Cebes:
Chico D’Angelo*
O nível de descompromisso com o Brasil e com o povo brasileiro desse governo provisório e ilegítimo supera até as piores expectativas. Enquanto as sucessivas gravações caracterizam o golpe e desmoralizam seus agentes, a gestão usurpadora cumpre seu papel desonroso de espoliar a nação brasileira. Sem legitimidade e sem voto, esse governo tenta impor um modelo de ajuste fiscal centrado exclusivamente no corte de gastos públicos, vitimando, principalmente, as áreas sociais.
Esse desequilíbrio será pago pela população assalariada de baixa e média renda, em plena recessão. E os mais pobres, os que mais precisam, estarão completamente desamparados.
Por que não auditar a dívida pública, cogitar o uso das reservas internacionais ou taxar lucros bancários? Por que não discutir uma reforma tributária que desonere o binômio produção/consumo e incida mais fortemente sobre o trinômio renda/riqueza/propriedade? Os projetos de lei que propõem a tributação de grandes fortunas permanecem parados no Congresso Nacional.
O funcionamento do SUS nunca esteve tão ameaçado quando na conjuntura atual. A viabilidade do SUS – um sistema universal para mais de 200 milhões de pessoas e que cobre um território quase do tamanho do continente europeu, e cuja existência está gravada no texto constitucional – estará comprometida no prazo imediato. Com a instituição de um teto para os gastos públicos, haverá um grave corte de recursos do SUS, já anunciado pelo ministro interino da Saúde, retornando aos níveis praticados em 2003.
Coerente com os princípios do governo que integra e com a natureza do processo que os levou ao poder, o atual ministro da Saúde anunciou a fórmula encontrada para superar as dificuldades: descumprir a Constituição. Em apoio aos desmandos dos gestores do golpe, manifestam-se os tradicionais porta-vozes da oligarquia nacional a questionar a manutenção da universalidade do SUS, com a indisfarçável intenção de substituí-lo pelos planos de saúde financiadores de campanhas eleitorais. Trata-se de uma expressão da mais ostensiva má-fé ou de lamentável desconhecimento. A universalidade não é apenas um conceito fundamental, uma espécie de cláusula pétrea do nosso sistema de saúde, é também estratégia a zelar pela qualidade dos serviços prestados.
É preciso dizer e repetir que o SUS contribui para a preservação da saúde de toda a população brasileira, mesmo para os que não têm clareza disso. Além da extensa rede de atenção básica e dos mais amplos programas de vacinação e anti-HIV do mundo, o SUS realiza 2,2 milhões de cirurgias eletivas, 95% dos transplantes de órgãos (nos últimos anos, a fila diminuiu em mais de um terço) e 85% dos procedimentos de alta complexidade, entre os quais 97% de todas as quimioterapias.
Após a redemocratização, nenhum governo teve a desfaçatez de apresentar um conjunto de medidas que penalizasse tanto a classe média e a população mais pobre, um amontoado de propostas requentadas, com duas características onipresentes: a mais absoluta subserviência ao sistema financeiro e o total descaso com as necessidades mais básicas do povo brasileiro.
No último dia 25 de maio, protocolizei na Comissão de Seguridade, da qual sou membro, o pedido de realização de uma Audiência Pública que hoje, dia 01 de junho, foi aprovado. Esse requerimento visa debater os possíveis impactos das medidas anunciadas sobre o Sistema Único de Saúde e discutir sobre as formas de luta e enfrentamento contra o golpe na Saúde Pública. O governo ilegítimo acelera seu caráter provisório. Talvez nem precise ser derrubado, porque se desfaz pateticamente à vista da nação, na velocidade média da queda de um ministro a cada 15 dias. Não tenham dúvida os golpistas, o povo brasileiro, calejado de tantas lutas, saberá defender seus direitos duramente conquistados. E os trabalhadores do SUS cerrarão fileiras em defesa do maior patrimônio da cidadania brasileira.
*Chico D’Angelo é deputado federal pelo PT-RJ, ex-Secretário de Saúde de Niterói e presidente da Comissão de Cultura da Câmara
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