sábado, 30 de novembro de 2013

Mestre Vitalino: a arte feita de barro - (Parte Final)


OBRAS DO MESTRE VITALINO
[Seleção de obras]

"Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas antológicas, como “Violeiros”, “O enterro na rede”, “Cavalo-marinho”, “Casal no boi”, “Noivos a cavalo”, “Caçador de onça”, “Família lavrando a terra”, entre outras"
- Angela Mascelani



Boi (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]

Retirantes, (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]


Vaquejada (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]


Noivos a cavalo (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]


Cangaceiro (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]

Violeiros (cerâmica policromada), Mestre Vitalino. Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu Casa do Pontal, Rio de Janeiro/RJ]


Cangaceiro a cavalo (cerâmica policromada), Mestre Vitalino
[Acervo do Museu do Barro - Espaço Zé Caboclo, Caruaru, PE]

Lampião (cerâmica policromada), Mestre Vitalino
[Acervo Museu de História e Arte do Estado do Rio de Janeiro/RJ]

Retirantes (cerâmica policromada), Mestre Vitalino [déc. 1960]
Reprodução fotográfica Anibal Sciarretta


Casa de Farinha (cerâmica policromada), Mestre Vitalino [s.d.]
 Reprodução fotográfica Anibal Sciarretta
[Acervo Museu do Homem do Nordeste, Recife/PE]


 Mestre Vitalino, Carro de boi, cerâmica. Acervo do Museu do Homem do Nordeste, Recife-PE. Foto: arquivo pessoal



MESTRE VITALINO E A MÚSICA
Dono de um grande talento musical, aprendeu a tocar pífano (espécie de flauta sem claves e com 7 furos) e com apenas 15 anos montou sua própria banda, a Zabumba Vitalino.

"Eu aprendi tocar pela cadência, tirando tudo do juízo"
- Mestre Vitalino
Mestre Vitalino e a Zabumba de Mestre Vicente[foto autoria desconhecida]
 
ACERVOS DA OBRA DO MESTRE VITALINO

Casa Museu Mestre Vitalino - Alto do Moura/PE

Museu Casa do Pontal - Rio de Janeiro/RJ

Museu de Folclore Edison Carneiro - Funarte - Rio de Janeiro/RJ

Museu do Barro de Caruaru – Caruaru/PE

Museu do Homem do Nordeste - Fundação Joaquim Nabuco - Recife PE

Museu Nacional de Belas Artes - MNBA - Rio de Janeiro RJ

Museu Theo Brandão - Universidade Federal de Alagoas - UFAL – Maceió/AL

Museus Castro Maya - IPHAN/MinC - Rio de Janeiro/RJ

Museu do Louvre - Paris/França

Coleções particulares – (sendo que a maior parte de suas obras faz parte de coleções particulares).

 
“Ele não capta somente o seu mundo e o transporta ao barro. Ele veicula, pela intencionalidade das suas composições, pelo efeito de certos artifícios de atitude e de exagero de peculiaridades, ou ainda através do conteúdo de suas histórias, os valores desse mundo – estéticos, econômicos, sociais, morais, religiosos.”
- René Ribeiro (antropólogo), em "Vitalino – um Ceramista Popular do Nordeste", Fundação Joaquim Nabuco, 1972.


Mestre Vitalino



EXPOSIÇÕES DA OBRA DO MESTRE VITALINO
Exposições Coletivas


1947 - Rio de Janeiro/RJ - Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, [organizada, por Augusto Rodrigues].

1949 - São Paulo/SP - Coletiva, no MASP.

1954 - Goiânia/GO - Exposição do Congresso Nacional de Intelectuais.

1955Neuchatel/Suíça - Arte Primitiva e Moderna Brasileiras (integra a exposição).


Exposições Póstumas

Mestre Vitalino
1984 - São Paulo/SP - Tradição e Ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras, Fundação Bienal.

1992 - Zurique/Suíça - Brasilien: entdeckung und selbstentdeckung, Kunsthaus Zürich

1993 - Rio de Janeiro/RJ - Mestre Vitalino, Centro Cultural Banco do Brasil

1995 - Rio de Janeiro/RJ - Mestre Vitalino - 80 anos de arte popular. Museu Nacional de Belas Artes.

2006 - São Paulo/SP - Viva Cultura Viva do Povo Brasileiro, Museu Afro-Brasil.

2009 - Caruaru/PE - 100 olhares de Vitalino.  Galpão das Artes, antiga estação ferroviária.

2009-2010Rio de Janeiro/RJ - A Arte do Barro e o Olhar da Arte Vitalino e Verger. Museu Casa do Pontal. [12/12/2009 a 12/08/2010 - comemoração dos 100 anos de Vitalino].

2010 - São Paulo/SP - Mestre Vitalino: a terra e o imaginário. Galeria de Artes do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus da Barra Funda na capital paulista.

2011 - Brasília DF - O Brasil na Arte Popular - Acervo Museu Casa do Pontal, Museu Nacional de Brasília.
 

Mestre Vitalino comercializando suas peças na feira de Caruaru, Pernambuco, 1947. Foto: PIERRE VERGER
 

 CRONOLOGIA DO MESTRE VITALINO
1909 – Nasce em 10 de julho, no Sítio Campos - Caruaru/ PE.
1915 - Realiza, aos seis anos de idade, o seu primeiro boneco de barro: um gato maracajá trepado numa árvore, acuado por um cachorro e um caçador fazendo pontaria.
Mestre Vitalino, por Emerson Fialho
1924 - Passa a tocar pífanos e cria sua banda, composta por quatro músicos.
1948 – Muda-se para Alto do Moura – Caruaru/PE.
1960 - Participa, na residência do industrial Drault Hermanny, no Rio de Janeiro, a 29 de outubro, de uma Noite de Caruaru, durante a qual 37 dos seus bonecos são leiloados. Destina a renda para a construção do Museu de Arte Popular de Caruaru.
03/11/1960 - Recebe do Governo da Guanabara a "Medalha Sílvio Romero", atribuída aqueles que contribuem para a divulgação do folclore nacional. Ao agradecer a honraria, diz: "Viva Deus, viva a mãe de Deus e viva quem me deu essa medalha". Nesse mesmo dia, inaugura a Exposição de Arte Popular, promovida pela Escolinha de Arte do Brasil e na ocasião é homenageado.
05/11/1960 - Recebe homenagem de Leopold Arnaud, adido cultural dos Estados Unidos no Rio de janeiro.
1960 – Em Novembro, Vitalino viaja ao Rio de Janeiro, para participar de uma "Noite de Caruaru", organizada por intelectuais como os irmãos Condé, e levou junto a sua banda. O objetivo da festa era uma exposição de arte, mas a banda agradou tanto que acabou gravando, nos estúdios da Rádio MEC, seis músicas que em 1975, já depois de sua morte, fariam parte do disco "Vitalino e Sua Zabumba" lançado pela Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro. 
1961 - A embaixada do Brasil em Lima, Peru, realiza uma exposição das peças do mestre Vitalino.
16/11/1961 - Doa 250 peças de sua autoria ao Museu de Arte Popular de Caruaru.
1960/1963 - Brasil - Viaja por todo o país, participando de exposições e mostrando sua técnica.
1963 – Morre pobre, no dia 20 de janeiro, vítima de varíola, em Caruaru/PE.


 
Mestre Vitalino - foto: Pierre Verger - Caruaru/PE, 1947
[Acervo Fundação Pierre Verger - fonte: blog estadão]
Fontes:
elfikurten.com.br
artepopularbrasil.blogspot.com.br
 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O déficit habitacional cresce e com ele as Ocupações

 


(Foto: Reprodução)
Por Frei Gilvander Moreira:
A especulação imobiliária está crescendo e com ela, o déficit habitacional e, conseqüentemente, as ocupações urbanas. Políticas habitacionais populares estão quase só em discursos e vãs promessas. Somente na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, já são mais de 25 mil famílias em Ocupações urbanas, umas planejadas e outras “espontâneas”. Direitos fundamentais, como o de morar com dignidade, estão sendo violados. Somente em quatro ocupações estão cerca de 12 mil famílias: 4 mil famílias na Ocupação William Rosa, em Contagem, MG; 4.500 famílias na Ocupação Vitória; 2 mil famílias na Ocupação Esperança; e 1.500 famílias na Ocupação Rosa Leão. Essas três na Região do Isidoro/Granja Werneck, em Belo Horizonte, com 8 mil famílias.

Até o presente momento somente foram construídas em Belo Horizonte 1.427 unidades habitacionais pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para famílias de 0 a 3 salários mínimos, em que pese mais de 4 anos de existência de referido programa. No 1º dia de cadastro para o PMCMV há 4 anos atrás 199 mil famílias se inscreveram. A Fundação João Pinheiro atestava um déficit habitacional e 63 mil casas, em 2005. Oito anos após estima-se um déficit habitacional na capital mineira acima de 150 mil casas.

Não há programa de construção de moradias para população carente em Belo Horizonte diversa do PMCMV. Isso porque as construções de unidades habitacionais pelas obras do programa Vila Viva não se prestam a atender o déficit habitacional de Belo Horizonte. O Ministério Público Federal informou que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação - em unidade habitacional construída por esse programa. Do restante, 496 dos removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindo do PROAS – 40 mil reais é o teto - e, a grande maioria dos removidos, 4.310, receberam indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não indeniza o valor do imóvel, mas apenas da casa ou do barraco. Há Relatório da PBH, PM, Ministério Público e Polícia civil atestando o caos que está nos predinhos do Vila Viva.

O Governo de Minas nos últimos 20 anos não construiu nenhuma casa para famílias de zero a três salários mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana de BH.

O povo, sem-terra e sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a cruz do aluguel, que é veneno que come diariamente no prato dos pobres. Não agüentam mais a cruz da humilhação que é sobreviver de favor: peso nas costas de parentes e perda de liberdade.

Três fatores, entre outros, estão movendo os oprimidos para a luta, para ocupações de terrenos abandonados: a) A necessidade, melhor dizendo, a injustiça social e com ela um imenso déficit habitacional que campeia. O capitalismo neoliberal cada vez mais concentra riquezas em poucas mãos e esfola sem piedade a classe trabalhadora que está sendo casa vez mais pisada. O empobrecimento dos/as trabalhadores/ras está se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições análogas à escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente; b) As manifestações a partir do mês de junho de 2013 inocularam um bom colírio nos olhos de muita gente que está acordando para a necessidade das lutas coletivas; c) O exemplo positivo, em Belo Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de outras ocupações exitosas. Muita gente oprimida está dizendo assim: “O povo da Dandara está conquistando mil casas e vários outros direitos. Nós vamos conquistar. Por isso vamos para a luta coletiva.”

Se a Constituição for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações coletivas pode ser feita. Concordo 100% com a professora Delze dos Santos Laureano ao dizer: "Se fossem mesmo levados a sério os direitos humanos fundamentais, nenhuma reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações coletivas, pois esses atos ferem de morte o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais decisões contra a democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes. Todos estes que recebem, por força da própria constituição, ainda que formalmente, a proteção do Estado."

A história nos mostra que despejo jamais é solução justa para grave problema social como o que envolve milhares de famílias hoje na região metropolitana de BH. Despejo só piora mil vezes o problema social. Acirra os ânimos, cria condições para se fazer massacres, o que é abominável. A solução justa para superar de forma justa esses conflitos sociais passa necessariamente por Política – não por polícia -, por diálogo, por negociação, por política de habitação séria, popular e massiva, com participação popular. Jamais polícia – repressão - vai resolver de forma justa o problema que as ocupações urbanas e rurais estão desvelando.

Temos em Belo Horizonte, dois exemplos que devem ensinar muito a todas as autoridades. Em 2010, a tropa de choque da Polícia Militar de MG acompanhou guardas municipais da prefeitura de BH, seus fiscais e gerentes e, sem decisão judicial, demoliram 11 casas de alvenaria na Ocupação Zilah Spósito/Helena Greco. Jogaram gás de pimenta no povo, inclusive em criança de quatro anos. Fizeram um terror. Mas, a Rede de Apoio chegou rápido e, sob a liderança da Defensoria Pública de MG, área de Direitos Humanos, conquistamos uma Liminar judicial que impediu demolir as vinte casas que resistiam em pé. Moral da história: Após três anos estão lá 160 casas de alvenaria construídas, com 160 famílias fora da cruz do aluguel ou da sobrevivência de favor. Conquistamos a retirada do secretário da prefeitura de BH, da regional Norte, que comandou a operação. O Ministério Público da área de Direitos Humanos denunciou 11 soldados que estão respondendo processos. E o povo está lá firme na luta. No Barreiro, em BH, dias 11 e 12 de maio de 2012, um verdadeiro aparato de guerra – 400 policiais, cavalaria, helicóptero da PM, caveirão – em uma ação militar que durou 36 horas, despejou 350 famílias da Ocupação Eliana Silva, do MLB, aterrorizando as crianças que, abraçadas às mães, gritavam: “Mãe, a polícia vai nos matar.” Traumas indeléveis. Mas três meses depois, a Ocupação Eliana Silva “ressuscitou” ocupando outro terreno a um quilômetro de distância e hoje, após 1,5 ano, já estão com 300 casas de alvenaria construídas e a Comunidade segue, de cabeça erguida, sob a guia do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), movimento popular admirável.

É um erro grave pensar que polícia vai resolver problemas sociais. Polícia é para resolver crimes. As lutas coletivas do povo pobre - que se expressam nas ocupações - são lutas por direitos constitucionais e como tais devem ser respeitadas. Aos policiais recordamos: Vocês são também trabalhadores da classe trabalhadora e não estão obrigados a cumprir ordens que são contrárias à lei maior de Deus, que diz: Não matarás!

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Fim do eurocentrismo e a centralidade do pobre: síntese da Exortação de Francisco



Do site Radio Vaticano:

Dom Baldisseri destacou o caráter universal do documento, elaborado a partir dos estímulos pastorais provenientes de várias Igrejas locais. “A esta experiência, deve-se o amplo espaço dedicado à religiosidade popular na América Latina – uma verdadeira espiritualidade encarnada na cultura dos mais simples”, acrescentou o Arcebispo.

Algumas sínteses da Primeira Exortação Apostólica do Papa  Francisco:

Abordando o tema da inculturação, o Papa lembra que "o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural" e que o rosto da Igreja é "multiforme". "Não podemos esperar que todos os povos ... para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado momento da história" . O Papa reitera "a força evangelizadora da piedade popular" e incentiva a pesquisa dos teólogos convidando-os a ter "a peito a finalidade evangelizadora da Igreja" e a não se contentar "com uma teologia de escritório".

Precisamos de uma "uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como elas são" e uma "reforma das estruturas" eclesiais para que "todas se tornem mais missionárias" . O Pontífice pensa também numa "conversão do papado", para que seja "mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da evangelização". A esperança que as Conferências Episcopais pudessem dar uma contribuição para que "o sentido de colegialidade" se realizasse “concretamente” – afirma o Papa - "não se realizou plenamente". E’ necessária uma “saudável descentralização". Nesta renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja "não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos quais profundamente enraizados ao longo história".

¨ Peço uma Igreja pobre para os pobres. Eles têm muito a ensinar-nos". "Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres ... não se resolverão os problemas do mundo". "A política, tanto denunciada" - diz ele - "é uma das formas mais preciosas de caridade". "Rezo ao Senhor para que nos dê mais políticos que tenham verdadeiramente a peito ... a vida dos pobres!" Em seguida, um aviso: "qualquer comunidade dentro da Igreja" que se esquecer dos pobres corre "o risco de dissolução".

Falando dos desafios do mundo contemporâneo, o Papa denuncia o atual sistema económico: "é injusto pela raiz". " Esta economia mata" porque prevalece a "lei do mais forte". A atual cultura do "descartável" criou "algo de novo": “os excluídos não são ‘explorados’, mas ‘lixo’, 'sobras'. Vivemos uma "nova tirania invisível, por vezes virtual" de um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", "corrupção ramificada", "evasão fiscal egoísta".

No que diz respeito ao tema da paz, o Papa afirma que é "necessária uma voz profética" quando se quer implementar uma falsa reconciliação "que mantém calados" os pobres, enquanto alguns "não querem renunciar aos seus privilégios".

A missionariedade é o coração do texto, em que o Papa convida todos os fiéis cristãos a uma nova etapa evangelizadora, caracterizada pela alegria.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Papa apresenta a maior reforma da Igreja em 50 anos



Documento traça o caminho para o futuro da Igreja.
Ressalto alguns pontos importantes do texto do Papa Francisco :

-  A escolha dos fieis que deveriam comungar é atacada pelo Papa;
- Apenas obras de caridade não é suficiente;
- A Igreja não deve ter medo de se envolver nos debates políticos para garantir maior justiça social;
- O sistema econômico atual gera exclusão;
- Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo;
- Defende maior papel da mulher dentro da Igreja;
- Ataca o ¨elitismo narcisista¨ entre os cardeais;
- Incentiva maior diálogo entre crentes e não crentes;
- Afirma que a Igreja precisa de uma conversão pastoral e missionária.


Mais informações na reportagem abaixo:


Por Jamil Chade
Do Estadão

Em severa crítica à Igreja, Francisco apresenta maior reforma do Vaticano em meio século


Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” apresentada hoje é o primeiro documento do novo papa e traça o caminho para a Santa Sé nos próximos anos. Documento propõe “nova etapa de evangelização” e “conversão” da Igreja.

Cidade do Vaticano – Jorge Bergoglio lança um projeto de “conversão do papado”, propõe a “descentralização” da Igreja e apresenta o plano da maior reforma feita no Vaticano em pelo menos meio século. No primeiro documento de seu próprio punho apresentado hoje, o papa Francisco explica em mais de 200 páginas seu projeto para o futuro da Igreja, lançando duros ataques contra sacerdotes e denunciando a guerra pelo poder dentro dos muros da Santa Sé.
“Desejo dirigir-me aos fieis cristãos para convidá-los a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e indica direções para o caminho da Igreja nos próximos anos”, escreveu em sua Exortação Apostólica publicada hoje, o Evangelii Gaudium do Santo Padre Francisco aos Bispos, Presbíteros, Diáconos às pessoas consagradas e aos fieis laicos sobre o Anuncio do Evangelho no Mundo Atual. “É uma nova evangelização no mundo de hoje, insistindo nos aspectos positivos e otimismo”, explicou o cardeal Rino Fisichella, presidente do Conselho Pontifical para a Nova Evangelização e que admite que o papa é “franco”. “O centro é o amor”, insistiu. “Sem isso, a Igreja é um castelo de cartas  e isso é o nosso maior perigo”, declarou.
Em seu texto, Francisco apela à Igreja a “recuperar a frescura original do Evangelho”, mas encontrando “novas formas” e “métodos criativos”. “Precisamos de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como elas são”.
Uma parte central de seu trabalho será o de “reformar as estruturas eclesiais” para que “todas se tornem mais missionárias”.
O recado é claro: promover uma “saudável descentralização” na Igreja, num gesto inédito vindo justamente da pessoa que representou por séculos a centralização da instituição e sempre lutou contra repartir poderes. A esperança é de que as conferencias episcopais possam contribuir para “o sentido de colegialidade”.
A descentralização apontaria até mesmo para a abertura de espaços para diferentes formas de praticar o catolicismo. “O cristianismo não dispõe de um único modelo cultural e o rosto da Igreja é multiforme”, escreveu. “Não podemos esperar que todos os povos, para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da historia”. Para o papa, teólogos precisam ter em mente “a finalidade evangelizadora da Igreja”.
Nem o próprio papa estaria isento da reforma. Sua meta é a de promover uma “conversão do papado para que seja mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da evangelização”.
A burocracia e a aristocracia da Santa Sé também precisa ser revista. “Nesta renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos mais profundamente enraizados ao longo da história”.
Bergoglio insiste que prefere “uma igreja ferida e suja por ter saído às estradas, em vez de uma igreja preocupada em ser o centro e que acaba prisioneiras num emaranhado de obsessões e procedimentos”.
Abertura – Um dos pontos centrais é ainda a abertura da Igreja aos fieis. “Precisamos de igrejas com as portas abertas” para evitar que aqueles que estão em busca de Deus encontrem “a frieza de uma porta fechada”. “Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo”, escreveu.
A escolha dos fieis que deveriam comungar também é atacado pelo papa. “A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”, alertou.
Poder – O documento ainda lança severas críticas a padres e sacerdotes. O papa pede que se evite as “tentações” do individualismo e alerta que “a maior ameaça é o pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja, quando na realidade a fé se vai desgastando”.
Pedindo uma “revolução de ternura”, o papa critica “aqueles (religiosos) que se sentem superior aos outros” e que apenas fazer obras de caridade não seria o suficiente. O papa também ataca os sacerdotes que “em vez de evangelizar, classificam os outros”, adotando um “certo estilo católico próprio do passado”.
Bergoglio também ataca os religiosos que tem “um cuidado ostensivo da liturgia, da doutrina e do prestigio da Igreja, mas sem que se preocupem com a inserção real do Evangelho” as necessidades das populações. “Esta é uma tremenda corrupção com a aparência de bem. Deus nos livre de uma igreja mundana sob cortinas espirituais ou pastorais”.
As batalhas por poder dentro do Vaticano também são alvos de ataques do papa contra a Igreja. Ele apela para que as comunidades eclesiais “não caiam nas invejas e ciúmes”. “Dentro do povo de Deus, quantas guerras”, lamenta o argentino. “A quem queremos evangelizar com estes comportamentos?”, atacou, indicando um “excesso de clericalismo”.
O papa ataca o “elitismo narcisista” entre os cardeais. “O que queremos? Generais de exércitos derrotados? Ou simplesmente soldados de um esquadrão que continua batalhando?”, questionou.
Até mesmo as homilias são alvos de ataque do papa. “São muitas as reclamações em relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos”. Bergoglio insiste que ela não deve ser nem uma conferencia e nem uma aula. “Temos de evitar uma pregação puramente moralista”.
Um ataque especial vai também aos religiosos que não se preparam devidamente para as missas. “Um pregador que não se prepara não é espiritual, é desonesto e irresponsável”, escreveu. Quanto às confissões, o argentino é ainda mais duro: “não se trata de uma câmara de tortura”.
Mulher – O papa volta a defender um maior papel da mulher dentro da Igreja. “Ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja, nos diferentes lugares onde são tomadas decisões importantes”, defendeu. “As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres não se podem sobrevoar superficialmente”, apontou.
Bergoglio deixa claro a posição da Igreja contrária ao aborto. “Entre os fracos que a Igreja quer cuidar estão as crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana”, escreveu.
“Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição sobre essa questão. Não é progressista fingir resolver os problemas eliminando uma vida humana”, declarou.
Economia – Bergoglio ainda destina uma parte importante de seu texto à situação mundial e não deixa de atacar o modelo econômico que prevalece. “O atual sistema econômico é injusto pela raiz”, declarou. “Esta economia mata porque prevalece a lei do mais forte”.
“Os excluídos não são explorados, mas lixo, sobras”, atacou. “Vivemos uma nova tiraria invisível, por vezes virtual de um mercado divinizado onde reinam a especulação financeira, corrupção ramificada, evasão fiscal egoísta”. O dinheiro, segundo ele, deve servir, e não dominar.
Para ele, esse modelo estaria promovendo uma “crise cultural profunda” nas famílias. “O individualismo pós-moderno e globalizado promove um estilo de vida que perverte os vínculos familiares”, alertou.
O papa ainda apela para que a Igreja não tenha medo de se envolver nos debates políticos e que faça parte da luta por influenciar grupos políticos para garantir maior justiça social. Para ele, os pastores tem “o direito de emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas”, escreveu. “Ninguém pode exigir de nos que releguemos a religião à secreta intimidade das pessoas”, declarou.
Sua luta contra a pobreza também fica claro no documento. “Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo”, declarou, fazendo um apelo aos políticos. Em seu documento, ele volta a defender os “mais fracos”, os “sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados” e apela a países que promovam uma “abertura generosa” aos imigrantes. Para ele, existem “muitos cúmplices” nesses crimes.
O argentino, porém, não deixa de apelar “humildemente” aos países muçulmanos que garantam a liberdade religiosa para os cristãos, “tendo em conta a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos países ocidentais”. “Uma adequada interpretação do Corão se opõe a toda a violência”, defendeu. Bergoglio, porém, insiste na necessidade de fortalecer o diálogo e a aliança entre crentes e não-crentes.
Apesar dos desafios, o papa insiste que os fieis não devem desistir. “Se eu conseguir ajuda pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida”, concluiu. 

sábado, 23 de novembro de 2013

Mestre Vitalino: a arte feita de barro (PARTE I)

 Vitalino Pereira dos Santos - MESTRE VITALINO retratou no barro a sua terra e a sua gente, criando tipos e expressando sentimentos. Sua arte alcança projeções internacionais, afirmando o valor do homem do agreste e divulgando CARUARU, cidade que se fez mais conhecida e amada, através de sua arte.

¨ O país que não preserva os seus valores culturais jamais verá a imagem de sua própria alma¨.
- Chopin

Do site elfikurten.com.br :



Retirantes, (cerâmica), Mestre Vitalino -  Foto autoria desconhecida
[Acervo do Museu de Arte Popular do Recife/PE]



Mestre Vitalino - foto: Pierre Verger - Caruaru/PE, 1947
[Acervo Fundação Pierre Verger - fonte: blog estadão]
“Eu via fazê uma procissão no mato – fazê a novena, botá os santo no andô, saí o povo com o zabumba…Eu estudei aquilo e botava no barro…”
- Mestre Vitalino, em 'depoimento' a René Ribeiro, da Fundação Joaquim Nabuco.


50 anos sem o Mestre Vitalino
[1909-1963]

Vitalino Pereira dos Santos (Ribeira dos Campos, Caruaru PE 1909 - Alto do Moura, Caruaru 1963). Ceramista popular e músico. Filho de lavradores, ainda criança começa a modelar pequenos animais com as sobras do barro usado por sua mãe na produção de utensílios domésticos, para serem vendidos na feira de Caruaru. Ele cria, na década de 1920, a banda Zabumba Vitalino, da qual é o tocador de pífano principal. Muda-se para o povoado Alto do Moura, para ficar mais próximo ao centro de Caruaru.

Sua atividade como ceramista permanece desconhecida do grande público até 1947, quando o desenhista e educador Augusto Rodrigues (1913 - 1993) organiza no Rio de Janeiro a 1ª Exposição de Cerâmica Pernambucana, com diversas obras suas. Segue-se uma série de eventos que contribuem para torná-lo conhecido nacionalmente e são publicadas diversas reportagens sobre o artista, como a editada pelo Jornal de Letras em 1953, com textos de José Condé, e na Revista Esso, em 1959.

Em 1955, integra a exposição Arte Primitiva e Moderna Brasileiras, em Neuchatel, Suíça. O Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais e a Prefeitura de Caruaru editam o livro Vitalino, com texto do antropólogo René Ribeiro e fotografias de Marcel Gautherot (1910 - 1996) e Cecil Ayres. Nessa época, conhece Abelardo Rodrigues, arquiteto e colecionador, que forma um significativo acervo de peças do artista, mais tarde doadas para o Museu de Arte Popular, atual Museu do Barro de Caruaru.

Mestre Vitalino, em 1960, realiza viagem ao Rio de Janeiro e participa da Noite de Caruaru, organizada por intelectuais como os irmãos João Condé e José Condé, ocasião em que suas peças são leiloadas em benefício da construção do Museu de Arte Popular de Caruaru. Participa de programas de televisão e exibições musicais, comparece a eventos e recebe diversas homenagens, como Medalha Sílvio Romero. Nessa ocasião, a Rádio MEC realiza a gravação de seis músicas da banda de Vitalino, lançadas em disco pela Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro na década de 1970. Em 1961, atendendo a pedido da Prefeitura de Caruaru, doa cerca de 250 peças ao Museu de Arte Popular, inaugurado nesse ano.

 Casa-Museu Mestre Vitalino, foto: Daniel Fama, Jan/2010.
Em 1971, é inaugurada no Alto do Moura, no local onde o artista residiu, a Casa Museu Mestre Vitalino. No espaço, administrado pela família, estão expostas suas principais obras, além de objetos de uso pessoal, ferramentas de trabalho e o rústico forno a lenha em que fazia suas queimas.
Fonte: Enciclopédia de Artes Visuais/Itaú Cultural


“Eu, além de analfabeto, criei-me trancado vivo, (...) cismado que só saguim criado no meio do mato.”
- Mestre Vitalino, em 'depoimento' a René Ribeiro, da Fundação Joaquim Nabuco.

COMENTÁRIO CRÍTICO
Mestre Vitalino se notabiliza por suas figuras inspiradas nas crenças populares, em cenas do universo rural e urbano, no cotidiano, nos rituais e no imaginário da população do sertão nordestino brasileiro. Ainda criança, começa a modelar pequenos animais de seu repertório rural: boi, bode, burro e cavalo. Na década de 1930, possivelmente influenciado pelos conflitos armados do período, modela seus primeiros grupos, formados por figuras de cangaceiros, soldados, bacharéis e políticos. No início, a cor é obtida por meio de argilas de diferentes tons, avermelhado e branco. Depois, Vitalino pinta os bonecos com tintas industriais, o que lhes confere um aspecto alegre e lúdico. A partir de 1953, deixa de pintar as figuras, mantendo-as na cor da argila queimada.

"Vitalino, o Menino que virou Mestre"
pelo cartunista Sill
Sem se preocupar com a concorrência, não se incomoda que outros artesãos observem seu trabalho, imitem sua técnica e suas inovações de motivos. Vitalino deixa vários discípulos, como Zé Rodrigues e Zé Caboclo, além de filhos e netos, que seguem produzindo trabalhos de cerâmica com o mesmo repertório temático e o vocabulário formal criado por ele. Boa parte de seus trabalhos se refere aos três principais ritos de passagem: nascimento, casamento e morte. As cenas de batizados são como crônicas do cenário rural. O tema do casamento aparece com freqüência, em trabalhos como Casamento no Mato, O Noivo e a Noiva. Os enterros também são composições reveladoras dos hábitos e do cotidiano da região. Comparando Enterro na Rede, Enterro no Carro de Boi e Enterro no Caixão, por exemplo, pode-se perceber a diferença de status dos mortos de acordo com o modo como são transportados. Somam-se a esses trabalhos as diversas procissões criadas pelo artista, bem como as cenas que remetem a aspectos do imaginário popular, como em A Luta do Homem com o Lobisome (sic), O Vaqueiro que Virou Cachorro e Diabo Atentando o Bêbado.

As cenas que remetem à ordem e ao crime no sertão brasileiro são recorrentes em sua produção. Entre bandidos e soldados, policiais, ladrões de cabra e de galinha, destacam-se as figuras dos cangaceiros Lampião, Maria Bonita e Corisco. Os aspectos sociais da região, como a seca e a migração, são captados em obras como Retirantes. Bastante freqüentes são as figuras e cenas ligadas ao trabalho, que permitem notar a divisão entre atividades laborais e tipos masculinos - vaqueiros, lavradores, homens carregando água ou tirando leite - e femininos - lavadeiras, rendeiras, mulheres cozinhando e costurando. As profissões do contexto urbano, como dentista, médico, veterinário, barbeiro, costureira, vendedor de fumo de rolo, também são modeladas por Vitalino, em parte para atender às demandas do mercado. Vale mencionar os trabalhos em forma de animais, como boi, burro, cavalo, cachorro, onça, modelados pelo artista no decorrer de sua carreira; a série em que ele compõe cenas de si próprio trabalhando, como em Vitalino Cavando Barro, Vitalino Queimando a Loiça e Vitalino e Manuel Carregando a Loiça; e sua produção de ex-votos.

Mestre Vitalino, desenho de Adriano Freire
Segundo a pesquisadora Lélia Coelho Frota, autora de livro sobre o artista, Vitalino representa um agente-chave de transformação na região. Pelo reconhecimento artístico alcançado por mestres como ele e o sucesso comercial da cerâmica no mercado nacional, a partir de sua geração, famílias inteiras se ocupam desse ofício na comunidade de Alto do Moura, em Caruaru. E transforma o povoado em referência nacional na produção de cerâmica, concentrando cerca de 200 artesãos, considerado pela Unesco um dos mais importantes centros de arte figurativa das Américas. Nesse processo, Vitalino é o principal agente de renovação visual, criando diversos motivos, e dono de um estilo pessoal marcante, que se revela na expressividade das feições e gestos e posturas corporais, na composição teatralizada das cenas. Embora todos esses aspectos de sua arte justifiquem a notoriedade alcançada por Vitalino, em certa medida seu sucesso está relacionado a uma tendência cultural mais ampla de valorização dos traços populares, considerados originais e exemplos de brasilidade. Inegavelmente sua produção é interpretada como representativa dessas manifestações "autênticas" e "simples" que muitos intelectuais e artistas, na primeira metade do século XX, elegem como modelo.
Fonte: Enciclopédia de Artes Visuais/Itaú Cultural

Mestre Vitalino e a família [foto autoria desconhecida]



Assista o documentário sobre o Mestre Vitalino :                  

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=FqW2ZTuP0rk
 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Congresso anula sessão que afastou Jango


jango

Congresso anula sessão que afastou Jango e abriu caminho para o Golpe de 1964                                 
           
Por Soraya Mendanha e Isabela Vilar - Agência Senado

 
 
Sob chuva de papel picado e com vivas à democracia, o Congresso Nacional aprovou, na madrugada desta quinta-feira (21), o Projeto de Resolução 4/2013, que anula a sessão de 1964 na qual foi declarada vaga a Presidência da República, então ocupada por João Goulart (1919-1976). A sessão anulada, protagonizada pelo então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, ocorreu na madrugada de 1° para 2 de abril, quando Jango se encontrava no Rio Grande do Sul, e abriu caminho para a instalação do regime militar, que durou até 1985.

Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autores do projeto, argumentaram que a declaração de vacância da Presidência foi inconstitucional, porque a perda do cargo só se daria em caso de viagem internacional sem autorização do Congresso, e o presidente João Goulart se encontrava em local conhecido e dentro do país.




- Eu estava com ele, em Porto Alegre – disse, emocionado, Pedro Simon, ao relatar os acontecimentos dramáticos relacionados à deposição de Jango.
Simon exaltou a coragem e a responsabilidade de Jango ante a possibilidade de uma guerra civil e até de uma intervenção norte-americana.
- O momento é histórico. Este Congresso restabeleceu a verdade histórica. Viva o presidente João Goulart! - disse o senador, que classificou a sessão de 1964 de “estúpida”, “ridícula” e “imoral”. Ele sublinhou que aprovação da proposta reconstitui a verdade para o povo brasileiro e permite que a história seja ensinada de maneira diferente nas escolas e universidades.
- Nós não temos desejo de vingança, nem ódio, nem mágoa. Não temos nada disso. Nós queremos apenas reconstituir a história. Quem ler, vai saber – afirmou.



Após o início do golpe de Estado, em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart decidiu ir a Porto Alegre a fim de encontrar aliados políticos e estudar como poderia resistir ao golpe de Estado. Foi nesse período que o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República.
"Em poucos minutos, sem discussão, Jango foi usurpado do cargo de presidente da República, num ato unilateral do então presidente do Congresso Nacional, Senador Auro de Moura Andrade", argumentam no texto Pedro Simon e Randolfe Rodrigues.

Randolfe Rodrigues lembrou que vários parlamentares, como o então deputado Tancredo Neves (1910-1985), se manifestaram à época contra a decisão, por meio de questões de ordem. Randolfe afirmou que o país precisa reparar as “manchas no passado” para engrandecer a democracia.

- Não se constrói um país decente, justo, se não tiver lealdade com a sua memória. Não se constrói um país democrático se a Casa guardiã da democracia não reparar as arbitrariedades e as manchas do passado – disse.

A aprovação do projeto, segundo os senadores, mostra que o Congresso, passados 49 anos do Golpe de 1964, não se mantém curvado às circunstâncias que levaram ao regime militar e repudia a contribuição ao golpe dada pela Casa no passado. Para eles, trata-se de um “resgate da história e da verdade”, uma correção, ainda que tardia, de “uma vergonha histórica para o Poder Legislativo brasileiro”.



O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) falou sobre a tristeza de relembrar a madrugada em que foi realizada a sessão em que Jango foi destituído, mas disse que o ato é necessário para evitar que episódios dessa natureza se repitam. Para ele, e o Congresso escreveu, durante aquela sessão, uma das páginas mais obscuras da sua história já que, ao declarar a vacância, propiciou o ambiente para o golpe militar.

- Ao declarar a vacância criou, aí sim, o ambiente para o malfadado golpe militar que levou o Brasil a um período de obscurantismo e ditadura – disse.

Vários deputados também discursaram, para repor a verdade histórica.
  

Consciência Negra ou Humana?

365 dias de Consciência Humana? Seria lindo se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por “consciência humana” exatamente no Dia da Consciência Negra soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador segundo o qual “não existe racismo no Brasil”

Por Rafael Patto, 
no pragmatismopolitico.com.br

A página do cantor e compositor Ivan Lins publicou no dia 20/11, uma foto com a seguinte mensagem: “Por 365 dias de consciência humana”.

Lindo isso, se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por “consciência humana” exatamente no dia em que celebramos o Dia da Consciência Negra me soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador – do qual Ali Kamel e Demétrio Magnoli são adeptos – segundo o qual “não existe racismo no Brasil”. Logo, não seriam necessárias essas manifestações por afirmação identitária, como as que são promovidas pelo Movimento Negro e que, aos poucos, vão sendo incorporadas como parte dos esforços do poder público em reparar os erros e crimes que foram e são cometidos contra a parcela negra da nossa população.

Quase QUATRO QUINTOS da nossa História (é pouco isso?) foram vividos sob o regime escravocrata. A escravidão não foi praticada indiscriminadamente contra todos os seres humanos que aqui viviam até 1888. Não é possível que hoje queiramos fingir para nós mesmos que as consequências da escravidão sejam ainda sentidas, sem qualquer distinção, por brancos e negros.  

Falar que o Dia da Consciência Negra deveria ser substituído por um dia da “consciência humana” no nosso país seria como sugerir que todo esse passado de violência atroz contra os negros seja esquecido. Combinamos assim: “faz de conta que ninguém foi tratado diferentemente em razão da cor de sua pele e, por isso, hoje somos todos iguais. Humanos, com as mesmas oportunidades. Né?” Isso é o cúmulo da falta de consciência histórica!

Se os seres humanos não tivessem inventado um sistema de dominação que submete outros seres humanos a um poder instituído com base na marginalização da maioria em razão de traços como origem geográfica e cor da pele, aí sim, seria lindo celebrar a humanidade como uma coisa harmônica.

Mas, enquanto persistirem os efeitos dessas experiências de subjugação, exploração e aculturação que se abatem sobre aqueles a quem foi negado até o direito de serem reconhecidos e respeitados como seres humanos, temos a obrigação moral de reconhecer que infelizmente, no estágio evolutivo em que nos encontramos hoje, muito pouco há para se celebrar em razão do fato de sermos “todos seres humanos”, mas há muito o que se lembrar a respeito de tudo o que já se fez neste país contra seres humanos que, por causa da cor de sua pele, foram subcategorizados como uma raça inferior não pertencente à espécie humana.

Não entendo por que ainda há pessoas que preferem, depois de tudo o que passou, fingir agora que sempre fomos todos bons amigos.

Quer dizer, até entendo sim…

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Darcy Ribeiro explica a desvantagem histórica do negro em relação ao branco

   (Negros libertos em Porto Alegre, em 1985. Foto de Herr Colembuscg. Acervo Ronaldo Bastos)

Por Cynara Menezes

Uma das maiores balelas do discurso anti-cotas no Brasil é que as políticas de ação afirmativa não se justificam porque “todos são iguais perante à lei”. Iguais como, se uns saíram na frente, com séculos de vantagem, em relação ao outro? As cotas vieram justamente para ser uma ponte sobre o fosso histórico entre negros e brancos. Para dar aos negros condições de alcançarem mais rápido esta “igualdade” que alguns insistem que já existe.

Ninguém melhor do que o antropólogo Darcy Ribeiro para explicar como esta “igualdade” de condição nada mais é do que uma falácia por parte de quem, no fundo, deseja perpetuar as desigualdades raciais em nosso país. Os trechos que selecionei são do livro O O Povo Brasileiro (Companhia das Letras), cuja leitura recomendo fortemente. Deveria ser obrigatório em todas   as escolas. Atentem para um detalhe: reconheçam no texto de Darcy os futuros meninos de rua.
E viva o Dia da Consciência Negra!
***
Por Darcy Ribeiro
CLASSE E RAÇA
A distância social mais espantosa no Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.
Entretanto, a rebeldia negra é muito menor e menos agressiva do que deveria ser. Não foi assim no passado. As lutas mais longas e cruentas que se travaram no Brasil foram a resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição.
Sua forma era principalmente a da fuga, para a resistência e para a reconstituição de sua vida em liberdade nas comunidades solidárias dos quilombos, que se multiplicaram aos milhares. Eram formações protobrasileiras, porque o quilombola era um negro já aculturado, sabendo sobreviver na natureza brasileira, e, também, porque lhe seria impossível reconstituir as formas de vida da África. Seu drama era a situação paradoxal de quem pode ganhar mil batalhas sem vencer a guerra, mas não pode perder nenhuma. Isso foi o que sucedeu com todos os quilombos, inclusive com o principal deles, Palmares, que resistiu por mais de um século, mas afinal caiu, arrasado, e teve o seu povo vendido, aos lotes, para o sul e para o Caribe.
Mas a luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e, nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em função de sua total desafricanização. A primeira tarefa do negro brasileiro foi a de aprender a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-lo para poder comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos. Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição de bem semovente, mero animal ou força energética para o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a nova língua, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupi-guarani.
Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República. Mas as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja população se tornara excedente e exportável a baixo preço.
(…)
O negro, sentindo-se aliviado da brutalidade que o mantinha trabalhando no eito, sob a mais dura repressão –inclusive as punições preventivas, que não castigavam culpas ou preguiças, mas só visavam dissuadir o negro de fugir– só queria a liberdade. Em consequência, os ex-escravos abandonam as fazendas em que labutavam, ganham as estradas à procura de terrenos baldios em que pudessem acampar, para viverem livres como se estivessem nos quilombos, plantando milho e mandioca para comer. Caíram, então, em tal condição de miserabilidade que a população negra reduziu-se substancialmente. Menos pela supressão da importação anual de novas massas de escravos para repor o estoque, porque essas já vinham diminuindo há décadas. muito mais pela terrível miséria a que foram atirados. não podiam estar em lugar algum, porque cada vez que acampavam, os fazendeiros vizinhos se organizavam e convocavam forças policiais para expulsá-los, uma vez que toda a terra estava possuída e, saindo de uma fazenda, se caía fatalmente em outra.
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.
A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontraram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos.
(…)
BRANCOS VERSUS NEGROS
Examinando a carreira do negro no Brasil, se verifica que, introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à execução das tarefas mais duras, como mão-de-obra fundamental de todos os setores produtivos. Tratado como besta de carga exaurida no trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que continua sendo principalmente o de animal de serviço.
Enquanto escravo poderia algum proprietário previdente ponderar, talvez, que resultaria mais econômico manter suas “peças” nutridas para tirar delas, a longo termo, maior proveito. Ocorreria, mesmo, que um negro desgastado no eito tivesse oportunidade de envelhecer num canto da propriedade, vivendo do produto de sua própria roça, devotado a tarefas mais leves requeridas pela fazenda. Liberto, porém, já não sendo de ninguém, se encontrava só e hostilizado, contando apenas com sua força de trabalho, num mundo em que a terra e tudo o mais continuava apropriada. Tinha de sujeitar-se, assim, a uma exploração que não era maior que dantes, porque isso seria impraticável, mas era agora absolutamente desinteressada do seu destino. Nessas condições, o negro forro, que alcançara de algum modo certo vigor físico, poderia, só por isso, sendo mais apreciado como trabalhador, fixar-se nalguma fazenda, ali podendo viver e reproduzir. O débil, o enfermo, o precocemente envelhecido no trabalho, era simplesmente enxotado como coisa imprestável.
Depois da primeira lei abolicionista –a Lei do Ventre Livre, que liberta o filho da negra escrava–, nas áreas de maior concentração da escravaria, os fazendeiros mandavam abandonar, nas estradas e nas vilas próximas, as crias de suas negras que, já não sendo coisas suas, não se sentiam mais na obrigação de alimentar. Nos anos seguintes à Lei do Ventre Livre (1871), fundaram-se nas vilas e cidades do Estado de São Paulo dezenas de asilos para acolher essas crianças, atiradas fora pelos fazendeiros. Após a abolição, à saída dos negros de trabalho que não mais queriam servir aos antigos senhores, seguiu-se a expulsão dos negros velhos e enfermos das fazendas. Numerosos grupos de negros concentraram-se, então, à entrada das vilas e cidades, nas condições mais precárias. Para escapar a essa liberdade famélica é que começaram a se deixar aliciar para o trabalho sob as condições ditadas pelo latifúndio.
Com o desenvolvimento posterior da economia agrícola de exportação e a superação consequente da auto-suficiência das fazendas, que passaram a concentrar-se nas lavouras comerciais (sobretudo no cultivo do café, do algodão e, depois, no plantio de pastagens artificiais), outros contingentes de trabalhadores e agregados foram expulsos para engrossar a massa da população residual das vilas. Era agora constituída não apenas de negros, mas também de pardos e brancos pobres, confundidos todos como massa dos trabalhadores “livres” do eito, aliciáveis para as fainas que requeressem mão-de-obra. Essa humanidade detritária predominantemente negra e mulata pode ser vista, ainda hoje, junto aos conglomerados urbanos, em todas as áreas do latifúndio, formada por braceiros estacionais, mendigos, biscateiros, domésticas, cegos, aleijados, enfermos, amontoados em casebres miseráveis. Os mais velhos, já desgastados no trabalho agrícola e na vida azarosa, cuidam das crianças, ainda não amadurecidas para nele engajar-se.
(…)
Assim, o alargamento das bases da sociedade, auspiciado pela industrialização, ameaça não romper com a superconcentração da riqueza, do poder e do prestígio monopolizado pelo branco, em virtude da atuação de pautas diferenciadoras só explicadas historicamente, tais como: a emergência recente do negro da condição escrava à de trabalhador livre; uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.
Florestan Fernandes assinala que “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se, em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna”.