sábado, 25 de junho de 2016

O meu Mineirão, o lugar democrático e popular, não existe mais





Pessoal mais antigo, publico no final, texto legal de se ler do Fred Melo Paiva, no ¨Estado de Minas¨.

Tenho saudade do antigo Mineirão.

Independente do time que você torce pense somente no torcedor, tenho certeza que é o mesmo sentimento que muitos possuem do velho Mineirão.

Comecei a frequentá-lo aos 6 anos de idade, assim como o Fred. Só que em 1967.

Íamos eu, meu pai Luciano, meu irmão Lucianinho, às vezes meu irmão Rodrigo, meu tio Chico e o saudoso tio Zé Elísio.

E eu vibrava de alegria e emoção: ver o jogo do Atlético no Mineirão, ao lado de pessoas queridas e de pessoas anônimas, pobres e ricas, pretas e brancas.

Ficávamos sentados na arquibancada inferior, chamada de arquibancada popular, próximo ao meio campo, mais do lado que o Galo atacava. Ela ficava acima da geral e abaixo da arquibancada superior.

No intervalo, com a mudança de lado dos times nós,  
também, mudávamos de lado para continuar acompanhando o ataque do Atlético.

Na hora que o Galo fazia o gol, todos se abraçavam, se confraternizavam. 

Quando tinha 13 anos uma cena ficou gravada na minha lembrança, em um gol importante do Galo, meu pai e meus tios e um torcedor pobre e negro (talvez, igual ao citado pelo Fred) se abraçaram.
Todos em uma alegria incontida e confesso não sei se emocionei mais com essa cena ou com o gol do Galo.

Na minha inocência o meu Mineirão me passava a ideia de um espaço onde não havia discriminação, não havia preconceito, não havia exclusão. 
O Mineirão era de todos, democrático e popular.  

Atualmente, não temos mais estádios, agora eles são chamados arenas. Não tem mais a geral. O preço dos ingressos são caros. O futebol se elitizou. Passaram, portanto, a ser locais de exclusão. 

Mas ainda fico com aquela ideia de quando era criança e adolescente: pensava que o mundo lá fora poderia ser igual ao meu Mineirão antigo: pobres e ricos, negros e brancos juntos e buscando o mesmo objetivo, o gol. No mundo lá fora o gol seria a busca da justiça social, dos direitos fundamentais. E aí a confraternização e os abraços aconteceriam com cada gol, digo, com cada direito conquistado. E o time campeão seria o da Cidadania.














O meu Mineirão não existe mais
Fred Melo Paiva

Quando acabei de subir o último lance de escada que dá acesso às arquibancadas, e avistei pela primeira vez aquele monumental anel de concreto, fiquei pasmo e sem fôlego. Aos 6 anos, o mundo, desenhado para os adultos, é um mundo de Itu. A grandiosidade daquele teatro de arena me fez sentir um misto de medo e atração. Eu só viria a experimentar de novo esse sentimento quando, quatro anos depois, fui ao Rio conhecer o mar. A praia continua igual – democrática, pública e popular. O meu Mineirão não existe mais.

Nessa fase de criança, eu, meus tios e primos sentávamos atrás do gol da lagoa, naquele pedaço da arquibancada que a partir de meados dos anos 80 seria ocupada pela Galoucura. Era o espaço possível para velhos e crianças. Secretamente, torcia para o Galo não fazer gols. Quando isso ocorria, meu tio Carlos Alberto me arremessava para cima. Devia voar um ou dois metros. Aos 6 anos, dois metros parecem 20. Ao aterrissar, encontrava sentado em meio à balbúrdia o seu Dárcio, conselheiro do Atlético e pai do meu tio Guálter. Devia ter uns 70 anos. Mas, quando se tem 6, 70 são 140. Era como se, num ato de imprudência, tivéssemos levado o Austregésilo de Athayde a um jogo. Tentava protegê-lo para que ninguém caísse sobre ele. Gol, o grande tormento do futebol.

O seu Dárcio – bem, acho que ele não estava nem aí. Não foi disso que ele morreu (é mais provável que tenha sido disso que viveu). Ninguém estava nem aí: não havia cadeiras sobre o concreto, cabiam 120 mil onde hoje só cabem 60 mil, torcedores soltavam bombas e foguetes, pilhas eram atiradas nos bandeirinhas, copos de chope e xixi sobrevoavam nossas cabeças. Esse era o meu Mineirão, e não foi disso que eu morri – foi disso que eu vivi, e me dói saber que isso morreu.

Esperei com ansiedade até o momento em que, adolescente, pude me juntar à rapa que frequentava a arquibancada no meio do campo. Ali ficavam os primos mais velhos, os atleticanos bêbados e fanáticos, os maconheiros, a Super Força Viva, os Dragões da FAO, as bandeiras verticais da Galo Elite. A favela e o Mangabeiras, em carnavalesca confraternização.

Eu era punk e petista. Na minha cabeça pululavam ideias de justiça social. Em 1987, quando o Sérgio Araújo empatou o segundo jogo da semifinal da Copa União com o Flamengo (perderíamos por 3 a 2), um negro forte e desdentado me abraçou por um longo minuto. Ele chorava toda a desgraça da vida dele naquele gol redentor. Eu também chorava, porque o Galo merecia tanto e aquele sujeito ali, ainda mais. Poucas vezes na vida recebi um abraço tão fraternal, emocionado e sincero. O meu Mineirão é o abraço desse cara, e as tantas vezes que choramos juntos, pretos e brancos, pobres e ricos.

Temos um novo Mineirão. As arquibancadas viraram cadeiras, extinguiram a geral, construíram camarotes para os vips. O tropeiro dobrou de preço. O ingresso mais barato aumentou 500%. A concessionária que administra o estádio (embora incapaz de administrar uma fila) proíbe faixas de torcidas para não cobrir o nome do patrocinador. Pela paz, o Ministério Público proíbe bandeiras. No meu Mineirão elas saíam dos corredores internos e percorriam todo o anel. Mas o meu Mineirão, que pena, não existe mais. 






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