Um país enlameado
POR FERNANDO BRITO · 30/01/2019
Um país, como uma pessoa, uma empresa ou uma instituição, depende de sua imagem.
E o que está sendo feito com o nosso é, todos os dias, é cobri-la de lama.
A de terra e minério, como a de Brumadinho, mas também outra, igualmente tóxica: a lama moral.
Algumas provocam risadas de deboche, mundo afora. Aos holandeses, apontados como masturbadores de bebês por uma ministra (é, ministra).
Outras, espanto, como as imitações de Trump protagonizadas pelo atual presidente.
Na tarde/noite de ontem e na manhã de hoje, o que se está provocando é nojo profundo por uma país onde as instituições policiais e judiciais tornaram-se meras operadores da perseguição a um ser humano que, por mais de uma década, o mundo admirou e nos fez aparecer com brilho no cenário mundial.
É como se os poderes deste país estivessem se insurgindo contra quem ousou não aceitar nossa condenação eterna a sermos uma terra própria apenas para exotismos, aventuras e enriquecimento predatório, boa somente para ser esburacada como em Brumadinho.
Como se estivessem dispostos a tudo para manter o Brasil livre de qualquer pretensão de ser, de fato, um país e não uma ilha de privilegiados cercada por pobres de todos os lados.
Pobres, como se sabe, são va-ga-bun-dos, para usar o bordão do humorista Marcelo Adnet, inúteis, caros (basta vez a despesa que dão com previdência e salário mínimo, estes inimigos das contas públicas) e bandidos.
O tratamento dado ao direito de Lula de ver sepultar-se eu irmão é mais um balde de lama que se despeja sobre o Brasil, aos olhos do mundo.
Mais uma prova da capacidade que temos de nos humilharmos, de nos mostrarmos selvagens e abjetos.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
domingo, 27 de janeiro de 2019
Rompimento da Barragem da Vale: mais um crime
Frei Rodrigo Péret, do GT Igreja e Mineração da CNBB.
Clique abaixo para assistir:
Clique abaixo para assistir:
Frei Rodrigo Péret direto de Brumadinho mostrando a dimensão da tragédia produzida pela mineração ...
sábado, 26 de janeiro de 2019
Não foi acidente
Por Leonardo Sakamoto
Palavras são importantes. O que ocorreu, nesta sexta (25), em Brumadinho (MG) não foi um simples acidente e as mortes decorrentes tampouco são fruto do acaso. O que ocorreu é resultado da incapacidade da Vale em garantir que suas operações não matem seres humanos, polua a água, contamine o solo e destrua o meio ambiente e da incompetência de autoridades dos Três Poderes em punir devidamente a empresa quando ela causa tragédias ou prevenir antes que isso aconteça. Investigações vão apontar o que levou ao rompimento, mas o uso irresponsável da palavra "acidente" faz crer que tudo isso seria inevitável, concedendo na sorte e no azar uma responsabilidade que está nas mãos de empresas.
Neste momento, se eu fosse morador de municípios de Minas Gerais e de outros Estados com barragens semelhantes sob responsabilidade da empresa ou de suas controladas estaria bastante preocupado com a minha vida. Porque o "está tudo bem" da Vale, atestando riscos baixos de tragédia, não vale muita coisa.
Em novembro de 2015, uma barragem em Mariana, sob responsabilidade da Samarco, rompeu sobre o povoado de Bento Rodrigues, deixando 19 mortos e o maior desastre ambiental da história brasileira, mudando para sempre a vida no rio Doce. Pessoas ligadas à essa empresa e à Vale e à BHP Billiton, suas controladoras, foram denunciadas pelo Ministério Público Federal por homicídio
Nossa legislação deveria ser rigorosa na responsabilização das empresas, nas ações de prevenção, na garantia de estrutura para fiscalização e nas situações em que a proibição de exploração é o único caminho. Sim, porque às vezes para manter o interesse da maior parte do público, o minério deve ficar onde está até que se encontre uma maneira verdadeiramente racional de extraí-lo. E, uma vez extraído, as empresas devem gastar o que for necessário para que os riscos relacionados aos rejeitos seja limitados. Mesmo em prejuízo aos acionistas.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2019
“A Vale, mais uma vez, vai atuar para esconder seu crime", afirma integrante do MAB
Mineradora ainda responde na Justiça por desastre em Mariana; até o momento, há cerca de 200 desaparecidos em Brumadinho
Lu Sudré, Rute Pina e Joana Tavares
Brasil de Fato |
“Uma tragédia anunciada”, diz Thiago Alves, integrante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), sobre o rompimento da barragem Mina do Feijão, da mineradora Vale, nesta sexta-feira (25). Até o momento, há cerca de 200 desaparecidos no município de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Perspectivas apontam que o número de desaparecidos pode subir para 600 pessoas.
O rompimento da barragem ocorre pouco mais de três anos do crime ambiental em Mariana, também em Minas Gerais – acidente que, em novembro de 2015, liberou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na região e deixou 19 mortos, após o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, da qual a Vale é uma das donas, em conjunto com a BHP Billiton.
A mineradora fechou acordo com o Ministério Público de Minas para o pagamento de indenizações, mas ação na Justiça Federal ainda não teve julgamento.
Para Alves, assim como ocorreu no caso de Mariana, a Vale não irá assumir responsabilidades sobre o rompimento.
“A Vale, mais uma vez, vai atuar para esconder seu crime. Criar uma narrativa de que foi um acidente, que esse tipo de coisa acontece, como foi o caso de Mariana, além de construir uma narrativa na imprensa e com as instituições, principalmente os governos”.
Ele acrescenta que a não reparação das vítimas do crime da Samarco, assim como a não responsabilização da empresa, permite que um modelo predatório de mineração continue se expandindo na região.
“A impunidade do crime de Mariana dá mais espaço e oportunidade para outros crimes. A forma com que as empresas atuam, especialmente a Vale, no contexto do crime de Mariana, e como a Justiça brasileira atua do lado das empresas, cria espaços e oportunidades para mais uma tragédia”, declara o integrante do MAB. “A impunidade do crime de Mariana permitiu mais uma tragédia anunciada”, lamenta.
A cidade de Brumadinho foi evacuada pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, assim como o Instituto Inhotim, o museu a céu aberto de arte contemporânea localizado na região.
Segundo Thiago, as mineradoras, o governo de Minas Gerais, assim como o governo federal, ignoram o direito das populações que moram no entorno e seus posicionamentos contrário à atividade minerária.
“Esse rompimento é o resultado de um modelo de mineração que é privatizado e transnacional, inteiramente à serviço do lucro das grandes empresas, contra os direitos dos trabalhadores e das comunidades”, ressalta Alves. “Essa tragédia é mais um resultado desse modelo de morte”, lamenta o militante.
Maria Júlia Gomes de Andrade, coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), relembra que o licenciamento para a barragem rompida nesta sexta-feira (25) foi concedido a toque de caixa pelo governo estadual, em dezembro.
Andrade critica atuação das mineradoras enfaticamente. “Eles têm uma característica em comum: são projetos de grande escala, de minério de ferro, de empresas de grande porte. Mostram, de cara, uma incapacidade gigantesca dessas empresas de garantirem a segurança das suas estruturas.”
A população local e movimentos que atuam na região seguem em alerta prestando apoio aos moradores atingidos.
“Tinha muita gente trabalhando lá dentro. Esse complexo não é apenas uma mina. É um complexo que envolve várias minas. É uma extensão enorme, envolve dois municípios. A gente ainda não sabe o que aconteceu com esses trabalhadores que estavam lá na hora que rompeu essa barragem”, diz Maria Júlia, apreensiva.
“Em Fundão, 14 trabalhadores morreram na hora do rompimento da lama, sendo que 12 eram terceirizados. Isso mostra também o nível de precarização de quem trabalha nas áreas mais arriscadas dentro do complexo da mineração”, complementa.
Em relação a atuação do novo governo no licenciamento desses empreendimentos, Thiago Alves, do MAB, é pessimista. Ele acredita que tanto o presidente Jair Bolsonaro (PSL) quanto Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, vão atuar à favor das mineradoras, inclusive para facilitar a mineração em áreas quilombolas e indígenas.
“Isso já foi anunciado. Nós não temos nenhuma expectativa que o governo vá defender direitos dos trabalhadores da mineração e de comunidades atingidas. Temos um ministro do meio ambiente que é um criminoso, condenado na Justiça por favorecer mineradoras”, relembra.
Há dois dias, Zema comemorou no seu Instagram que a Vallourec estava expandindo a mineração em Brumadinho. "Minas é a principal região produtiva do grupo e meu governo vai trabalhar duro para trazer investimentos, gerar empregos e renda aos mineiros e mineiras".
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019
Irmã Maria da Glória, a "Santa de Macaúbas"
Luzias.com.br
33 anos após sua morte, irmã Maria da Glória ainda é a “Santa de Macaúbas”
Passados exatos 33 anos do falecimento da irmã que todos chamavam de a “Santa de Macaúbas”, a presença de Irmã Maria da Glória ainda é sentida de forma a ensejar a sua imortalidade nos altares dos santos.
As pessoas ainda chegam ao Mosteiro de Macaúbas, localizado na zona rural de Santa Luzia, e perguntam às irmãs concepcionistas que lá vivem em regime de clausura: – É aqui que viveu a Irmã Maria da Glória?
Após décadas de uma enfermidade que a imobilizou no leito, a irmã faleceu em 21 de janeiro de 1986, no Hospital São Lucas, em Belo Horizonte. Terezinha Mateus, amiga de longa data do mosteiro, relembra o episódio: “A irmã Maria da Glória faleceu no dia de Santa Inês.
Quando o carro com a urna funerária passou em frente ao Santuário de Santa Luzia, parou por alguns instantes, uma reverência à padroeira da cidade que acolhera a figura bondosa. Naquela noite, vivenciamos um fato inédito: a capela do mosteiro ficou lotada durante toda a madrugada, com missas sendo celebradas a todo momento”
Muita saudade
Terezinha lembra ainda das lindas rosas produzidas pela “Santa de Macaúbas”. “Ela fazia rosas de veludo, e as vendia sob encomenda. Eram rosas perfeitas” – conta ela, lembrando que “aqueles momentos ao lado da Irmã foram de muita alegria, a gente tinha muita esperança.
As pessoas que sentiam aflitas eram acolhidas e tinham fé nas palavras de orientação e conselho”, relembra.
Foto: Acervo jornal Estado de Minas
Na edição do jornal Estado de Minas do dia 23 de janeiro de 1986, estão registradas as palavras do então arcebispo de Belo Horizonte, Dom João de Resende Costa (1910-2007): “A irmã Maria da Glória, uma lâmpada sempre brilhante no Mosteiro de Macaúbas, embora doente, não desperdiçava seu tempo. Fazia flores de panos, terços e distribuía santinhos e medalhas a quem a procurava.
Em momento algum, ela deixou de dar conselhos a estas pessoas, seja pessoalmente ou através de mensagens escritas. Ela, que agora foi morar na casa de Deus, nos deixou muitos exemplos de dignidade e humildade. E, por isto, este não é um momento de tristeza. Devemos, sim, sentir muita saudade”.
Tancredo Neves, Aureliano Chaves ou Israel Pinheiro A reportagem do Estado de Minas dá destaque para as romarias ao Mosteiro de Macaúbas. As pessoas queriam ver a irmã Maria da Glória.“Durante um período de 47 anos de sua vida lutou com muita coragem contra uma enfermidade causada pela quebra da bacia, que a impedia de andar normalmente.
Sua vida se limitava ao leito de sua cama, onde recebia visita de centenas de pessoas que buscavam junto a ela conforto, forças, coragem e conselhos. Não foram raras as vezes que irmã Maria da Glória atendeu e auxiliou com suas orações vários políticos mineiros, como Tancredo Neves, Aureliano Chaves ou Israel Pinheiro”.
A irmã Maria da Glória, natural do distrito de Cachoeira do Campo (Ouro Preto), entrou para o mosteiro ainda na época do recolhimento, como registrou a pesquisadora Cleyr Vaz de Mello na cronologia que abrange quase 300 anos da história de Macaúbas.
Sua entrada foi registrada em 08 de outubro de 1926. Em 13 de setembro de 1962, juízes do Tribunal Eclesiástico chegaram ao mosteiro para colher o seu testemunho no processo de beatificação do Padre Eustáquio.
Beatificação
Com o falecimento da irmã Maria da Glória, que mereceu registro na imprensa nacional, devotos e amigos do mosteiro se mobilizaram para conseguir a abertura de um processo de beatificação da irmã, muito lembrada por seu acolhimento aos aflitos e desesperançados.
Mas, o caminho do altar costuma ser longo e precisa de muitos apoios. No próximo mês de junho serão beatificadas 14 irmãs concepcionistas espanholas, vítimas de perseguição política e assassinadas em 1936, durante a guerra civil na Espanha. A esperança é que uma hora dessas chegue a vez de a “Santa de Macaúbas”, da Ordem da Imaculada Conceição, venerada por tantos, ser elevada aos altares.
33 anos após sua morte, irmã Maria da Glória ainda é a “Santa de Macaúbas”
Passados exatos 33 anos do falecimento da irmã que todos chamavam de a “Santa de Macaúbas”, a presença de Irmã Maria da Glória ainda é sentida de forma a ensejar a sua imortalidade nos altares dos santos.
As pessoas ainda chegam ao Mosteiro de Macaúbas, localizado na zona rural de Santa Luzia, e perguntam às irmãs concepcionistas que lá vivem em regime de clausura: – É aqui que viveu a Irmã Maria da Glória?
Após décadas de uma enfermidade que a imobilizou no leito, a irmã faleceu em 21 de janeiro de 1986, no Hospital São Lucas, em Belo Horizonte. Terezinha Mateus, amiga de longa data do mosteiro, relembra o episódio: “A irmã Maria da Glória faleceu no dia de Santa Inês.
Quando o carro com a urna funerária passou em frente ao Santuário de Santa Luzia, parou por alguns instantes, uma reverência à padroeira da cidade que acolhera a figura bondosa. Naquela noite, vivenciamos um fato inédito: a capela do mosteiro ficou lotada durante toda a madrugada, com missas sendo celebradas a todo momento”
Muita saudade
Terezinha lembra ainda das lindas rosas produzidas pela “Santa de Macaúbas”. “Ela fazia rosas de veludo, e as vendia sob encomenda. Eram rosas perfeitas” – conta ela, lembrando que “aqueles momentos ao lado da Irmã foram de muita alegria, a gente tinha muita esperança.
As pessoas que sentiam aflitas eram acolhidas e tinham fé nas palavras de orientação e conselho”, relembra.
Foto: Acervo jornal Estado de Minas
Na edição do jornal Estado de Minas do dia 23 de janeiro de 1986, estão registradas as palavras do então arcebispo de Belo Horizonte, Dom João de Resende Costa (1910-2007): “A irmã Maria da Glória, uma lâmpada sempre brilhante no Mosteiro de Macaúbas, embora doente, não desperdiçava seu tempo. Fazia flores de panos, terços e distribuía santinhos e medalhas a quem a procurava.
Em momento algum, ela deixou de dar conselhos a estas pessoas, seja pessoalmente ou através de mensagens escritas. Ela, que agora foi morar na casa de Deus, nos deixou muitos exemplos de dignidade e humildade. E, por isto, este não é um momento de tristeza. Devemos, sim, sentir muita saudade”.
Tancredo Neves, Aureliano Chaves ou Israel Pinheiro A reportagem do Estado de Minas dá destaque para as romarias ao Mosteiro de Macaúbas. As pessoas queriam ver a irmã Maria da Glória.“Durante um período de 47 anos de sua vida lutou com muita coragem contra uma enfermidade causada pela quebra da bacia, que a impedia de andar normalmente.
Sua vida se limitava ao leito de sua cama, onde recebia visita de centenas de pessoas que buscavam junto a ela conforto, forças, coragem e conselhos. Não foram raras as vezes que irmã Maria da Glória atendeu e auxiliou com suas orações vários políticos mineiros, como Tancredo Neves, Aureliano Chaves ou Israel Pinheiro”.
A irmã Maria da Glória, natural do distrito de Cachoeira do Campo (Ouro Preto), entrou para o mosteiro ainda na época do recolhimento, como registrou a pesquisadora Cleyr Vaz de Mello na cronologia que abrange quase 300 anos da história de Macaúbas.
Sua entrada foi registrada em 08 de outubro de 1926. Em 13 de setembro de 1962, juízes do Tribunal Eclesiástico chegaram ao mosteiro para colher o seu testemunho no processo de beatificação do Padre Eustáquio.
Beatificação
Com o falecimento da irmã Maria da Glória, que mereceu registro na imprensa nacional, devotos e amigos do mosteiro se mobilizaram para conseguir a abertura de um processo de beatificação da irmã, muito lembrada por seu acolhimento aos aflitos e desesperançados.
Mas, o caminho do altar costuma ser longo e precisa de muitos apoios. No próximo mês de junho serão beatificadas 14 irmãs concepcionistas espanholas, vítimas de perseguição política e assassinadas em 1936, durante a guerra civil na Espanha. A esperança é que uma hora dessas chegue a vez de a “Santa de Macaúbas”, da Ordem da Imaculada Conceição, venerada por tantos, ser elevada aos altares.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
A vergonha dos vencedores, por Fernando Brito
A vergonha dos vencedores
POR FERNANDO BRITO - Tijolaço
O decreto da liberação da posse de armas – segundo Bolsonaro, apenas um aperitivo, “apenas o primeiro passo”, para franquear o acesso generalizado a armamento para a população – não pode ser julgado apenas no campo político.
É um retrocesso civilizatório que nos custará muitas vidas e muitos anos para reverter. Não fosse isso, diria que foi a derrota política inaugural de Jair Bolsonaro.
É algo que, mesmo antes das tragédias anunciadas que irá produzir, só encontrou apoio incondicional em seus adeptos mais radicais.
A classe média, sempre tão feroz na teoria, passa a viver o medo de que o seu vizinho de porta tenha uma, duas, várias pistolas. Ou o caixa da padaria. Ou o dono da quitanda, que você andou chamando de ladrão por cobrar 10 reais no quilo do tomate. Ou o inspetor da escola dos filhos. Os neoliberais “cult” não tiveram peito de defender e o próprio Sérgio Moro fez questão de ficar nas sombras no anúncio da “grande conquista”, mesmo sendo, agora, o responsável pela Segurança Pública.
A comparação dos perigos oferecidos por uma arma de fogo com os riscos de um liquidificador, feita pelo sempre energúmeno Ônyx Lorenzoni ofende a inteligência de um asno.
Os vencedores estão envergonhados.
Só o núcleo selvagemente fascista celebra, e olhe lá.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2019
Vive-se no Brasil uma confusão entre conservadorismo e obscurantismo, por Fábio Canton
O conservadorismo nem sempre é deletério, mas obscurantismo é oposto à evolução humana
Por Fábio Romeu Canton Filho
No Conjur
Avanços civilizatórios não têm bandeira, mas há quem os veja como peças de proselitismo ideológico. Laicidade do Estado, presunção de inocência, direito de defesa a todos, respeito às diferenças de gênero, raça e credo e liberdade de imprensa são conquistas da humanidade, mesmo que identificadas como estandartes da esquerda. No caso brasileiro, tal impressão não será desconstruída enquanto os representantes de uma dita direita não pararem de negá-las e até de combatê-las.
O presidente da República é um político de direita, e esse enquadramento no espectro ideológico, a princípio, não o desabona. A ser levada em conta a conceituação contemporânea de direita e esquerda, muito bem descrita por Norberto Bobbio, o político de direita é aquele que enxerga o indivíduo como construtor do seu próprio futuro, atrelado à realidade do mercado e livre das mãos do Estado. Segundo Bobbio, de outra parte, o político de esquerda vê na desigualdade o mais grave dos males da nação, o qual não será superado sem uma forte atuação estatal contra injustiças sociais.
Poder-se-ia encontrar outras terminologias que substituíssem “direita” e “esquerda” na diferenciação dos dois conjuntos de pensamento, mas o mundo inteiro, principalmente a Europa, continua a usá-las para classificar os políticos conforme suas prioridades.
Em sua obra, o filósofo italiano não julga um lado melhor ou pior que outro — diferencia-os apenas, destacando que ideólogos de um e de outro buscam, cada um à sua maneira, um mundo melhor. Esse debate, contudo, dá-se no campo da razão, da lógica, muito longe do fundamentalismo que parece prevalecer no governo do presidente Jair Bolsonaro e fora dele.
Combater e eliminar vícios de governos anteriores não pode significar destruir avanços cujos responsáveis não são políticos corruptos de esquerda ou direita, mas representantes da sociedade brasileira em toda sua diversidade, que escreveram a Constituição de 1988 — o mais importante marco civilizatório da história do Brasil.
O que se vê nos primeiros dias do atual governo, confirmando a retórica de campanha, são atos e manifestações que não raro representam, muito mais que anti-esquerdismo, atentado contra conquistas irrenunciáveis.
Para onde caminha um país cujo ministro das Relações Exteriores nega o aquecimento global, atribuindo a relevância conferida ao tema a uma “conspiração comunista”? Se as declarações do chanceler chocam pelo grau de desconexão com a realidade, o que dizer das palavras da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, para quem “menino veste azul, menina veste rosa”?
Vive-se no Brasil uma confusão entre conservadorismo, nem sempre deletério, e obscurantismo, este oposto à evolução humana. Ao longo da história, vimos brilhar por estas terras personalidades identificadas com o conservadorismo, mas nem por isso próximas das trevas.
Lamentavelmente, os conservadores do século XXI parecem ter como inimigo qualquer tipo de sofisticação intelectual na busca de solução para os nossos problemas: se a criminalidade campeia, que o povo se arme; se a Constituição tem falhas, que seja ignorada; se manifestações populares por vezes descambam para o vandalismo, que sejam proibidas (e classificadas como terrorismo); se um ministério, como o do Trabalho, desviou-se de sua finalidade, que seja simplesmente extinto.
É verdade que não nos desenvolvemos conforme queríamos, fomos engolidos pela corrupção, o fisiologismo, o clientelismo. O Estado brasileiro tornou-se instrumento a serviço de grandes conglomerados privados, porém nossa face trágica não pode obnubilar boas experiências nascidas aqui, e a Justiça do Trabalho, contemplada no artigo 92 da Constituição Federal, é uma delas.
A posição anunciada pelo presidente da República quanto ao tema confirma na pessoa dele o desprezo pela racionalidade e o exercício intelectual: se a legislação trabalhista é protecionista em excesso, se há litígios demais nesse campo, extinga-se a Justiça do Trabalho (e cite-se como modelo os Estados Unidos, onde tal instância não existe. Só rindo!). Não importa que a área trabalhista exija conhecimentos específicos de advogados e magistrados, e importa tanto menos que a história das relações de trabalho no Brasil justifique a existência de tribunais especializados.
Não conheço o autor desta frase, popular e atual, mas merece aplauso: “Para todo problema que parece complexo, há uma solução simples. Que não funciona”.
Fábio Romeu Canton Filho é advogado, professor, doutor e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Foi vice-presidente da OAB-SP e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp).
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019
O aniquilamento das políticas sociais e da diversidade. Por Helena Chagas
Helena Chagas
Os divergentes
Cadê o Consea? Sumiu! E a Secretaria de Diversidade do MEC que cuidava de diversidade e do ensino a deficientes e surdos? Também. Mesmo destino das políticas e diretrizes destinadas ao público LGBT, que saíram misteriosamente da lista das atribuições do novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. E a Funai e outros órgãos encarregados da demarcação de terras indígenas e quilombolas? Foram esquartejados e suas principais decisões ficaram nas mãos da Agricultura, a pasta que representa seus tradicionais adversários, a bancada ruralista.
Ninguém pode dizer que tudo isso é surpresa. É o governo Jair Bolsonaro cumprindo suas promessas de campanha. Só que tudo isso foi feito nas primeiras 24 horas da nova gestão, de forma atabalhoada, sem maiores discussões nem explicações aos interessados. É como se tudo isso – e, provavelmente, os órgãos e políticas que serão extintos nos próximos dias – fosse uma espécie de entulho de esquerda, bobagens que podem ser varridas para a lata de lixo.
Não é assim. Por trás de cada política social ou destinada à diversidade que está sendo aniquilada há gente. Boa parte delas, como o reconhecimento da população LGBT e de suas demandas pelo Estado, é resultado de conquistas da sociedade que resultaram de anos de luta.
A extinção do Consea, Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional, integrado por entidades da sociedade e encarregado de coordenar políticas na área da segurança alimentar é, acima de tudo, uma péssima sinalização interna e externa da falta de prioridade dada ao tema pelo novo governo. Só para lembrar: os programas brasileiros de distribuição de renda e combate à fome, como o Bolsa Família e o estímulo à agricultura familiar, receberam dezenas de prêmios internacionais, inclusive da ONU, e são um exemplo para o mundo.
Governos recém-empossados, ainda em lua-de-mel com a população, podem muito. Mas não podem tudo. Mais dia, menos dia, haverá reações à pauta regressiva por parte de grupos da sociedade que, isolados, podem parecer pouco significativos. Juntos, porém, podem fazer um barulhão. É um engano imaginar que a maioria que elegeu Jair Bolsonaro por razões diversas, entre as quais se destaca a crise da economia e a falta de emprego, vá apoiar um retorno ao passado tão brusco assim.
Os divergentes
Cadê o Consea? Sumiu! E a Secretaria de Diversidade do MEC que cuidava de diversidade e do ensino a deficientes e surdos? Também. Mesmo destino das políticas e diretrizes destinadas ao público LGBT, que saíram misteriosamente da lista das atribuições do novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. E a Funai e outros órgãos encarregados da demarcação de terras indígenas e quilombolas? Foram esquartejados e suas principais decisões ficaram nas mãos da Agricultura, a pasta que representa seus tradicionais adversários, a bancada ruralista.
Ninguém pode dizer que tudo isso é surpresa. É o governo Jair Bolsonaro cumprindo suas promessas de campanha. Só que tudo isso foi feito nas primeiras 24 horas da nova gestão, de forma atabalhoada, sem maiores discussões nem explicações aos interessados. É como se tudo isso – e, provavelmente, os órgãos e políticas que serão extintos nos próximos dias – fosse uma espécie de entulho de esquerda, bobagens que podem ser varridas para a lata de lixo.
Não é assim. Por trás de cada política social ou destinada à diversidade que está sendo aniquilada há gente. Boa parte delas, como o reconhecimento da população LGBT e de suas demandas pelo Estado, é resultado de conquistas da sociedade que resultaram de anos de luta.
A extinção do Consea, Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional, integrado por entidades da sociedade e encarregado de coordenar políticas na área da segurança alimentar é, acima de tudo, uma péssima sinalização interna e externa da falta de prioridade dada ao tema pelo novo governo. Só para lembrar: os programas brasileiros de distribuição de renda e combate à fome, como o Bolsa Família e o estímulo à agricultura familiar, receberam dezenas de prêmios internacionais, inclusive da ONU, e são um exemplo para o mundo.
Governos recém-empossados, ainda em lua-de-mel com a população, podem muito. Mas não podem tudo. Mais dia, menos dia, haverá reações à pauta regressiva por parte de grupos da sociedade que, isolados, podem parecer pouco significativos. Juntos, porém, podem fazer um barulhão. É um engano imaginar que a maioria que elegeu Jair Bolsonaro por razões diversas, entre as quais se destaca a crise da economia e a falta de emprego, vá apoiar um retorno ao passado tão brusco assim.
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