sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Frei Betto: ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS?



ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS?

Frei Betto

      O STF se debruça, nesta quarta-feira, sobre o polêmico tema do ensino religioso nas escolas. Ora, a própria adjetivação de religioso é falaciosa. O ensino pode e deve ser religioso em escolas confessionais, sejam elas católicas, protestantes, judaicas etc.

      Em um país laico como o Brasil não faz sentido falar em ensino religioso na rede pública. Deve-se, sim, incluir o ensino das religiões, assim como há o das civilizações. É inconcebível que um aluno termine o curso sem noções a respeito das grandes vertentes religiosas, como judaísmo, cristianismo e islamismo, bem como o que é espiritismo, umbanda, candomblé, santo daime e outras manifestações religiosas ou espirituais, como o budismo, encontradas no Brasil.

      Debater se o ensino deve ser das religiões ou religioso chega a ser redundante. Importa é o conteúdo das religiões. E todas que merecem fé têm em comum os mesmos princípios éticos: amor ao próximo, cuidado da natureza, partilha dos bens, solidariedade, atenção aos necessitados, tolerância ao diferente, respeito à diversidade de crenças, combate à discriminação e ao preconceito.

      Essa ética deveria ser o tema transversal de todas as matérias curriculares. É o mínimo que se espera de uma educação de qualidade.

      Vale recordar as palavras do papa Francisco no Teatro Municipal do Rio, a 27 de julho de 2013: “Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo as suas expressões mais concretas.”

Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.

(Fonte: Censo Alceu Amoroso Lima Para a Liberdade, 27/09/2017)

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Franciscanos, através do Frei Rodrigo Péret , denunciam na ONU as degradações e violações da exploração mineral no Brasil

Rádio Vaticano

Franciscanos levam Conceição do Mato Dentro (MG) à ONU

                                  Frei Rodrigo Péret



Genebra (RV) - Quarta-feira (27/09) a ONG Franciscans International apresentou na sede das Nações Unidas em Genebra, na Suíça, um painel de denúncia sobre os efeitos do extrativismo no território e na população de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais.
A Organização Franciscans International é a ‘voz franciscana nas Nações Unidas que protege os vulneráveis, os esquecidos, os marginalizados e a nossa terra, tão profundamente ferida’.
Respeitar a dignidade de cada pessoa numa comunidade global em que os recursos sejam divididos com equidade, na qual o meio ambiente seja defendido e as nações e povos vivam em paz: são os objetivos da ONG.
Neste sentido, o espaço aberto na Convenção de Direitos Humanos da ONU alertou para os impactos a que esta população, de modo particular, está exposta.
Foram denunciados o não-envolvimento das comunidades que poderão ser afetadas, a falta de atenção aos estudiosos no assunto e a omissão dos órgãos de licenciamento em relação a estas situações.
A prática mineradora desconstrói o território e em nome do progresso constrói um território sem vínculos com as comunidades locais. O licenciamento é feito de maneira fatiada para esconder a realidade dos impactos negativos.
Frei Rodrigo Péret acompanha a questão da degradação de áreas de preservação permanente e a violação dos direitos humanos, decorrente  da exploração mineral no Brasil. Engajado com a realidade social e ambiental, é também assessor da CNBB para assuntos referentes à mineração.
Ele participou da Conferência na sede da ONU em Genebra e enviou o seu relato. Ouça aqui:
 
Com Frei Rodrigo, expuseram a situação Moema Miranda, de Igrejas e Mineração, Patrícia Generoso, membro da Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos do Projeto Minas Rio, e Igor Bastos, do Movimento Católico Global pelo Cima, a quem agradecemos pela parceria. 
Confira a apresentação:

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A constituição não autoriza a intervenção militar em NENHUMA circunstância, afirma Heloísa Starling

O Instituto da Democracia publica na sua homepage deste fim de semana na seção democracia urgente análise da historiadora Heloísa Starling sobre a declaração do general Mourão sobre a possibilidade de intervenção militar. Assistam.
Heloísa Starling comenta declaração de general sobre possível intervenção militar



Heloísa Starling, historiadora e professora da UFMG, comenta recente declaração do general Antônio Hamilton Mourão sobre a possível necessidade do militares intervirem na cena política brasileira. De acordo Heloísa,  não é novidade na história do Brasil a tentativa de intervenção de forças armadas na vida política. 

A historiadora também alerta sobre os perigos para a democracia brasileira de declarações desse tipo. Ela lembra também que a constituição não autoriza a intervenção militar em NENHUMA circunstância.

Assista ao vídeo!


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A Escravidão, e não corrupção, define sociedade brasileira, diz Jessé Souza


Resultado de imagem para A elite do atraso Jesse Souza


O país vive um período de descrédito em suas instituições. O presidente Michel Temer encontra o juiz do STF em casa e, às escuras, os dois jantam com o chefe do Congresso. Tudo sem publicidade. O que eles combinam por trás das portas? Quem manda neste país? “Quem faz uma sociedade, no fundo, é a força de suas instituições. E a grande instituição que existia aqui desde 1532 é a escravidão”, diz Jessé Souza, pesquisador e ex-presidente do IPEA, uma fundação pública ligada ao Ministério do Planejamento. Jessé está lançando o livro “A Elite do Atraso: da Escravidão à Lava Jato” e é o convidado do ‘Sala de Professores’, da TV Fepesp. Em entrevista a Celso Napolitano e Gilberto Maringoni, professor da UFABC, o pesquisador fala sobre como se dá a corrupção corporativa e como a reforma trabalhista ainda reforça práticas que remontam aos tempos da escravidão.

Clique abaixo para assistir a entrevista

A Elite do Atraso - Sala de Professores - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=9xgGhynmTms
TV Fepesp




Leia, também, o artigo publicado na Folha de São Paulo:


Escravidão, e não corrupção, define sociedade brasileira, diz Jessé Souza



JESSÉ SOUZA

22/09/2017

Obra do pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858)





RESUMO Autor argumenta que a visão do brasileiro como vira-lata, pré-moderno, emotivo e corrupto decorre de uma leitura liberal, conservadora e equivocada de nosso passado. Para ele, é preciso reinterpretar a história do Brasil tomando a escravidão como o elemento definitivo que nos marca como sociedade até hoje.
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Quem sintetizou a interpretação dominante do Brasil, que todos aprendemos nas escolas e nas universidades, foi Gilberto Freyre (1900-87). É a ideia de que viemos de Portugal e que de lá herdamos um jeito específico de ser. Para o autor de "Casa-Grande e Senzala" e para seguidores como Darcy Ribeiro (1922-97), essa herança era positiva ou, pelo menos, ambígua.
Sérgio Buarque de Holanda (1902-82), reinterpreta a ideia como pura negatividade em registro liberal. Cria, assim, o brasileiro como vira-lata, pré-moderno, emotivo e corrupto. Tal visão prevaleceu, e quase todos a seguem, de Raymundo Faoro (1925-2003), Fernando Henrique Cardoso e Roberto DaMatta a Deltan Dallagnol e Sergio Moro.
Essa é a única interpretação totalizante da sociedade brasileira que existe até hoje.
Reprodução
Obra de Johann Moritz Rugendas (1802-1858)
A "esquerda", entendida como a perspectiva que contempla os interesses da maioria da sociedade, jamais construiu alternativa a essa leitura liberal e conservadora. Existem contribuições tópicas geniais, mas elas esclarecem fragmentos da realidade social, não a sua totalidade, permitindo que, por seus poros e lacunas, penetre a explicação dominante.
A ausência de interpretação própria fez com que a esquerda sempre fosse dominada pelo discurso do adversário. Reescrever essa história é a ambição de meu novo livro, "A Elite do Atraso - Da Escravidão à Lava Jato" [Leya, 240 págs., R$ 44,90]. O fio condutor é a ideia de que a escravidão nos marca como sociedade até hoje —e não a suposta herança de corrupção, como se convencionou sustentar.
Para Faoro, por exemplo, a história do Brasil é a história da corrupção transplantada de Portugal e aqui exercida pela elite do Estado. Nessa narrativa, senhores e escravos raramente aparecem e nunca têm o papel principal.
Essa abordagem seria apenas ridícula se não fosse trágica. Faoro imagina a semente da corrupção já no século 14, em Portugal, quando não havia nem sequer a concepção de soberania popular, que é parteira da noção moderna de bem público. É como ver um filme sobre a Roma antiga cheio de cenas românticas que foram inventadas no século 18. Não obstante, o país inteiro acredita nessa bobagem.
ESCRAVIDÃO
Os adeptos dessa interpretação dominante parecem não se dar conta de que, em uma sociedade, cada indivíduo é criado pela ação diária de instituições concretas, como a família, a escola, o mundo do trabalho.
No Brasil Colônia, a instituição que influenciava todas as outras era a escravidão (que não existia em Portugal, a não ser de modo tópico). Tanto que a (não) família do escravo daquele período sobrevive até hoje, com poucas mudanças, na (não) família das classes excluídas: monoparental, sem construir os papéis familiares mais básicos, refletindo o desprezo e o abandono que existiam em relação ao escravo.
Também no mundo do trabalho a continuidade impressiona. A "ralé de novos escravos", mais de um terço da população, é explorada pela classe média e pela elite do mesmo modo que o escravo doméstico: pelo uso de sua energia muscular em funções indignas, cansativas e com remuneração abjeta.
Em outras palavras, os estratos de cima roubam o tempo dos de baixo e o investem em atividades rentáveis, ampliando seu próprio capital social e cultural (com cursos de idiomas e pós-graduação, por exemplo) e condenando a outra classe à reprodução de sua miséria.
A classe que chamo provocativamente de ralé é uma continuação direta dos escravos. Ela é hoje em grande parte mestiça, mas não deixa de ser destinatária da superexploração, do ódio e do desprezo que se reservavam ao escravo negro. O assassinato indiscriminado de pobres é atualmente uma política pública informal de todas as grandes cidades brasileiras.
A nossa elite econômica também é uma continuidade perfeita da elite escravagista. Ambas se caracterizam pela rapinagem de curto prazo. Antes, o planejamento era dificultado pela impossibilidade de calcular os fatores de produção. Hoje, como o recente golpe comprova, ainda predomina o "quero o meu agora", mesmo que a custo do futuro de todos.
É importante destacar essa diferença. Em outros países, as elites também ficam com a melhor fatia do bolo do presente, mas além disso planejam o bolo do futuro. Por aqui, a elite dedica-se apenas ao saque da população via juros ou à pilhagem das riquezas naturais.
INTERMEDIÁRIAS
Historicamente, a polarização entre senhores e escravos em nossa sociedade permaneceu até o alvorecer do século 20, quando surgiram dois novos estratos por força do capitalismo industrial: a classe trabalhadora e a classe média.
Em relação aos trabalhadores, a violência e o engodo sempre foram o tratamento dominante. Com a classe média, porém, a elite se viu contraposta a um desafio novo.
A classe média não é necessariamente conservadora. Tampouco é homogênea. O tenentismo, conhecido como nosso primeiro movimento político de classe média, na década de 1920, já revelava essas características, pois abrigava múltiplas posições ideológicas.
A elite paulistana, tendo perdido o poder político em 1930, precisava fazer com que a heterodoxia rebelde da classe média apontasse para uma única direção, agora em conformidade com os interesses das camadas mais abastadas. Como naquele momento os endinheirados de São Paulo não controlavam o Estado, o caminho foi dominar a esfera pública e usá-la como arma.
O que estava em jogo era a captura intelectual e simbólica da classe média letrada pela elite do dinheiro, para a formação da aliança de classe dominante que marcaria o Brasil dali em diante.
O acesso ao poder simbólico exige a construção de "fábricas de opiniões": a grande imprensa, as grandes editoras e livrarias, para "convencer" seu público na direção que os proprietários queriam, sob a máscara da "liberdade de imprensa" e de opinião.
A imprensa, todavia, só distribui informação e opinião. Ela não cria conteúdo. A produção de conteúdo é monopólio de especialistas treinados: os intelectuais. A elite paulistana, então, constrói a USP, destinando-a a ser uma espécie de gigantesco "think tank" do liberalismo conservador brasileiro, de onde saem as duas ideias centrais dessa vertente: as noções de patrimonialismo e de populismo.
LAVA JATO
Enquanto conceito, o patrimonialismo procede a uma inversão do poder social real, localizando-o no Estado, não no mercado. Abre-se espaço, assim, para a estigmatização do Estado e da política sempre que se contraponham aos interesses da elite econômica. Nesse esquema, a classe média cooptada escandaliza-se apenas com a corrupção política dos partidos ligados às classes populares.
A noção de populismo, por sua vez, sempre associada a políticas de interesse dos mais pobres, serve para mitigar a importância da soberania popular como critério fundamental de uma sociedade democrática —afinal, como os pobres ("coitadinhos!") não têm consciência política, a soberania popular sempre pode ser posta em questão.
É impressionante a proliferação dessa ideia na esfera pública a partir da sua "respeitabilidade científica" e, depois, pelo aparato legitimador midiático, que o repercute todos os dias de modos variados.
As noções de patrimonialismo e de populismo, distribuídas em pílulas pelo veneno midiático diariamente, são as ideias-guia que permitem à elite arregimentar a classe média como sua tropa de choque.
Essas noções legitimam a aliança antipopular construída no Brasil do século 20 para preservar o privilégio real: o acesso ao capital econômico por parte da elite e o monopólio do capital cultural valorizado para a classe média. É esse pacto que permite a união dos 20% de privilegiados contra os 80% de excluídos.
atual farsa da Lava Jato é apenas a máscara nova de um jogo velho que completa cem anos.
Em conluio com a grande mídia, não se atacou apenas a ideia de soberania popular, pela estigmatização seletiva da política e de empresas supostamente ligadas ao PT —o saque real, obra dos oligopólios e da intermediação financeira, que capturam o Estado para seus fins, ficou invisível como sempre. Destruiu-se também, com protagonismo da Rede Globo nesse particular, a validade do próprio princípio da igualdade social entre nós.
O ataque seletivo ao PT, de 2013 a 2016, teve o sentido de transformar a luta por inclusão social e maior igualdade em mero instrumento para um fim espúrio: a suposta pilhagem do Estado.
Desqualificada enquanto fim em si mesma, a demanda pela igualdade se torna suspeita e inadequada para expressar o legítimo ressentimento e a raiva que os excluídos sentem, mas que agora não podem mais expressar politicamente.
Assim, abriu-se caminho para quem surfa na destruição dos discursos de justiça social e de valores democráticos —Jair Bolsonaro como ameaça real é filho do casamento entre a Lava Jato e a Rede Globo.
O pacto antipopular das classes alta e média não significa apenas manter o abandono e a exclusão da maioria da população, eternizando a herança da escravidão. Significa também capturar o poder de reflexão autônoma da própria classe média (assim como da sociedade em geral), que é um recurso social escasso e literalmente impagável.
JESSÉ SOUZA, 57, doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), é autor de "A Tolice da Inteligência Brasileira" e "A Radiografia do Golpe" (Leya), além de professor de sociologia da UFABC.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Uma foto e um quadro-resumo de 16 pontos: os dois projetos em luta na Igreja

Caminho para Casa:
Mauro Lopes



O “príncipe” Raymond Burke e o bispo do povo José Maria Pires, o dom Zumbi

A Igreja Católica vive hoje a disputa aberta entre dois projetos: um deles, liderado pelo Papa Francisco, pretende aprofundar o caminho aberto pelo Concílio Vaticano II (1962-1965); o segundo, liderado por um grupo de cardeais e bispos conservadores e por larga fatia da Cúria romana, pretende ver restaurado o espírito do Concílio de Trento (1545-1563).
Os dois projetos estão simbolizados pela foto acima, que reúne duas imagens: as do cardeal Raymond Burke, um dos líderes da oposição ao Papa Francisco e de dom José Maria Pires, o dom Zumbi, que participou do Vaticano II. A imagem de dom Francisco é recente; a de dom Zumbi é dos anos 1970, quando era o arcebispo da Paraíba –ele morreu no último 27 de agosto, aos 98 anos.
Há um julgamento consensual entre os teólogos e a hierarquia sobre a relevância do Concílio de Trento, que viu-se obrigado a dar conta das novas realidades surgidas à época: o fim da Idade Média, a Reforma e o nascimento da Modernidade hostil à religião. A questão não é o julgamento histórico daquele concílio, mas o desejo dos segmentos conservadores da hierarquia e do laicato de restaurar seu espírito, transplantando para o século 21 a doutrina e o modo de ser e fazer Igreja de meio milênio atrás.
O julgamento sobre o Vaticano II não tem nada de consensual. Os segmentos progressistas, que apoiam o Papa Francisco, consideram-no com o evento que marcou a retomada do diálogo da Igreja com o tempo, a Modernidade e a pós-Modernidade. Os conservadores atacam-no duramente, de maneira velada (a maioria) ou aberta (caso de líderes como o cardeal Robert Sarah, atual prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos do Vaticano): consideram o concílio liderado por João XXIII a “porta aberta” na Igreja para a licenciosidade, a anarquia, a “subversão”.
O centro de aglutinação e liderança conservadora na Igreja esteve (e ainda está) solidamente ancorado na Cúria romana. Não é à toa que o aspecto central do governo de Francisco no que toca à estrutura eclesial é a reforma radical da Cúria e o esvaziamento de seu poder, com a valorização das conferências eclesiais nacionais, conforme o projeto do Vaticano II e que foi abortado por João Paulo II e Bento XVI.
Leia o quadro-resumo abaixo e saiba quais são os 16 pontos que separam os restauradores tridentino dos reformadores  do Vaticano II.
O PROJETO DE RESTAURAR O ESPÍRITO DE TRENTO
O PROJETO DE APROFUNDAR O CAMINHO DO VATICANO II
A igreja é uma sociedade perfeitaA Igreja é uma comunidade com falhas
A igreja é o cleroA Igreja é Povo de Deus
Jesus é um rei, acima de todos,  imperialJesus desceu para ser um com seu povo
A Igreja é uma monarquia, de estrutura hierárquica, verticalizadaA Igreja é uma comunidade de irmãos e irmãs, em conformação circular
O Papa é a encarnação de Cristo e, por sucessão, os bispos e todo o clero. Na missa, os sacerdotes são “persona Christi”, pessoa de CristoO Papa e todo o clero devem ser servidores pobres do povo pobre, de uma Igreja pobre. A missa é a celebração do encontro de Cristo com seu povo
Os fiéis devem obedecer ao clero sem questionamentosO clero deve servir o povo e com ele aprender
Só dentro da Igreja Católica as pessoas podem “salvar-se”Jesus Cristo encarnou para salvar todas as pessoas e não um grupo “eleito”
Combate ao ecumenismo e ao diálogo com outras religiõesPrioridade ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso
O centro da doutrina é marcado pelo pecado e a ameaça do infernoO amor e o perdão ocupam o centro da doutrina do Vaticano II
No imaginário tridentino há uma oposição quase absoluta entre as “coisas celestes” e as “coisas terrestres”, entre corpo e alma. As “coisas do corpo”, como o sexo, são objeto de repressão e vergonhaNo imaginário do Vaticano II deixa de existir a dicotomia entre corpo e alma, e todas as “coisas terrestres” estão permeadas pelas “celestes”. O sexo passa a ser visto como celebração da vida
A relação com os que divergem é de perseguição, censura, exclusão e excomunhãoA relação com os que divergem é de convivência, mesmo que marcada por tensões
Defesa do “direito à riqueza” e relação com os pobres distante e assistencialista. Prioridade aos ricos e “doadores”A Igreja deve fazer uma opção preferencial pelos pobres e entendê-los como protagonistas centrais da história
Sob a tese de que “Cristo merece tudo” e que “nada é suficiente para louvar Cristo”, os altares enchem-se de ouro e o clero, “encarnação de Cristo”, enriquece. Os anéis dos bispos e cardeais são joias de alto valorA Igreja deve ser pobre, o altar da celebração eucarística deve ser simples, e o clero deve viver em condições materiais idênticas à das comunidades que servem. Abandono às roupas suntuosas e anéis de alto valor
A relação com a sociedade é marcada por uma agenda moral conservadora com o objetivo de controlar o corpo das pessoas e a oposição à ampliação dos direitos sociais, a qualquer possibilidade de ameaça ao capitalismo e aos movimentos sociais  A relação com a sociedade é marcada por uma agenda social voltada aos mais pobres, por uma visão de liberdade e responsabilidade, pela “cultura do encontro”, pela crítica ao capitalismo e pelo apoio e inserção nos movimentos sociais   
Pretendem  a reversão da reforma litúrgica do Vaticano II,  e o retorno da missa tridentina, em latim e com o padre de costas para a assembleia. Rejeitam totalmente a ideia de inculturação da liturgiaDefendem o aprofundamento da reforma litúrgica do Vaticano II, com a retomada das iniciativas de criatividade e inculturação totalmente bloqueadas durante os papados conservadores.
Tem como referência os papas Pio X, João Paulo II e Bento XVITem como referência os papas João XXIII e Francisco

[Mauro Lopes]

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A nova PNAB é uma regressão, por Gilberto Pucca Jr

Gilberto Alfredo Pucca Jr
Professor na Universidade de Brasília

Artigo - Gilberto Pucca Jr.
Edição 239 - 

Nova PNAB: a reversão nos
impõe construir alternativas

No último dia 31/08, durante a  Reunião da Comissão Intergestora Tripartite (CIT), a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) foi pactuada. Há que se salientar que o conteúdo ainda não foi disponibilizado. Porém, tomando como base o conjunto de discussões que tem sido conduzido pela atual gestão do governo federal, é improvável que uma proposição como esta, que retira serviços e profissionais, signifique avanço. Há, praticamente, unanimidade entre os profissionais e as entidades de saúde coletiva, que a nova PNAB é uma regressão.
Quando iniciamos a construção do componente de Saúde Bucal do SUS, o Brasil Sorridente, em 2003, elegemos a atenção básica como estruturante. Adotamos algumas estratégias. Redesenhamos as competências das equipes de saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família. Multiplicamos por cinco o financiamento. Através da Portaria nº 2.372, de 7 de outubro de 2009, criamos o Plano de Fornecimento de Equipamentos Odontológicos (PLAFEO). Plano este que obriga o Ministério da Saúde a fornecer, para cada Equipe de modalidade I, implantada nos municípios, um conjunto composto por; uma cadeira odontológica, um equipo odontológico, uma unidade auxiliar, um refletor odontológico, um mocho e um kit de peças de mão (um micromotor, uma peça reta, um contra ângulo e uma caneta de alta rotação). Já para as de modalidade II, a quantidade dobra. Além disso, através da Portaria 2.488 de 21 de outubro de 2011 incluímos as ações, serviços e profissionais de saúde bucal na Política Nacional de Atenção Básica. Também integramos as equipes de saúde bucal, de forma transversal, em ações e programas coordenados por outros Ministérios, como o Programa Brasil Sem Miséria, Territórios da Cidadania, Programa Segundo Tempo, Mulheres Mil, Bolsa Família, entre outros. Da mesma forma, as equipes de saúde bucal na atenção básica, passaram a constituir todas as frentes e Redes do Ministério da Saúde, a exemplo: Programa de Saúde na Escola, Alimentação e Nutrição, Saúde Prisional, Rede Cegonha, Praticas Integrativas, Consultório na Rua, Rede de Atenção e Urgência, Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência, entre outras. Este conjunto de ações planejadas, priorizando a saúde da família, elevou o número de equipes de saúde bucal de 4261, presentes em 2300 municípios, no ano de 2002, para 24.279 equipes de atenção básica, em 5.014 municípios brasileiros em 2014. Ano em que a Política Nacional de Saúde Bucal começa a ser desidratada. Estes números elevaram a cobertura de equipes de saúde bucal no Brasil de 4% em 2002, para 45% da população brasileira em 2014. Esta elevação de cobertura só poderia ser possível se priorizássemos a atenção primária. Todo o planejamento do Brasil Sorridente tomou a atenção básica como ordenadora do sistema. Isto significa dizer que, os Centros de Especialidades Odontológicas, os Laboratórios Regionais de Prótese Dentária e a lógica de doação de equipamentos odontológicos para hospitais, pelo Ministério da Saúde, no período, seguiu a estruturação, com base municipal, tendo a atenção básica como ordenadora do planejamento. Isto foi determinante tanto para a expansão dos serviços, como para o impacto epidemiológico que resultou destas ações, transformando o Brasil Sorridente no maior programa público de saúde bucal do mundo, em alcance da atenção básica.
A nova PNAB tende a reverter esse modelo.
Ocorre que essa estratégia de desconstrução não é localizada na Atenção Básica. Tampouco no SUS. Faz parte da opção liberal, adotada pelo governo federal, desde 31 de agosto de 2016, para esvaziar as políticas públicas intersetoriais e interministeriais, atendendo à lógica do capital em detrimento das ações públicas includentes. Portanto, para se contrapor à atual conjuntura, é premente construir uma leitura estratégica. Não basta retórica. Profetas do apocalipse, que assim como os três anjos no evangelho revelam o fim do mundo, anunciam o fim do Brasil Sorridente. É uma leitura limitada. Em conjunturas adversas, somos convocados à contraposição, e por vezes à confrontação. Porém, um antidoto eficaz, é encontrarmos soluções. Possibilidade de construir. A isto chamamos de resiliência. O inverso é oposição simulada.
A fragilização da Estratégia de Saúde da Família e a perda de protagonismo da atenção primária e da saúde bucal teve seu presságio quando a atual gestão federal unificou os blocos de financiamento. 
De qualquer forma, o conteúdo pactuado da nova PNAB é congruente com a desarticulação das políticas públicas e a precarização das relações de trabalho, incluindo o SUS. O ônus incidirá nos usuários e nos profissionais.
Destaco alguns pontos que me parecem fundamentais.
A minuta da PNAB cria a equipe de atenção básica tradicional (eqT), estabelece os critérios e determina um cálculo para ela de cobertura de 3 mil pessoas. A minuta não aponta, mas todo material disponível do Ministério da Saúde indica que a “AB tradicional” será induzida, via PAB-Variável. Problemas. Há embasamento teórico produzido pelas universidades e pesquisadores corroborado pela prática quotidiana de inúmeros profissionais que se dedicam a saúde integral, que demonstram a eficácia da Estratégia de Saúde da Família (ESF) nos indicadores de saúde, de saúde bucal e na vida de milhões de pessoas. Principalmente dos mais necessitados. Contrariamente, a AB tradicional demostra ser de baixa qualidade, de parca inclusão social e muito pouco resolutiva. Justamente por isso que adveio a Estratégia de Saúde da Família, com indução do Ministério. Desidratar o Saúde da Família, e retornar ao período pré-reorganização da Atenção Básica, é um equívoco. Desde 1991, quando se iniciou, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e 1994, com a implantação do Programa de Saúde da Família, muitos avanços se deram, e inúmeras distorções foram corrigidas. O que de início, poderia ser um programa do Banco Mundial, de financiamento da saúde pública, de pobre para pobre, se transformou na Estratégia de Saúde da Família, com caráter organizativo, substitutivo e includente, superando o modelo tradicional da assistência primária. Anos de práticas, pesquisas, debates e acúmulo podem estar sendo desconsiderados. Transmuta-se ciência por empirismo, e prática do quotidiano de inúmeros trabalhadores de saúde da família, da ponta da rede, por interesses.
Há um outro aspecto que possivelmente impactará de forma negativa.
Em análise de Heider Aurélio Pinto, pelos critérios que conformariam a portaria, as novas modalidades de equipes estariam situadas no Sudeste e no Sul. É a lógica inversa da equidade. De modo oposto, o princípio da equidade, no Brasil Sorridente, foi estratégico. Entre 2003 e 2014, praticamente 70% das equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família que foram credenciadas e implantadas, se deram em vazios assistenciais, em áreas de menor cobertura de serviços e nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Ao que tudo indica, há um movimento de reconcentração de recursos do SUS em regiões, que até 2003, eram privilegiadas. A se confirmar, o efeito esperado é que os indicadores de saúde bucal retornem ao período pré Brasil Sorridente.
Destaco ainda que, a possibilidade de financiar equipes sem a presença de Agente Comunitário de Saúde (ACS) é uma imprudência.
A presença do ACS nas equipes de Atenção Básica e Saúde Bucal é fundamental. É elo indispensável na promoção da saúde e na organização da assistência. Problemas importantes e prevalentes na saúde bucal podem ser percebidos, de forma precoce, justamente por este profissional, tal como: próteses mal adaptadas, alteração de tecidos moles, etc. Isto, sem considerar a participação essencial dos ACSs nas ações de promoção à saúde bucal.
Por último: a instancia máxima de deliberação do SUS, o Conselho Nacional de Saúde, ainda não deliberou sobre a portaria. Pactuá-la e publicá-la antes que os conselheiros do CNS a analisem seria uma desconsideração ao controle social.
Há no horizonte retrocesso. Cabe-nos debater. Mas acima de tudo, construir alternativa