sexta-feira, 3 de junho de 2016

A marcha da recolonização do Brasil, por Fábio de Oliveira Ribeiro


 16:17
GGn/Luís Nassif 
por Fábio de Oliveira Ribeiro
A chegada de Michel Temer ao poder através de um golpe de estado tem despertado várias críticas dentro e fora do Brasil. Faltam-lhe quatro coisas: sensibilidade social, compromisso com o projeto de Brasil eleito junto com Dilma Rousseff, consistência nas ações administrativas e, principalmente, bom senso para não nomear bandidos para cargos importantes.
A chegada de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores é preocupante. Serra não tem formação ou experiência diplomática. Ele é um inimigo declarado do monopólio brasileiro da exploração do petróleo em nosso território e mar costeiro. Além disto, documentos liberados pelo WikiLeakes provam que o senador paulista é um preposto da Chevron no Brasil.
Vários analistas alertam para uma recolonização do Brasil. Prova disto seria a facilitação da aquisição de terras por norte-americanos e europeus. A desnacionalização do petróleo equivaleria à uma verdadeira norte-americazação do litoral brasileiro. As riquezas que deveriam enriquecer o interior do país serão transferidas para os EUA restabelecendo uma dicotomia litoral-interior parecida com aquela que havia nos séculos XVI e XVII.
Este movimento é o inverso daquele que foi promovido pelo Regime Militar. A descolonização do Brasil foi objeto de estudo de Constantino Inanni. Em seu livro o ilustre intelectual afirma que:
“Nos últimos meses, o café apenas tem produzido o indispensável para cobrir os gastos com a importação de combustíveis e trigo, e em alguns círculos já se delineia algum pânico quando se pensa o que será da nossa economia se grandes safras de 1955 colocarem os países produtores à mercê do consumidor norte-americano ou dos especuladores da Bolsa de New York.” (Descolonização em Marcha, Constantino Ianni, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972, pág.48)
Na época referida no texto o Brasil importava petróleo e derivados. Para fazer isto, dependia dos dólares do seu principal produto de exportação. Mas o país dependia de um problema: o preço do produto não dependia apenas dos brasileiros. Os especuladores na Bolsa de New York podiam afetar a economia brasileira de duas maneiras: abaixando o preço do café e elevando o do petróleo e derivados.
Superamos aquele cenário. O Brasil está se transformando num país exportador de petróleo. Apesar de não conseguir fixar o preço do produto, a Petrobras pode influenciar o mercado racionalizando a velocidade com que vai explorar e exporta o Pré-Sal. Mas isto não poderá ser feito se o Brasil mudar a legislação. Se as petrolíferas norte-americanas chegarem ao Pré-Sal haverá um aumento do consumo do produto nos EUA.
O preço do petróleo pode até ficar estável, mas haverá uma redução drástica no valor de mercado da Petrobras em razão da empresa ter perdido o monopólio da exploração do Pré-Sal. Não só isto, a companhia terá que disputar espaço político com concorrentes norte-americanos agressivos acostumados a subornar políticos como José Serra. Uma nova fonte de instabilidade política fincará os pés no Brasil e dificilmente conseguiremos mudar novamente a legislação sem uma guerra externa.
Não bastasse tudo isto, a redução da rentabilidade do petróleo para o Brasil acarretará uma redução nas expectativas de redistribuição de renda. Após ser congelada, a estrutura social do Brasil voltará a ser parecida com aquela que existia na década de 1950 com uma diferença. As flutuações nos preços internacionais do petróleo podem gerar desabastecimento interno, pois um país que tem maior demanda e é mais rico (EUA) certamente será considerado um destino mais seguro para o petróleo prospectado no Brasil pelas petrolíferas norte-americanas. Resumindo: podemos voltar a sofrer desabastecimento de combustíveis apesar de sermos exportadores de petróleo.
Enquanto a Rússia se prepara para controlar o preço do seu petróleo, o Brasil caminha no sentido inverso. Deixará aos estrangeiros a possibilidade de regular em que velocidade o petróleo brasileiro será prospectado e onde ele será consumido.
Ao estudar a luta contra as estruturas coloniais, Ianni citou um argumento extremamente relevante utilizado por Antônio Carrillo Flôres, Embaixador do México em Washington.
“O argumento é simples. 'No passado, quando o mundo enfrentou horas de perigo, encontraram-se fórmulas de perfeita eficácia para evitar altas excessivas nos preços das matérias-primas, mediante ação conjunta das grandes nações industriais. Parece-nos evidente que, se é possível evitar altas excessivas é possível evitar baixas excessivas.' Essas palavras singelas constituem verdadeira denúncia do egoísmo das nações altamente industrializadas que sacrificam aos seus os interesses de países produtores e exportadores de matérias-primas, que como é sabido, constituem a base da economia nacional.” (Descolonização em Marcha, Constantino Ianni, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972, pág. 134)
Ao se transformar em exportador de petróleo nosso país já está sujeito às flutuações de preço provocadas artificialmente pelos países que importam o produto. Se deixar as petrolíferas dos EUA explorar seu petróleo pagando uma ninharia à União, o Brasil perderá uma excelente oportunidade para escapar da armadilha colonial. A única maneira de fazer isto é desenvolver aqui mesmo os conhecimentos, tecnologias, materiais e produtos capazes de serem exportados com grande valor agregado.
O financiamento da educação e da cultura pelo Pré-Sal deveria ser considerado estratégico. A descolonização do Brasil passa necessariamente pela difusão da percepção de que os estrangeiros nunca cuidarão melhor de nós do que nós mesmos. No fundo, um nacionalismo moderado é absolutamente essencial à qualquer país que pretenda tirar proveito de seus recursos naturais. No fundo foi isto o que disse o diplomata mexicano citado por Constantino Ianni.
A questão colocada ao país pelo governo ilegítimo que chegou ao poder é crucial. Que país nós queremos daqui a 10 anos? Aqueles que chegaram ao poder Michel Temer parecem odiar o Brasil. Este é certamente o caso de José Serra, homem que tudo faz para atender primeiro os interesses dos norte-americanos e sempre desdenha os interesses dos próprios eleitores que deram a ele o cargo de senador.
Uma economia nacional não deve ficar a mercê das ações predatórias do mercado. Os exemplos que se multiplica, desde 2008 deveriam servir de advertência para o novo governo. Michel Temer, contudo, não tem sensibilidade social. Ele prefere ver os brasileiros morando em favelas, morrendo de fome e sem educação universitária e assistência médica. Tudo que ele e José Serra pretendem fazer é atender o mercado. Ambos agem como se o próprio mercado fosse atender as necessidades sociais dos brasileiros e não os interesses mesquinhos daqueles que já lucraram trilhões reduzindo o padrão de vida dos trabalhadores norte-americanos e dos europeus.
A marcha da recolonização iniciada por Michel Temer deve, pois, ser combatida. Mas para fazer isto precisamos compreender melhor como e porque a descolonização era um ideal defendido nos anos 1950, 1960 e 1970. Quase ao final do seu livro, Constantino Ianni faz uma afirmação que me parece bastante pertinente:
“A situação internacional continua a caracterizar-se, na sua fase atual, pelos conflitos agudos nas zonas coloniais, o que, no entanto, não reduz a importância da competição entre as grandes potências no plano diplomático e econômico.” (Descolonização em Marcha, Constantino Ianni, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972, pág. 228)
No plano internacional, é evidente que os EUA estão perdendo espaço econômico para a China. As ações de Washington na Europa evidenciam o temor norte-americano produzido pelo renascimento da Rússia como potência militar global. Uma aliança econômica e militar entre estas duas potências seria desastrosa para os norte-americanos, razão pela qual eles lutam de todas as maneiras para destruir o BRICS. José Serra prometeu retirar nosso país do bloco. Ninguém sabe quanto ele ganhará fazendo isto.
A campanha suja promovida contra Dilma Rousseff pela imprensa brasileira privada que lucra fazendo propaganda dos produtos das empresas norte-americanas instaladas no país – campanha esta que provavelmente foi orquestrada pela Embaixada dos EUA como ocorreu de 1962 a 1964 – e seu resultado não deixam dúvidas. Nós estamos já estamos numa zona colonial em conflito. E o conflito será ainda mais agudo se houver resistência violenta ao novo governo que pretende submeter totalmente o Brasil aos interesses do mercado, transformando nosso território em zona livre e desregulada em detrimento dos direitos e dos interesses da maioria da população brasileira.
A recolonização do Brasil já está em curso a algum tempo. O golpe contra Dilma Rousseff é apenas o ápice de um processo que já vinha ocorrendo há mais de uma década. A submissão completa do Brasil aos interesses mesquinhos dos EUA tem relação, sem dúvida alguma, com a assustadora e desenfreada expansão dos cultos evangélicos no país. Alguns destes cultos são mais ou menos financiados por norte-americanos. Como os índios dos séculos XVI e XVII, os brasileiros estão sendo ideologicamente domesticados para acreditar que os novos invasores (financistas norte-americanos e europeus) cuidarão melhor de Pindorama do que aqueles que aqueles que habitam o Brasil.
A substituição da religião católica pelo evangelismo pró-mercado está provocando a destruição da nossa identidade, da nossa cultura, do nosso Estado e da soberania do Brasil. Mas esta é uma questão sobre a qual a CNBB deve refletir. De qualquer maneira, não foi por acaso que Eduardo Cunha, um pastor evangélico desonesto e procurado pela Justiça, admitiu o absurdo pedido de Impedimento feito contra Dilma Rousseff e comandou a aprovação deste pelos parlamentares evangélicos e seus aliados ocasionais (os deputados bandidos). A recolonização financeira e religiosa do Brasil esta na origem do golpe de estado que ameaça o futuro do país e que pretende revogar todas as conquistas sociais dos governos Lula e Dilma.

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