conosco. Noruega e Alemanha já suspenderam ajuda econômica à Amazônia. Ou seja, as consequências econômicas só estão a começar. Multinacionais começam a boicotar o couro brasileiro, em breve grupos ecologistas começarão a fazer campanha contra o Brasil. Nunca na história desse país alguém viu algo parecido. Agora pergunte se isso levou o governo brasileiro a modificar sua política ambiental? A resposta é: em nem um milímetro. Infelizmente, o único “diálogo” que latifundiários com mentalidade colonial e assassinos de índios compreendem é o boicote econômico.

 Agora, também fica claro o caráter da elite econômica que sustenta este governo. Há algumas semanas, o presidente do banco Itaú Unibanco, o sr. Candido Bracher, o mesmo banco que bate recordes de lucro líquido enquanto a economia nacional estaria pretensamente em “crise”, mostrou quais são seus verdadeiros interesses. O representante-mor do partido do Dinheiro deu a entender que as declarações de Bolsonaro, fator fundamental para a explicitação da democracia degradada em que vivemos, não afetavam o que realmente importa, a saber, as reformas que privilegiam a elite rentista brasileira. E ainda de quebra afirmou que 12 milhões de desempregados não é algo que realmente deveria nos preocupar, pois isto ajudaria a quebrar a pressão inflacionária.

 Os milhões de brasileiros que voltaram à pobreza, os milhares que voltaram à miséria nas ruas da cidade na qual este senhor habita não parecem realmente perturbá-lo. Da mesma forma, ninguém no Partido do Dinheiro está preocupado com o crescimento pífio da economia nacional e com o horizonte de retração que avizinha. Eles se preocupam apenas com a próxima leva de privatizações que aproveitarão como abutres que crescem em volta do poder. Achar que é possível dialogar com esta classe foi uma das mais crassas ilusões que marcou este país. Que ao menos tudo isto sirva para ficar claro contra quem combatemos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Lenio Streck: para a Lava Jato o direito é coisa sem importância. É a filigrana!

da ConJur   
Lenio Luiz Streck

Tá lá um corpo estendido no chão! É a filigrana! É a Constituição!

por Lenio Luiz Streck*
Tomando café da manhã no domingo, detalhava a Rosane, minha esposa, os últimos diálogos publicados pela Folha e Intercept. Lia, da tela do celular, o diálogo de Deltan com seu colega Andrey, que lhe alertara acerca da ilegalidade dos grampos telefônicos e da ilegalidade da divulgação da conversa entre Lula e Dilma, naquele fatídico dia 16 de março de 2016. Deltan diz, então:
“Andrey, no mundo jurídico concordo com você, é relevante. Mas a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é a política”.
Respondeu-me Rosane, sorvendo um gole da rubiácea que fumegava: Deltan agiu como o médico que abusa dos pacientes; ele abusou do o Estado de Direito. Perfeita a análise da bela Rosane. Um agente político do Estado, detentor das garantias máximas da magistratura, comporta-se como um militante político. Um militante político apaixonado pela causa. Disposto a tudo.
Para ele, a Constituição, que jurou defender quando assumiu o nobre cargo de Procurador da República, é filigrana. Aliás, Dallagnol só conseguiu permanecer como Procurador com decisão judicial, porque prestou concurso fora dos pressupostos legais – ou seja, já começou mal, sendo salvo por uma tese que hoje é rejeitada no STF, o “fato consumado”.
Filigrana: coisa sem importância, pormenor, minúcia. Esse é conceito que Deltan tem da Lei Maior. É isso que Deltan pensa do Direito brasileiro. Mais não precisa ser dito. Estou escrevendo um dicionário de direito constitucional e terei que colocar esse novo conceito, que já fora usado por Zélia Cardoso, quando lhe perguntaram sobre o congelamento da poupança, em 1989: a Constituição? Ah, isso é filigrana.
Aliás, filigrana é palavra comum nos diálogos. Nas conversas reveladas no dia 8.9.2019, os procuradores Januário e Carlos Fernando também consideram o Direito apenas filigrana. Pensemos então: como acreditar na Lava Jato se os acusadores consideram o Direito uma filigrana?
Pior é que, mesmo com tantas evidências, os procuradores e Moro continuam justificando tudo o que fizeram. Sem autocritica. Sem nenhuma vergonha.
Um agente político do Estado que desdenha da morte de familiares do réu e que chama o réu de “9”, fazendo chacota (rs, na mensagem) da falta de um dedo do ex-Presidente, o que dizer disso? Será que isso não é “parcialidade chapada”?
Pergunto: O que mais precisa vir à tona para colocar luz – e justiça – nessa conspiração (os diálogos mostram exatamente isso: uma conspiração) que envolveu o afastamento do ex-Presidente do cargo de Chefe da Casa Civil (os diálogos mostram que a Força Tarefa e Moro esconderam diálogos), da condução coercitiva e das ações penais?
Nossas autoridades vão dizer que tudo é normal? Que vergonha que sinto. Quase trinta anos de Ministério Público e tenho de ver alguns membros fazerem isso com a Instituição que a Constituição encarregou de garantir o Estado democrático, os direitos de todas as pessoas, inclusive os réus.
Participei dos preparativos para a Constituinte. Estava ingressando no Ministério Público, então. Os constituintes fizeram um ótimo trabalho. Colocaram o Ministério Público como algo à parte, como que a homenagear aquele que considero patrono da instituição, Alfredo Valadão (quem escreveu sobre isso na década de 50 do século passado), cujo mantra recitei na minha prova de tribuna, verbis:
o MP é instituição que, para além dos Poderes tradicionais, deve defender a sociedade, denunciando abusos, vindos deles de onde vierem, inclusive do próprio Estado (leia-se, o próprio MP e o Poder Judiciário).
Pois é. E hoje descobrimos que o MP agiu como militante político. Confessadamente conspirador. Quem diz que o Direito não importa conspira contra a democracia e contra o rule of law. E não venham dizer que não reconhecem os diálogos. Uma Procuradora, envergonhada, já pediu desculpas por ter ofendido a honra dos familiares mortos do ex-Presidente.
Há algo mais a dizer? O que diriam os médicos do Conselho de Medicina, depois de verem vídeos em que médicos abusaram de pacientes? Na alegoria, pergunto: o que dirão os juristas e as autoridades judiciárias e do MP diante das imagens de abuso do Estado de Direito reveladas (mais uma vez) pela Folha de São Paulo-Intercept?
Tá lá um corpo estendido no chão… (é de uma música famosa e eternizada no bordão do narrador Januário de Oliveira, quem a repetia quando um jogador estava deitado, esperando a maca – quem olhar o vídeo, verá a narração de Januário – Deltan é o zagueiro quem faz a falta!).
É a filigrana…quer dizer, a Constituição…que está lá estendida no chão.
Deltan conseguiu provar, em uma frase, que há dois mundos: o do direito e o da política. Para ele, vale mesmo é o da política. Vale tudo. Tudo vale. Os fins justificam os piores meios.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados.

domingo, 8 de setembro de 2019

Lava Jato foi, acima de tudo, uma conspiração política; por Luis Felipe Miguel



Por Luis Felipe Miguel

A Folha nem deu grande destaque, só uma nota na capa, abaixo da manchete principal, mas a revelação publicada hoje é talvez a mais importante da Vaza Jato até agora. Comprova de maneira cabal que as ações de Moro e dos procuradores eram orientadas por um propósito claro - a deflagração do golpe - e para isso estavam dispostos a cometer todo tipo de manipulações. A Lava Jato foi, em primeiro lugar e acima de tudo, uma conspiração política.

 Um momento central na deflagração do golpe, provavelmente o momento crucial, foi a proibição de que Lula assumisse a chefia da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Com a boa relação que construíra com a elite política conservadora, Lula poderia reorganizar uma base mínima para Dilma, afastar o fantasma do impeachment e permitir que ela de fato governasse.

 O jeito de evitar tudo isso foi impedir que ele tomasse posse. No dia 16 de março de 2016, Moro divulgou escutas telefônicas ilegais, obtidas horas antes. As conversas entre Dilma e Lula serviriam para demonstrar que a nomeação tinha o único propósito de garantir a Lula o foro privilegiado, permitindo-lhe escapar da perseguição da própria Lava Jato. (Mais tarde, Teori Zavascki advertiu Moro pela divulgação e o então juiz respondeu com um pedido hipócrita de desculpas, quer dizer, de "escusas".)

 Com base no grampo ilegal, o ministro Gilmar Mendes - hoje saudado como grande defensor do Estado de direito, mas à época um empolgado artífice do golpe - determinou a proibição de que Lula tomasse posse. A nomeação de ministros é prerrogativa do chefe de Estado, mas, naquele momento, tratava-se de garantir que o novo chefe da Casa Civil não seria uma pedra no caminho da derrubada de Dilma.

 Pois bem. Os diálogos da Vaza Jato mostram que, naquele mesmo dia 16 de março de 2016, foram grampeadas outras 22 conversas de Lula, cujos resumos foram enviados aos procuradores de Curitiba. Conversas com gente como Temer, com o objetivo de dissolver as articulações do golpe. E conversas com amigos e aliados.

 Em todas as 22 gravações, fica claro que Lula não queria o cargo e o aceitou a contragosto, dada a intensidade da crise. A mudança de foro é citada uma única vez, descrita como uma consequência inevitável da nomeação, não como motivação.

 Os conspiradores de Curitiba, claro, simplesmente esconderam estas conversas - e usaram a única, com Dilma, que permitia a eles gerar a interpretação que lhes convinha. Caso o conjunto de conversas tivesse vindo a público, ficaria evidente que o objetivo da nomeação era dar ao governo uma Casa Civil eficiente nas suas tarefas próprias e que, portanto, não havia imoralidade na escolha de Lula.

 Os homens da Lava Jato foram fiéis à imortal recomendação do tucano Rubens Ricupero, anos antes: "o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". (A frase de Ricupero, lembremos, começa com "eu não tenho escrúpulos", o que cai como uma luva para Moro, Dallagnol e "acepipes".)

 O veto à posse de Lula definiu o sucesso do golpe - não apenas privando o governo Dilma do articulador político de que necessitava como também mostrando que ela estava cercada, impossibilitada de reação. De quebra, como Lula não mudou de foro, a Lava Jato pôde continuar seu trabalho sujo até as pretendidas inelegibilidade e prisão do ex-presidente, necessárias para a continuidade do golpe.

 Um detalhe interessante é que o argumento usado por Gilmar para impedir a nomeação de Lula - que era, repito, prerrogativa de Dilma - foi o de "desvio de finalidade". Hoje, no entanto, temos o ministro do Meio Ambiente querendo destruir o meio ambiente, um ministro da Educação dedicado a destruir a educação, uma ministra dos Direitos Humanos que promove violência contra grupos minoritários, a Funai empenhada em dizimar as tribos indígenas, forças armadas que combatem a soberania nacional... e ninguém fala em desvio de finalidade. Aliás, se o STF, guardião da Constituição, se ocupa na verdade de arruiná-la, como seu próprio presidente confessa em alto e bom som, não há também aí um sério desvio de finalidade?

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Amazônia: o rosto ecológico de Deus, por Frei Betto


Frei Betto: Amazônia, o rosto ecológico de Deus

via O Globo*
A Igreja tem consciência de que, se agora defende a causa indígena, ainda não se libertou da influência do projeto colonizador que vigorou no passado
Sínodo da Amazônia, convocado pelo papa Francisco para outubro, terá lugar em Roma, numa decisão equivocada do Vaticano, pois fora agendado, de início, para ocorrer no coração da selva. Ali se debaterá mais do que a presença da Igreja Católica naquela região interconectada e cada vez mais violenta e desigual.
O bioma amazônico engloba nove países e ocupa mais de 7 milhões de km² habitados por 34 milhões de pessoas, das quais 3 milhões são indígenas, que dominam 340 diferentes idiomas. Ali, cada metro quadrado tem mais diversidade do que qualquer outro lugar do planeta. O bioma possui três tipos de rios: os de superfície; o subterrâneo, conhecido como “alter do chão”; e os “rios voadores”, assim chamados por acumular vapor na atmosfera e distribuí-lo em forma de chuva em toda a América do Sul.
Amazônia exerce forte relevância no ciclo do carbono, ao absorvê-lo em bilhões de árvores e impedir sua liberação na atmosfera em forma de gás. Reduz, assim, o aquecimento da Terra.
As quatro dádivas da região são:
  • povos que sabem viver da selva e na selva, sem ameaçá-la;
  • o ciclo das águas e do carbono;
  • a biodiversidade;
  • e a regulação do clima.
Segundo o papa Francisco, “os povos amazônicos originários nunca estiveram tão ameaçados em seus territórios como agora”. Em sua sabedoria ancestral, eles nos ensinam a se relacionar com a natureza, os demais seres humanos e Deus. No entanto, agora são vítimas de assassinatos, expulsões de suas terras, ação de grileiros e mineradoras, desmatamento, e proibição de se reunir e organizar.
A Igreja tem consciência de que, se agora defende a causa indígena, pela qual há tantos mártires, por outro lado ainda não se libertou da influência do projeto colonizador que vigorou no passado. O Sínodo busca justamente implantar uma Igreja pós-colonial e solidária, com rosto amazônico e indígena. Para a Igreja, a região é muito mais do que um lugar geográfico; é também um lugar teológico, no qual transparece a face de Deus criador.
Não há como manter a floresta de pé sem a sabedoria dos povos que a habitam. O “capitalismo verde” não convém, pois se rege pelas leis do mercado e busca patentear princípios e essências, privatizar a água e promover a pirataria dos saberes populares.
Os povos indígenas guardam ainda uma sintonia holística com o Cosmo. Seus sentidos aguçados estabelecem um diálogo permanente com a natureza. Conhecem cada ruído, prenunciam a chegada da chuva ou da seca, identificam os recursos medicinais das ervas. O índio não é um indivíduo na natureza. Seu corpo, o território no qual habita e a natureza formam uma unidade.
Os indígenas respiram uma cultura que se traduz, de fato, em espiritualidade da reciprocidade. Através de ritos e festas, celebram a exuberância da natureza e exorcizam os espíritos malignos. Sem recorrer à escrita, passam de geração a geração a cultura do cuidado da floresta e do respeito a todos os seres vivos.
Para eles, a terra não é um bem econômico, e sim dom gratuito de Deus no qual descansam seus antepassados, e espaço sagrado com o qual interagem para preservar sua identidade e valores.
Sofrem, no entanto, sérias ameaças de uma equivocada concepção de desenvolvimento e riqueza que lhes cobiçam as terras para implantar projetos extrativos e agropecuários, indiferentes à degradação da natureza e à destruição de suas culturas.
Cinco grandes sintomas da crise planetária se manifestam na Amazônia: 1) mudança climática; 2) envenenamento da água; 3) perda da biodiversidade; 4) degradação da qualidade de vida humana e da natureza; 5) conflitos sociais marcados por violência e assassinatos.
A convocação do Sínodo Panamazônico pelo papa Francisco é uma boa nova para toda a humanidade.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

A aula de Glenn Greenwald para jornalistas que desconhecem a profissão


Leiam os dois artigos  que analisam a entrevista de Glenn Greenwald no programa "Roda Viva" da TV Cultura.


Jornal GGN

Luis Nassif



A diferença abissal entre Glenn e o jornalismo pátrio, por Luis Nassif

A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo.

A #Vaza Jato é das mais importantes reportagens da história da imprensa brasileira. E Glenn Greenwald um advogado constitucionalista, jornalista, que se saiu vitorioso do maior desafio do jornalismo mundial: as reportagens sobre o caso Snowden, que o colocaram na mira dos maiores poderes mundiais, da CIA ao próprio governo dos Estados Unidos.
A estratégia adotada para a divulgação do dossiê Snowden e, agora, da #Vaza Jato – de parceria com veículos de mídia – é campeã. Institucionaliza a cobertura e blinda sua própria atuação como jornalista.
Por isso mesmo, uma hora e meia de entrevista com ele permitiria levantar informações preciosas. Por exemplo:
  1. Como se dá a coordenação da cobertura compartilhada para impedir, por exemplo, redundâncias ou conflitos de interpretação?
  2. Quais são as ferramentas de pesquisa utilizadas? Sistema de localização para textos? E no caso dos áudios, como filtrar?
  3. Como foi a operação para colocar o conteúdo a salvo da ação da Polícia Federal e, mesmo, da CIA? Como funcionam os sistemas de nuvens para ficarem a salvo de órgãos de Estado.
  4. O que esperar das conversas gravadas sobre as negociações com advogados de delatores? Qual o nível de intimidade entre procuradores e advogados?
  5. Quais os indícios de interferência de Rosângela Moro e o primeiro amigo Zucolotto nos acordos de delação?
  6. Como foram as conversas sobre a fundação que administraria os recursos da Lava Jato?
  7. Houve conversas com colegas de outros países sobre parcerias em escritórios de compliancepara atender empresas denunciadas pela Lava Jato? Há indícios sobre a indústria da anticorrupção?
  8. Qual o grau de intimidade entre Lava Jato e magistrados de tribunais superiores?
Com todas essas informações podendo ser extraídas de Glenn, por quase uma hora e meia o programa girou em cima do mesmo bordão, sobre as intenções do The Intercept com o dossiê, sem o menor conhecimento sobre o papel do jornalista, da polícia e do político.
Como é possível perguntas do tipo: no caso do Snowden, ele invadiu porque conhecia o conteúdo. Como explicar uma invasão prévia dos arquivos da Lava Jato antes dos invasores saberem o que havia?
Os entrevistadores não conseguiam distinguir o papel do jornalista do hacker; ou do procuradores e do jornalista.
Ou então, pretendendo comparar as críticas de Glenn contra os vazamentos da Lava Jato com os vazamentos da Vaza Jato, demonstrando uma ignorância completa em relação aos poderes, prerrogativas e responsabilidades de juízes e procuradores, em relação aos jornalistas.
Foram muitas perguntas descabidas.
Uma delas, é o estranhamento da razão de denúncia tão forte – como a de que Deltan Dallagnol negociou apoio a uma ONG com empresas envolvidas na Lava Jato – ter saído agora e não antes. Porque Cabral descobriu o Brasil no dia 21 de abril, e não um mês antes? Como se a ordem dos fatores mudasse o resultado. Ou a indagação se ele estaria sugerindo substituir repórteres por hackers. A tudo Glenn respondia pacientemente, recorrendo aos fundamentos do jornalismo.
Uma das peças mais utilizadas pelos entrevistadores foi o manual das semelhanças indevidas.
Pergunta de uma jornalista: qual a diferença entre sua alegação (denunciando as fakenews contra seu marido) e a de Deltan, de que os vazamentos da Vaza Jato visam comprometer a Lava Jato? A diferença é de uma obviedade ululante: Glenn assegura que as supostas denúncias sobre rachadinhas são falsas; e as informações da Vaza Jato verdadeiras.


A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo. Mostra que há uma ignorância ampla sobre fundamentos básicos de jornalismo, praticados em qualquer país civilizado. Lembra em muito os jornalistas do sistema nos tempos da ditadura.

Glenn Greenwald explica ética e papel do jornalismo a 6 jornalistas no Roda Viva

Por Patrícia Faermann 
"A informação, mesmo aquela obtida de maneira ilegal, o jornalista não só tem o direito, mas a obrigação de publicar, porque isso não é um crime, e ninguém acredita que é um crime", teve que explicar Glenn Greenwald
Jornal GGN – A entrevista de Glenn Greenwald no Roda Viva, nesta segunda-feira (02), impactou as redes sociais não somente pelas respostas envolvendo diretamente os vazamentos das mensagens da Lava Jato, como pelas lições que o advogado e jornalista norte-americano teve que dar sobre ética, obrigações e garantias da profissão para a bancada de seis entrevistadores de jornais tradicionais.
Como no formato original, o programa da TV Cultura teve mais de uma hora de duração, desta vez com a participação do fundador do The Intercept Brasil, o jornalista que ficou reconhecido internacionalmente pelas denúncias sobre o programa de espionagem da NSA repassadas por Edward Snowden, e atualmente o que recebeu as mensagens da chamada VazaJato, entre investigadores e o ex-juiz Sergio Moro, que revelam como eles atuaram para incriminar e condenar os investigados.
Após Greenwald usar boa parte do primeiro e segundo blocos do programa para explicar à plateia de jornalistas que o rodeavam as garantias inclusive da Constituição brasileira ao jornalista, como proteção à fonte, e que os fins para se chegar ou prender investigados não podem justificar os meios, cometendo os próprios investigadores também ilegalidades, a repórter Lilian Tahan, do portal Metrópoles, fez a pergunta nos últimos minutos que resumiu a tentativa dos demais entrevistadores durante todo o programa de tentar incriminar o jornalista.
As intervenções de diversos entrevistadores foram na mesma linha para o questionar se ele iria paralisar as reportagens caso a polícia descobrisse que o hacker que obteve as mensagens e as repassou recebeu dinheiro para isso, cometendo crime. O jornalista norte-americano disse que não, uma vez que ele não cometeu crime por estar fazendo seu papel de jornalista.
Tahan então perguntou: “não seira mais fácil demitir repórteres e contratar meia dúzia de hackers?”. “Desculpa?”, perguntou o convidado, visivelmente perplexo. De maneira óbvia, Greenwald explicou à entrevistadora que “jornalistas não têm o direito de quebrar a lei” e que caso o façam devem ser responsabilizados, mas que ele não cometeu nenhum crime em atuar como jornalista.
O segundo e terceiro blocos tiveram como foco o mesmo tom de questionamento, principalmente enfatizando se as consequências das reportagens do The Intercept e jornais parceiros com a VazaJato poderiam anular as condenações de centenas de presos dos processos. “Você defende a anulação sumaria de todos os processos e condenações da Lava Jato?”, perguntou, em determinado momento, o editor do Globo, Gabriel Mascarenhas.
O editor do The Intercept afirmou que não é juiz e não integra o Supremo Tribunal Federal para responder a essa pergunta. Em seguida, outros questionamentos insistiam na mesma linha, como por exemplo, o da âncora Daniela Lima, que perguntou como ele se sentiria, se teria “peso na consciência” caso o ex-deputado Eduardo Cunha ou Geddes Vieira Lima fosse solto graças às reportagens.
Até que Glenn teve que responder, novamente de maneira lógica, que pessoas que cometeram crime devem ser responsabilizadas efetivamente, mas seguindo o devido processo legal, o que não permite que investigadores ou juízes cometam outras ilegalidades para isso. Em outras palavras, que os fins não justificam os meios. “A informação, mesmo aquela obtida de maneira ilegal, o jornalista não só tem o direito, mas a obrigação de publicar, porque isso não é um crime”, respondeu, e completou em tom de alerta contra a censura ou estado democrático à bancada de entrevistadores: “e ninguém acredita que é um crime”.
“O jornalismo mais importante, mais influente, mais premiado muitas vezes vem de fonte que cometeu crimes para obter essa informação, e isso não é o papel dos jornalistas”, enfatizou.
Foram poucos os momentos em que os jornalistas ali presentes perguntaram a Greenwald se ele tinha mais informações importantes a revelar sobre as mensagens. As duas vezes em que esse tema foi levantado pelos entrevistados, era para saber se ministros da Suprema Corte seriam arrolados em reportagens futuras. O jornalista respondeu que não havia documentos de peso envolvendo ministro do STF e que as mensagens pessoais destas figuras não seriam divulgadas, por critérios de ética da profissão.
Os entrevistadores, contudo, não quiseram saber se havia mais mensagens sobre ilegalidades cometidas pelo coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, e pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro. Tampouco houve interesse sobre o impacto e desdobramentos de um dos maiores furos de reportagem da história recente do país.