domingo, 26 de dezembro de 2021

Desmond Tutu, símbolo da luta contra o apartheid e Nobel da Paz, morre aos 90 anos

O arcebispo Desmond Tutu, o clérigo anglicano vencedor do Prêmio Nobel da Paz cujo bom humor, mensagem inspiradora e trabalho de conscientização pelos direitos civis e humanos o tornaram um líder reverenciado durante a luta para acabar com o apartheid em seu país natal, a África do Sul, morreu nesse domingo aos 90 anos.



Desmond Tutu sendo cumprimentado pelo meu pai (Luciano Amédée Péret). Foto realizada em 1987, quando o arcebispo sul-africano Desmond Tutu recebeu o diploma de Doutor Honoris Causa pela UFMG

domingo, 21 de novembro de 2021

Obrigado Frei Cláudio: Religiosidade autêntica que resulta em uma cidadania amorosa

Luiz Ricardo Péret 

Frei Cláudio van Balen se foi mas nos deixou um legado imenso.

Faço um breve comentário sobre aquele que foi referência para muitos e que nos ensinou, ao longo de tantos anos, como vivenciar a fé. 

 A sua sensibilidade religiosa e generosidade ética renovou a nossa fé cada vez que assistíamos  sua missa.  

Obrigado Frei Cláudio! 


Frei Cláudio Van Balen : 

Uma vida de dedicação, atuando na Igreja do Carmo. 

Em todos esses anos o que não lhe faltou foi coragem. A sua visão clara e objetiva nos ensinou e nos convidou à uma religiosidade  autêntica - baseada em um jeito transparente de viver a fé cristã - sem medos, sem crendice, sem culpa. Um humanismo que resulta, principalmente em cidadania amorosa.. Sua  vivência nos inspirou. 

A seguir, algumas reflexões do Frei Cláudio: 

 ¨ Forma camuflada do mal: separar vivência da fé da realidade¨. 

 ¨ Adorar a Deus exige inconformismo frente a tudo que desumaniza ¨. 

 ¨ É vedado a cada um e à Igreja, em seu conjunto, fechar-se em si mesmo, reconhecendo a presença real de Cristo em cada pessoa, em cada povo, cultura e religião ¨.

 ¨ Não foi o pecado que tornou Jesus necessário, mas ele veio para salientar a total gratuidade de Deus com a humanidade¨. 

 ¨Quanto mais se aloja Deus no Céu e se desliga a religião da experiência cotidiana, mais nos distanciamos de Deus. O Reino com sua Boa Nova acontece quando a história progride na confraternização, em clima de busca, diálogo, cooperação e paz ¨. 

 ¨Deus se aloja na tessitura das relações justas e fraternas que somos chamados a construir ¨. 

 ¨A verdade e a Salvação não se prendem dentro dos muros de um severo dogmatismo nem dentro de um moralismo opressor¨. 

 ¨Santidade não é algo que , primariamente, se concentra em devocionalismo e num modelo sagrado de viver mas, antes, tem a ver com um engajamento ativo a favor das causas como libertação, direitos humanos e justiça que geram paz ¨. 

 ¨Culto a Deus é vivência de relações em clima de solidariedade. O lugar do encontro com Deus é o cotidiano da própria vida¨. 

 ¨Celebrar a fé que dá boa qualidade às relações : relações fraternas, dignas¨. 

 ¨A Mesa da Eucaristia  deve ser de acolhida e não de exclusão. Todo mundo é convidado¨. 

 ¨Todos incluídos, nos reconhecemos convidados à Mesa do Senhor - Jesus , nosso guia, muito honrados, nos sentimos comensais. " 

"Eis o sinal de quem se faz doação, fonte de inclusão: Vida vence a morte, compaixão inclui excluídos - Com Jesus na solidariedade da partilha. Felizes de nós, convidados à Ceia do Senhor - Seja a comunhão nosso abraço / na paz de Deus. Amém"



quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A derradeira e emocionante viagem ao espaço do "Capitão Kirk"

 Para um fã, como eu, da série clássica Jornada nas Estrelas (Star Trek) esse dia é histórico.  O ator William Shatner, o "Capitão Kirk" viajou no Espaço.

Ninguém um dia poderia imaginar esse feito. E se tornou a pessoa mais velha a viajar para o Espaço.

 Se estivesse vivo, o que estaria pensando hoje o criador da série clássica Gene Roddenberry? 

O ator que há mais de meio século interpretou o Capitão Kirk em "Jornada nas Estrelas" fez uma viagem de verdade ao espaço.

AUDACIOSAMENTE INDO ONDE NENHUM HOMEM DE 90 ANOS JAMAIS ESTEVE ... 

JORNADA NAS ESTRELAS 

O ator norte-americano William Shatner, 90 anos, tornou-se nesta quarta-feira (13) a pessoa mais velha a viajar para o Espaço. O lendário "Capitão Kirk", de "Star Trek", viajou na cápsula da Blue Origin, empresa espacial do bilionário Jeff Bezos, ao lado de Chris Boshuizen, Glen De Vries e Audrey Powers.




Depois do pouso, Shatner se emocionou ao agradecer Bezos pela experiência. "O que você me deu é a experiência mais profunda que eu poderia ter. Eu estou tão cheio de emoção que... é extraordinário", disse ele. Bezos o abraçou em seguida.

 O ator perdeu as palavras ao tentar explicar o que vivenciou, e disse que a coisa mais bonita foi a "maciez" do azul da Terra, contrastando com o preto do espaço. "Embaixo é a mãe Terra, é conforto. E em cima, tudo preto, é... morte? É isso que a morte é?", refletiu.

 "Espero nunca me recuperar disso. Não quero perder o que eu vi. É tão maior do que estar vivo", comentou. "Eu adoraria comunicar o momento em que você vê a vulnerabilidade de tudo. É tão pequeno. Esse ar, que nos mantém vivos, é mais fino que a pele, é uma lasca, é inimaginavelmente pequeno quando você pensa em termos do universo", afirmou.

 Shatner foi um dos quatro tripulantes da missão NS-18, da Blue Origin.  





A volta do capitão Kirk na cápsula que retornou a Terra com os outros três tripulantes.

O espaço, a fronteira final? A célebre frase que marcou os filmes de “Star Trek – Jornada nas Estrelas” terá um gostinho de vitória para William Shatner. O ator de 90 anos se tornou nesta terça-feira, 13 de outubro, o homem mais velho a viajar para o espaço, a bordo de uma aeronave 



domingo, 10 de outubro de 2021

Brasil: o país da naturalização e normalização da barbárie 

 


 POR: Robson Sávio Reis Souza 

 Um acordão, feito em sombrios corredores de Brasília, resulta na normalização de Bolsonaro e seu governo da destruição nacional. 

 Um presidente que liderou ataques à democracia e às instituições republicanas, fragilizando-as; que se associou ao submundo miliciano, levando-o para o centro do Estado; que provocou, por ações e omissões, a morte de milhares de brasileiros com a incúria planejada e sistemática no enfrentamento à pandemia (como prova e comprova a CPI da Covid-19); que se articulou ao fundamentalismo religioso para trapacear e manipular massas de incautos; que se ajoelha no ultraliberalismo pauloguediano para destruir o Estado e esfarelar as políticas sociais criadas a partir da Constituição Federal de 1988; que é parceiro de primeira hora de todo o tipo de predadores: madeireiros, mineradores, garimpeiros, coveiros que odeiam pobres, pretos, indígenas, etc. 

 Tudo está sendo normalizado e naturalizado com o apoio sempre perverso da mídia empresarial, sócia histórica dos capatazes do povo brasileiro.

 Depois do último estupro público da democracia promovido por Bolsonaro e bolsonaristas em 7 de setembro, os moralistas sem moral de sempre costuraram o acordo que "protege" a vítima estuprada, a democracia, salvando e redimindo o predador. Exatamente como ocorre nas famílias de homens de bem e dos bons cristãos .

 Não "impichar" Bolsonaro - depois de tudo o que ele fez - representa uma derrota para a democracia que foi e é fortemente atacada; uma derrota para as oposições e os movimentos populares que não conseguem vitórias significativas a partir das mobilizações nas redes e nas ruas; enfim, uma derrota moral para o Brasil porque Bolsonaro é desumano, tem mente sombria, é perverso e servidor do mal e, mesmo assim, continua no poder. 

 Mas, afinal, sejamos francos, qual é a novidade?

 Um país que, historicamente, naturaliza o racismo, a mortandade de mais de 50 mil pessoas por ano (pobres, pretos, vulneráveis); que convive em berço esplêndido com uma das mais abissais desigualdades sociais do planeta; que tem um sistema bancário que rouba descaradamente com juros pornográficos... 

 Olhamos para o Executivo e enxergamos uma gangue de predadores; miramos o Congresso onde prevalecem os intrereses privados, que sustentam o Executivo, em detrimento dos interesses públicos e, como se não bastasse, temos um sistema de justiça seletivo que é bajulado pelas elites por fazer chantagem contra outros poderes.

 Bolsonaro não está só em seu projeto contra o povo e a Nação. 

 Verdadeiramente os três poderes que governam o país atualmente são "o vírus, o desgoverno e a indiferença", como lembra Janio de Freitas.

 O desemprego, a miséria, a fome campeando...

 Cidadãos nas filas dos ossos, um escândalo internacional que aqui é naturalizado. E tudo parece que é obra do acaso. 

 Enquanto isso, as "instituições que funcionam" seguem exercendo sua função de naturalização e normalização da barbárie. 

 E num tempo de barbárie, os templos estão em festa, funcionando como outras tantas empresas que usam de engrenagens humanas para justificarem sua existência.

Sim. Há muitas formas potentes de resistências. Poderia ser pior. Mas, a realidade se impõe à qualquer otimismo de ocasião. 

Tudo muito sórdido, hipócrita, perverso.

 Tudo muito próprio do Brasil...

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Bolsonaro e seus crimes contra a humanidade

 

Augusto de Arruda Botelho

Colunista do UOL


É essencial uma breve explicação sobre o que significa dizer que alguém cometeu um crime contra a humanidade.

O Estatuto de Roma, legislação que rege o Tribunal Penal Internacional, estabelece em seu art. 7º que a configuração de um crime contra a humanidade pressupõe a existência de um ataque contra a população civil; que esse ataque seja generalizado ou sistemático; e, por fim, que haja uma política de Estado na implementação e realização desse ataque.

Atualmente, para essa reflexão nos interessa, sobretudo, esse último ponto. Um crime contra a humanidade que tenha origem em uma política de Estado que vise atacar a população civil.

Desde os primeiros casos confirmados de contaminação por coronavírus no Brasil, Bolsonaro adotou uma estratégia para combater o que hoje é considerada a maior pandemia de nossa história: a imunidade de rebanho.

Para tanto, boicotou absolutamente todas as recomendações da comunidade médica internacional e adotou protocolos divergentes de praticamente todos os países do mundo: não incentivou o distanciamento social e o uso de máscaras; não investiu em pesquisa e não comprou vacinas antecipadamente; não isolou conhecidos focos da doença, e, por outro lado, patrocinou tratamentos com base no uso de drogas cuja comprovação científica ainda era duvidosa e que posteriormente tiveram sua ineficácia confirmada.

Os fatos revelados pela CPI da Covid, mais especificamente com relação à Prevent Senior, exibiram um cenário ainda mais grave. Até o momento, há indícios bastante sólidos de que a operadora de planos de saúde ocultou mortes de pacientes que participaram de um estudo para testar a eficácia de um tratamento que foi amplamente divulgado e, mais, incentivado pelo presidente da República.

Além disso, o Governo Federal, com dinheiro público, introduziu nacionalmente, por meio de um acordo com a referida operadora medicamentos para o tratamento da Covid-19, o chamado "kit covid".

Ontem a CPI colheu o depoimento da advogada Bruna Morato. Não há como negar que seu relato, além de ter trazido novos e detalhados fatos, foi bastante incisivo.

Tais acusações, ainda que preliminares, devem ser objeto de aprofundamento não apenas por parte da CPI, mas do Ministério Público e das Polícias (e aqui é necessário que se faça um parêntese para relembrar que sempre, não importa a gravidade das acusações, deve-se respeitar a presunção de inocência). Somadas aos fatos já detalhadamente explicitados no parecer dos juristas, essas acusações podem conjuntamente comprovar que a política de estado do Governo Bolsonaro no combate à pandemia foi sim um crime. Crime imprescritível, sujeito a penas de prisão altíssimas: um crime contra a humanidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Frei Cláudio comemorou 88 anos: sua vida é alegria para nós

 


Por Luiz Ricardo Péret

Ontem (26/09), celebramos mais um aniversário do frei Cláudio, 88 anos.  Atualmente, encontra-se afastado de suas atividades por problemas de saúde.

 Sua vida continua sendo um exemplo para todos nós.

Com uma profética ternura, o Carmelita, Frei Cláudio Van Balen, durante sua ação na Igreja do Carmo nos cativou, desafiou e nos desconcertou, nos abrindo caminho para uma fé adulta, sem medo e preconceitos.  

Frei Cláudio sempre pregou uma Igreja de portas abertas, acolhedora, onde as pessoas possam entrar e se sentirem em casa, onde o diálogo e a abertura falam ao coração.

Reforçou sempre a ideia de uma fé comprometida com um Deus que está inserido na realidade humana a serviço da transformação, pessoal e social. 

Mensagens de Frei Cláudio:

"Deus não está acima, mas dentro de nós. 
 A ¨mesa¨ do pão implica para todos um convite incondicional. É de inclusão. Dessa forma, longe de nós gestos de excluir diferentes."

"Viver é abrir horizontes e confraternizar as relações. Pessoa sábia não avalia por boatos e aparências. Agentes irresponsáveis vão na onda da leviandade...  Vinculada a Deus, toda pessoa é portadora de dignidade. Baixa auto-estima carece de bom trato com piedosa acolhida... Comunidade a serviço da paz, não admite preconceitos."

 Como afirma Frei Cláudio no seu livro ¨Ouvir a Escritura¨ :
 "Prestar culto a Deus não é simplesmente ir á missa, cantar, bater palmas ou colocar-se de joelhos. Louvar a Deus implica solidariedade, relações fraternas, respeitar todos os seres, lutar por justiça. A prática da fé vale por atitudes; há de fazer-se autêntica ¨cidadania¨ que, em sua essência, é o mais sagrado: presença transformadora no mundo." 

"Mesa posta, a Igreja contemporânea há de ser inclusiva. A prática de Jesus é movimento que, por cidadania, visa beneficiar todos. Conviver com diferenças, não discriminar. Esta é a conversão, à qual o Mestre nos convida. Todos podem sentir-se atraídos, inspirados e mobilizados a fazer parte da festa da vida. Na terra: paz; alegria no céu!" 

¨...que Deus seja por nós acolhido em tudo que fazemos, sofremos e celebramos...Nossa missão confirme muitos no bem-viver. Sigamos no caminho de abençoada convivência.. Pessoa de fé confirma outros. Endireitar caminhos é investir na convivência. Agradam a Deus nossos encontros de alegre confraternização."

"Na construção da paz, nossa presença faz a diferença. Mãos à obra.¨ 
(Frei Cláudio Van Balen)

sábado, 25 de setembro de 2021

William Shatner, o capitão Kirk de Star Trek, fará viagem espacial aos 90 anos.

 


William Shatner, de Star Trek, fará viagem espacial aos 90 anos.

  Ator, que interpretou capitão James T. Kirk em missões espaciais na ficção, se tornará a pessoa mais velha a ir ao espaço. 

 William Shatner, que ficou famoso por interpretar o capitão James T. Kirk em Star Trek, está se preparando para realizar na vida real sua primeira viagem espacial.

 A notícia foi dada pelo site TMZ, que afirma que aos 90 anos, o ator será um dos convidados da segunda tripulação ao espaço do bilionário Jeff Bezos, dono da Amazon.

Caso a informação seja confirmada, Shatner se tornará a pessoa mais velha a passear para fora do planeta. Atualmente, o recorde pertence a aviadora Wally Funk, que tinha 82 anos quando fez o trajeto junto com Bezos e outros civis na primeira tripulação enviada ao espaço pela companhia do bilionário.

Fontes do portal afirmaram que a ida de Shatner será totalmente filmada para um documentário. Supõe-se que, por ter sido convidado pelo dono da empresa, o ator não terá que desembolsar o preço de um ingresso na cápsula New Shepard: 28 milhões de dólares (cerca de 146 milhões de reais em cotação atual).

sábado, 11 de setembro de 2021

Dois setembros, por Wagner Braga Batista


 Artigo - Dois setembros

Wagner Braga Batista

 

Um ano após o atentado terrorista ao World Trade Center, efetuado em 11 setembro de 2001, onze diretores de filmes, de diversas partes do mundo e com diferentes convicções políticas, foram convidados a realizar peliculas com duração de 11 minutos, alusivas ao fato.  Integravam projeto coordenado pelo francês Alain Brigand e dispuseram de 400 mil dólares para realizar cada curta-metragem. (1)

 

Premiado no Festival de Cannes, o filme teve grande repercussão mundial.

 

Uma destas películas, dirigida pelo cineasta inglês Ken Loach, utiliza-se de contraponto crítico para abordar outro atentado.

 

Alude à ocorrencia de 11 de setembro de 1973, ao atentado contra a democracia perpetrado no Chile.

Consumado pela ação de correntes ultra-conservadoras, articuladas com as forças armadas chilenas, o golpe militar teve  apoio de empresas estrangeiras  vinculadas à prospecção mineral, Anaconda,  Kennecott Cooper e Serro, ao capital financeiro e ao setor de telefonia, a ITT, corporação americana.  

 

O golpe militar foi estrategicamente organizado pelos serviços de informação norteamericanos, pela Central Agency of Information- CIA, por meio do Projeto Fulbet ou Two Tracks, duas vias. Utilizava-se de duas estratégias. Uma  fomentava  o descrédito no governo socialista de Allende. Outra produzia desestabilização política e  economica por meio de  ações terroristas que implicavam em sequestros e assassinatos de personalidades identificadas com o governo de Allende, bem como na sabotagem, na destruição de infraestrutura produtiva e no  bloqueio de serviços públicos.

 

Estas ações atentatórias à humanidade são recuperadas pelo filme de Ken Loach, disponivel no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=D6qcRMiYgo0.

 

Na oportunidade em que o Governo dos EUA sinaliza nova intervenção militar, desta feita na Siria, convém resgatar as consequencias destas ações veladas na América Latina no final do seculo XX.

Estas intervenções, ainda hoje, são omitidas por setores da imprensa que as acobertaram.

 

A mais drástica, talvez, tenha sido a derrubada do Governo de Salvador Allende, no Chile, instalando a ditadura do General Auguste Pinochet (1973-1990).

 

O golpe militar do Chile rompeu tradições políticas de um país latinoamericano que conseguira manter suas instituições democráticas,  apesar da forte pressão externa norteamericana. Num mundo polarizado pela guerra fria, o governo socialista de Salvador Allende colocava em risco a hegemonia exercida pelos Estados Unidos no continente.

 

A ascensão de Salvador Allende, por meio de eleição direta, também desmentia a tese que o socialismo só se viabilizaria por meio de ações de grupos minoritários.

 

A consolidação deste projeto democrático,  graças à continua  adesão eleitoral e ao aumento da simpatia pelo programa da Unidade Popular, bloco de sustentação política de Allende, colocava em xeque regimes ilegitimos e ditatoriais, no cone sul.

 

Deslocadas politicamente, as forças conservadoras chilenas tentaram de todos os modos barrar seus avanços democráticos. Sem aletrnativas convincentes, após sucessivas tentativas de golpe, lograram exito em 11 de setembro de 1973. Até seu desfecho, defrontaram-se com a resistencia  política pacifica, com ações residuais de auto-defesa de movimentos populares, com manifestações públicas numerosas, que chegaram a contar com 800 mil participantes, e com o voto de 44% dos eleitores chilenos para escolha de parlamentares  em março de 1973, emprestando apoio ao projeto socialista da Unidade Popular.

 

Quando as tentativas de intervenção branca no parlamento, dos atentados terroristas, realizados pela organização ultra-direitista Patria y Libertad, do lock out dos caminhoneiros, que privou a população do abastecimento de gêneros alimentícios, entre outras ações hediondas,  não obtiveram êxito, só restou a alternativa do golpe militar. Consumado em 11 de setembro de 1973.

 

O golpe militar no Chile integralizou o ciclo autoritário no Cone Sul. Todos seus países vivenciaram experiências ditatoriais com maior ou menor intensidade.

 

Sob este viés supõe-se que em alguns países as violações a direitos civis tenham sido mais contundentes. Que a repressão na Argentina tenha se mostrado mais drástica.

 

No Chile, a ação repressiva tornou-se mais intensa e abrangente, posto que  direcionada contra movimentos populares organizados, contra trabalhadores rurais, operários e comunidades marginalizadas,  que tentaram, a duras penas, assegurar direitos conquistados democraticamente.  (2)

 

Em outros países do Cone Sul, os aparelhos da repressão dos regimes ditatoriais foram seletivos. Atingiram principalmente opositores e organismos de resistencia política previamente identificados. No Chile, a repressão voltou-se contra a população. Massacrou contingentes populacionais sem oferecer registros precisos da amplitude destas ações hediondas.

 

Pouco antes do golpe militar, diante da radicalização política, Allende havia sancionado a Lei de Controle de Armas, que favoreceu o desarmamento de organismos de auto-defesa do movimento popular em comunidades favelizadas, no campo,em fábricas e nas universidades.  No entanto, não conseguiu desarmar a direita enquistada nas forças armadas com ramificações em entidades sediciosas encobertas por fachada legal. Não impediu a escalada do terrorismo praticada por estas organizações. À época estes organismos de direita, ariculados com a CIA, praticavam cerca de vinte atentados por dia.

 

O filme de Ken Loach utiliza-se do depoimento de um chileno exilado para reconstituir  a violação de direitos civis praticada pelo governo militar e seus organismos de repressão, especialmente a DINA- Direção de Inteligência Nacional.

 

Por meio de carta de condolencia dirigida a familiares de vítimas do atentado ao World Trade Center,  refere-se a dolorosos sentimentos comuns.  Reporta-se não apenas à morte de  entes queridos, mas às perdas de inestimável patrimônio democrático causadas por golpe de Estado. 

 

O exilado fala das conquistas chilenas e da insegurança. Do medo que os circundava. Da prepotência que se avizinhava. Que ameaçava subtrair direitos para fazer valer interesses mesquinhos: “ O mercado, o lucro tornavam-se mais importantes do que as deciões democráticas de nosso povo”. Assinalava uma dor comum que os unia. Uma dor legitimada por ações unilaterais e incongruentes. Pelo terror do golpe de Estado no Chile, apoiado pelo Governo norteamericano de Richard Nixon, e pelo atentado legitimado pelo fundamentalismo religioso. Islamico. Extende esta dor a outras gerações, aos seus filhos condenados a exilio involuntário. Reproduz, então, as palavras finais de Allende, quando estava sendo bombardeado pelos autores do golpe de Estado: Eles detêm a força, podem nos subjugar, mas não subjugarão o processo histórico.

 

Todos nossos atos estão comprometidos com a História. E é este o compromisso que invocamos. O compromisso com a memória e com o futuro, resguardados pela História.

 

A recuperação histórica impõe a condenação formal destes fatos como uma exigência democrática e ética. Como uma conquista da consciência democrática restaurada pelo povo do Chile e de outros países da América Latina. Impõe a condenação histórica dos que praticaram crimes contra a democracia e contra a humanidade.

 

A História nos remete à formação do aparelho repressivo destinado a eliminar conquistas democráticas do povo chileno e de todos aqueles que tentassem preservá-las.

 

O comando deste aparato, centrado na DINA, foi entregue ao coronel Manuel Contreras.

A sistemática violação de direitos civis se beneficiou da ação de militares chilenos treinados na Escuela das Americas, que disseminou o uso da tortura na América Latina, de agentes norteamericanos, entre os quais Michael Townley, que participou dos assassinatos do General Carlos Pratts, em 1974, em Buenos Aires, e do ex-Senador Orlando Letelier, em 1976, em Washington.

 

A Escola das Américas, criada em 1946, esteve sediada no Panamá até o ano de 1984.

 

A exemplo da base de Guantánamo, em Cuba, servia à realização de atividades militares ilegais e semi-clandestinas dos serviços de informação norteamericanos. (3)   A partir de meados da década de 1980, foi transferida para Fort Benning, no distrito de Columbus, Estado de Virginia, EUA.

 

Estima-se que ofereceu treinamento a mais de cinquenta mil milicianos, policiais e militares integrantes de aparelhos repressivos em 23 países latinoamericanos, entre eles o coronel Manuel Contreras, comanadante da DINA, e o General  Leopoldo Fortunato Galtieri, ditador argentino no período de 1981/ 82.

 

DINA também contou com a colaboração de agências repressivas de outros países do Cone Sul, viabilizada por meio da obscura Operação Condor. (4)

 

Em junho de 2008, Manuel Contreras foi condenado à prisão perpétua, acusado de ser  mandante do assassinato do general Prats. No ano seguinte, a justiça chilena ordenou a prisão de 120 ex-agentes do DINA denunciados pelas sistemáticas violações de direitos humanos durante a ditadura de Pinochet.

 

Em 5 de setembro do corrente, a  Associação Nacional dos Magistrados do Poder Judiciário do Chile fez retratação pública pela sua  “omissão”  frente aos 5 mil pedidos de proteção feitos por pessoas que foram detidas ou desapareceram durante o regime militar chileno..

 

Estes fatos merecem condenação formal da História.

 

Enquanto Nova Iorque rememora o trágico atentado terrorista, que vitimou três mil cidadãos norteamericanos, as forças democráticas de todo mundo denunciam a sedição, a espionagem e as atrocidades praticadas pela política externa norteamericana em todo mundo. Relembram com pesar os milhares de chilenos assassinados por agentes da repressão, sob os aupícios da CIA.

 

Estes dois atentados contra a humanidade devem ser igualmente condenados pela História, por todas as forças sociais que se batem em defesa de direitos humanos.

 

A consciência humanitária exige a condenação formal de crimes hediondos, do genócidio, dos sequestros, dos assassinatos e da  tortura praticados por agentes a serviço do Estado, bem como de intervenções belicistas realizadas para viabilizar interesses estratégicos obscuros e não declarados.

 

Notas

 

(1) 11'9"01 September 11 (2002) realizado por Samira Makhmalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine(Egito), Danis Tanovic (Bosnia-Herzegovina), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitaï (Israel), Mira Nair (India), Sean Penn (Estados Unidos) e Shohei Imamura (Japão), duração : 135 min

 

(2) Archivo digital de las Violaciones de los Derechos Humanos de la Dictadura Militar en Chile (1973-1990) URL:  http://www.memoriaviva.com/  acessado em 09 de setembro de 2013

 

(3) Esquadrões da Morte, a escola francesa (2003) Marie-Monique Robin, França, dur 79 min

 

(4) Operação Condor (2007) Roberto Mader, Brasil, 100 min

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Para ser cristão, fuzil ou feijão?

 “Para ser cristão, fuzil ou feijão?” com a ajuda de dom Luiz Fernando Lisboa, da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (missionários passionistas). Ele foi bispo da diocese de Pemba, em Moçambique, na África e experimentou a experiência e os impactos da guerra na vida de um povo. 

E também o economista e professor da Pontífica Universidade Católica de Campinas (SP), Antônio Carlos de Azevedo Lobão, o professor Lobão. Ele integra o Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB. 

 A live foi mediada pelo bispo-auxiliar de Belo Horizonte (MG) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB, dom Joaquim Giovani Mol.





terça-feira, 17 de agosto de 2021

Em defesa do Palácio Capanema

 Vender o Palácio Capanema, o prédio do antigo Ministério da Educação, não é diferente de deixar queimar a Cinemateca Brasileira. 

O descaso com nossa memória seja arquitetônica ou audiovisual é a expressão da grande ignorância travestida de guerra cultural do governo atual.

 Os monumentos do Brasil moderno são indesejáveis pra eles, são a expressão do que odeiam e do projeto, explicitado na campanha, de destruição.

(Marcelo Machado)


Anna Coralina, no seu twitter:

Em 1935, Lúcio Costa foi encarregado por Gustavo Capanema, ministro da educação/saúde, para elaborar o projeto da sede do novo Ministério da Educação e Saúde Pública, MEC, com a colaboração de Niemeyer, Carlos Leão, Machado Moreira, Affonso Reidy e Ernani Vasconcellos.

Desde 1996, o palácio integra a lista indicativa do Brasil ao reconhecimento como patrimônio mundial pela UNESCO, portanto, não se pode tratar este símbolo tão brasileiro, moderno e acolhedor das artes, como um simples prédio administrativo a ser vendido para gerar caixa.

A equipe de arquitetos brasileiros contou também com a consultoria do mestre da arquitetura moderna Le Corbusier.

O edifício sobre pilotis pousa elegantemente na esplanada com jardins de Burle Marx e a escultura juventude de bruno giorgio.

No térreo, revestido com painéis de azulejos de candido portinari, encontram-se as obras de Prometeu, Guignard, Jacques Lipchitz, entre muito muito mais!

Em 1943, o Palácio Capanema foi considerado, pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o edifício mais avançado em construção no mundo: “o Rio de Janeiro possui o mais belo edifício governamental no hemisfério ocidental – o novo Ministério da Educação e Saúde”.

Ele é a obra brasileira mais citada em livros de arquitetura, como o 1º edifício monumental do mundo a aplicar diretamente os conceitos da arquitetura moderna de Le Corbusier.

Não pode ser vendido porque é tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Na pedra inaugural, presença de Carlos Drummond de Andrade e Heitor Villa-Lobos.

Vamos apoiar todas as iniciativas que pretendem barrar esse descalabro!












quarta-feira, 28 de julho de 2021

O Brasil está no meio do redemoinho: governo Bolsonaro e o butim da burguesia

 Por Eduardo Costa Pinto

De onde veio o vento desse redemoinho?

Parafraseando Guimarães Rosa, o Brasil está na rua, no meio do redemoinho,1 que é “a briga de ventos. O quando um esbarra com outro, e se enrolam, o doido espetáculo”. Desde 2015, a “briga de ventos” provocou a destruição de empresas e empregos, a deterioração das instituições (Executivo, Legislativo e sistema político, Judiciário e Forças Armadas) e a forte redução da autonomia nacional.

Esse “doido espetáculo”, em que permanecemos até hoje, sob o governo Bolsonaro, foi formado por vários ventos, vindos de diversas direções e intensidades. O vento que veio dos quartéis, trazendo o capitão Bolsonaro, somente apareceu no final de 2017 e não pode ser responsabilizado exclusivamente pela profunda crise (em suas múltiplas dimensões: econômica, política, social, institucional e democrática e sanitária) que o Brasil atravessa.

As bandeiras, levantadas em 2018 pelo candidato Bolsonaro e pelos militares, do restabelecimento da ordem econômica, política, moral e psicossocial brasileira vêm caindo uma a uma: desde a posse em 2019 até a não punição do general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de manifestação política com o presidente, ato proibido pelo regimento do Exército.

Apesar de não ser sua causa, a forma de governar de Bolsonaro amplia a crise na medida em que, por um lado, mina as instituições (sistema político, STF etc.) que já estavam fragilizadas e, por outro, concede benesses, em troca de apoio, para os militares, tais como tratamento especial no quadro da reforma da Previdência, ampliação dos cargos ocupados no governo, reestruturação da carreira militar (que implicou aumento salarial nos níveis hierárquicos mais altos) e ampliação dos gastos e investimentos do Ministério da Defesa, mesmo com o teto de gastos.

Bolsonaro e os militares hoje no governo não são o fato gerador da crise brasileira, e sim uma infecção oportunista que se apropria de um corpo doente. O Brasil já se encontrava no meio do redemoinho, lançado em várias direções, retorcido e deslegitimado pelos ventos que sopravam de outras paragens. Esse novo vento, na verdade, ampliou o redemoinho que já tinha ganhado forma em 2015.

Esse “doido espetáculo” foi impulsionado pelo vento vindo dos Estados Unidos. que trouxe a bactéria perigosa geradora da instabilidade para o corpo brasileiro. Após a descoberta do pré-sal, os órgãos de inteligência norte-americanos, sobretudo a Agência Nacional de Segurança (NSA), vinham espionando a Petrobras e a presidenta Dilma Rousseff, conforme arquivos obtidos com o ex-analista da NSA Edward Snowden, em 2013. Mais recentemente, com o caso da Vaza Jato, ficou explícito que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos passou informações, de forma ilegal, para a Operação Lava Jato. Para muitos analistas, as primeiras informações sobre a corrupção na Petrobras e suas conexões com as empresas líderes da construção civil nacional, obtidas pela Lava Jato em Curitiba, teriam vindo do Departamento de Justiça, repassadas provavelmente pela NSA.

Com essas informações, a força-tarefa de Curitiba passou a utilizar mecanismos de flexibilização e/ou quebra do regramento jurídico para alcançar seus fins por meio da geração de instabilidade política (um dos elementos centrais de sua estratégia) e de vazamentos ilegais para a imprensa, para pressionar os agentes políticos e as instâncias superiores do Judiciário a prosseguir no combate à corrupção. Os fins (combate à corrupção e refundação do Brasil) justificariam os meios.

Esse vento norte-americano, que se tornou devastador, provavelmente poderia ter sido contido por mecanismos institucionais básicos em sua fase inicial de expansão. No entanto, ele ganhou força e foi alimentado por diversas forças sociais nacionais (frações da burguesia, políticos, burocracia estatal, classes médias, STF etc.) que procuravam alcançar seus interesses num contexto de crise econômica e política.

Essas forças sociais achavam que, cada uma isoladamente, poderiam conter o vento ou direcioná-lo para destruir seus competidores, adversários e desafetos. Com isso, o redemoinho se formou e ganhou uma força inimaginável, e segue deixando um rastro de golpes institucionais (impeachment de Dilma, em 2016, e exclusão da candidatura de Lula, em 2018), de desestruturação de bases produtivas 2 e de degradação institucional.

Desde 2015, o Brasil vive uma trajetória caótica, sem rumo, com a deterioração e a perda de legitimidade das instituições, que continuam existindo materialmente, mas perderam a capacidade de reduzir incertezas e incentivar os avanços das ações humanas econômicas, sociais e políticas coordenadas. Com isso, impede-se qualquer padrão de formação de expectativas econômicas e políticas a respeito do devir, criando-se um encurtamento das decisões e dificultando-se os investimentos, a formação de consensos políticos mínimos e a configuração de um padrão de desenvolvimento inclusivo socialmente e sustentável ambientalmente.

A reconfiguração do capitalismo brasileiro

Se, por um lado, essa crise impede o devir, por outro, ela vem possibilitando uma profunda reconfiguração do capitalismo brasileiro, capitaneado, em boa parte, pela burguesia em seu projeto de desmanche da Constituição de 1988 e das capacidades governamentais (empresas e bancos estatais, instrumentos de intervenção direta do Estado na economia e criminalização das políticas públicas verticais), para abrir novos espaços de acumulação e recuperar as taxas de lucro das quinhentas maiores empresas não financeiras privadas de capital aberto que caíram entre 2011 e 2015. (Gráfico 1)

 

Gráfico 1

 

 

Para isso, os setores dominantes brasileiros se unificaram, desde o golpe parlamentar de 2016, passando pelo governo Temer, até o governo Bolsonaro, com seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em torno do juízo de que a única alternativa para destravar a acumulação seriam as reformas neoliberais (previdenciária, trabalhista, administrativa, teto de gastos) e as privatizações (Eletrobras, venda de ativos da Petrobras etc.), que repassavam o ajuste dos custos da crise de acumulação para os trabalhadores, pois, para eles, os entraves ao crescimento seriam fruto das políticas de ganhos reais do salário, da ampliação das políticas de proteção e dos gastos públicos com as políticas universalizantes (saúde e educação), decorrentes da Constituição de 1988.

 

Não por acaso, a burguesia brasileira apoiou fortemente o candidato Bolsonaro e seu ministro da Economia neoliberal, defensor das privatizações e das reformas pró-mercado. Nesse sentido, a redução da atuação do Estado brasileiro na economia, por meio da venda de ativos públicos e das privatizações de suas empresas, tem sido alardeada pelo governo Bolsonaro, pelos setores dominantes brasileiros e pelos economistas de mercado como o caminho do nirvana para o crescimento econômico e o desenvolvimento social.

Quem é que ganha nessa “crise”?

O problema é que o nirvana nunca chega para todos. Pelo contrário, o Brasil permanece no redemoinho, numa profunda crise econômica, social e institucional. A questão é que esse redemoinho tem sido funcional para a mega e a grande burguesia brasileira (maiores empresas) aumentarem seus lucros desde 2016.

Cabe observar que o bloco no poder do capitalismo brasileiro (frações da mega e da grande burguesia), com a crise de 2015 e 2016 e com os efeitos destrutivos da Lava Jato, passou por importantes modificações, com o aumento do poder dos segmentos comerciais (varejo e serviços, sobretudo os médicos), com a manutenção do poder dos segmentos bancário-financeiro, com a forte redução dos segmentos industriais, exceto aqueles intensivos em capital baseado em commodities (petróleo e gás, siderurgia, papel e celulose, mineração, produtos alimentares etc.), e com o aumento do poder da burguesia agropecuária, que sempre teve um papel sobredeterminado no que diz respeito à sua participação política no Congresso.

Esse aumento no poder das empresas (capital) diante dos trabalhadores, com a mudança do padrão de acumulação em curso, sob patrocínio da burguesia brasileira, tem sido funcional para a grande e a megaburguesia brasileira (maiores empresas) em recuperar sua lucratividade e criar espaços de acumulação. Como isso foi possível, mesmo com o PIB crescendo muito pouco entre 2016 e 2020? Isso aconteceu em virtude:

1)    de um profundo processo de concentração e centralização de capital, sobretudo no setor de comércio e serviços. Ou seja, as grandes empresas estão comprando ou ganhando mercado das pequenas e médias empresas;

2)    da redução do custo da força de trabalho (direto e indireto, vinculado à reforma trabalhista), que tem implicado na redução dos salários diretos e indiretos dos trabalhadores;

3)    da elevação dos preços das commodities desde 2017;

4)    da desregulamentação ambiental e trabalhista, para facilitar a expansão da agropecuária e do extrativismo em novas fronteiras; e

5)    do processo de privatização, que está abrindo novos espaços de acumulação.

No que tange à fração da burguesia agropecuária, chama atenção a trajetória de crescimento das taxas de lucro das quarenta maiores empresas do setor (com dados disponíveis) desde 2015, sobretudo em 2020, quando a taxa alcançou o patamar de 21% (Gráfico 2), muito superior às taxas do setor bancário-financeiro, que foi de 13,5%, sendo as mega e as grandes empresas as que obtiveram as maiores taxas de lucro.

Esses resultados das taxas de lucro da mega e da grande burguesia e suas frações (agropecuária, industrial intensiva em commodities, comercial e de serviços) reforçam o apoio dos setores dominantes brasileiros às medidas de reformas pró-mercado, mesmo que isso implique apoiar o governo Bolsonaro com todos os seus problemas e a dificuldade de ser controlado pela burguesia.

 

 

Gráfico 2: Taxa de lucro de 40 empresas do setor agropecuário: 2015-2020 (%)

 

 

A relação da burguesia e Bolsonaro

Com Bolsonaro, a burguesia permanece no mando (projeto de desestruturação dos direitos sociais, de desmanche da Constituição de 1988, de privatizações e da constitucionalização do neoliberalismo), mas sem comando, conforme destacado pela professora Virginia Fontes, em virtude do aumento dos conflitos num contexto de crise institucional em curso. Ou seja, as reformas e as privatizações seguem como rolo compressor, mas sem o controle de parte da burguesia, como visto no processo de privatização da Eletrobras.

Cabe observar que a adoção desse projeto da burguesia dificilmente seria viável politicamente, da forma como vem sendo realizado, em condições institucionais normais. Portanto, os golpes foram funcionais para mudar o padrão de acumulação. Nesse sentido, o vento mais intenso do redemoinho em que o Brasil se encontra é provocado pela sanha dos setores dominantes brasileiros, sobretudo das frações vinculadas ao agronegócio e à finança.

Assim como em outros momentos históricos, a classe dominante brasileira “burlou [e burla] de maneira permanente e recorrente as leis vigentes, sacadas a fórceps de outros quadros históricos” 3 e adota uma resistência “ultraintensa à mudança social”, voltando-se de forma “sociopática” para “a preservação pura e simples do status quo [defesa de privilégios e do lucro a qualquer custo]”.4

Esse novo padrão de acumulação brasileiro tem reforçado o poder econômico e político dos segmentos primários, intensivos em commodities e bancário-financeiro, abrindo espaços para a intensificação da exploração dos recursos naturais e da força de trabalho. Setores dominantes brasileiros não recuaram em seu projeto de desmanche, o que impede a construção de uma conciliação política entre setores sociais amplos.

Nesse sentido, o campo progressista tem de construir um programa mais ousado (o caso do Plano Biden), que foque os investimentos públicos em infraestrutura urbana, em educação e saúde (bens públicos) e em desenvolvimento ambientalmente sustentável, que deverão, em parte, ser financiados por forte elevação dos impostos sobre o 1% mais rico (aumento do ITR, dos dividendos, das heranças etc.). O 1% mais rico deve ser nosso foco político – somente assim a esquerda vai se conectar com a demanda eleitoral antissistema da população. E não adianta fazer um programa ousado e depois girar completamente, como Dilma em 2015.

Sem o apoio da população, o campo progressista pode até ganhar a próxima eleição em 2022, mas não conseguirá governar nem levar o jogo até o fim do tempo determinado institucionalmente. Em outras palavras, não conseguirá tirar o Brasil do redemoinho, para que seja possível uma nova travessia de refundação do país.

 

[*] texto publicado originalmente no Diplomatique Barsil (Edição Julho 2021). Esta versão apresenta algumas modificações em relação ao texto publicado

[1] Ao longo do livro Grande sertão: veredas, Guimarães Rosa utiliza uma frase emblemática e cheia de simbolismo que vai nortear essa grande obra: “O diabo na rua, no meio do redemoinho”.

[2] A desestruturação das bases produtivas e institucionais brasileiras interessa, sim, aos agentes externos, especialmente aos norte-americanos e seu Estado nacional, pois isso (i) possibilitou a abertura da exploração do pré-sal para as empresas estrangeiras; (ii) contribuiu para a ampliação de vendas de equipamentos para essa exploração por empresas estrangeiras, como a norte-americana Halliburton; (iii) desestabilizou o engajamento do Brasil nos arranjos configurados pelos Brics; (iv) desestabilizou a presença das empresas de construção civil nacional (Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa) na América Latina e África, abrindo espaços para novos entrantes; (v) permitiu a compra da Embraer pela empresa norte-americana Boeing; e (vi) possibilitou o acordo de uso da base de Alcântara pelos Estados Unidos.

[3] Francisco de Oliveira, “Jeitinho e jeitão: uma tentativa de interpretação do caráter brasileiro”, Piauí, out. 2012, p.10.

[4] Florestan Fernandes, A sociologia numa era de revolução social, Zahar, Rio de Janeiro, 1962, p.211

terça-feira, 13 de julho de 2021

A baliza é o respeito à Constituição


Por Luiz Felipe Miguel

Há tempos o Supremo se apequena, mas com Fux na presidência está sendo necessário um microscópio eletrônico para encontrá-lo na praça dos Três Poderes.

 Bolsonaro prega um golpe em praça pública, anuncia que não vai respeitar o resultado das eleições, põe seus amigos da banda podre para ameaçar a CPI. 

E Fux continua calado. Ontem, eles se reuniram, a pedido de Fux. Mais uma vez, a ideia era pedir, em privado, que Bolsonaro se contivesse em público.

 Nunca deu certo, não tem porque dar agora. Fux saiu anunciando mais uma reunião entre os chefes dos três poderes. que serviria para fixar "balizas sólidas para a democracia brasileira, tendo em vista a estabilidade do nosso regime político".

 Se a estabilidade depende do conchavo entre as pessoas que momentaneamente ocupam determinados cargos, então não existe baliza sólida possível. Até Fux deve entender isso.

 A baliza é o respeito à Constituição, aquela que deveria ser protegida pela instituição que Fux preside.

 Caso ela tivesse sido respeitada, a história do Brasil nos últimos anos seria muito diferente. E caso ela estivesse sendo respeitada agora, o genocida já estaria apeado do cargo.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Ação pede ao STF que bolsonaro seja declarado incapaz

 Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito / Tema: Ação pede ao STF que Bolsonaro seja declarado incapaz de governar o país.

  Veja a entrevista.

 Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, na edição desta terça-feira (8), o jurista e presidente da Academia Paulista de Direito, Alfredo Attié, cobrou do Supremo Tribunal Federal (STF) o reconhecimento de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, não tem condições do ponto de vista psíquico e social de ser governante e por isso deve ser afastado. Ao jornalista Rafael Garcia, o magistrado apontou que “a falta de cognição e empatia” do mandatário são “determinantes de uma incapacidade civil para exercer qualquer função pública”, disparou. Attié é um dos nomes que assinam o pedido que requer ao STF uma perícia médica para verificar possível anormalidade de personalidade de Bolsonaro.