terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O conhecimento público das delações da Odebrecht é um diereito constitucional



E Agora Janot?

Tereza Cruvinel

O conhecimento público sobre o conteúdo das delações da Odebrecht, que atingem dezenas, talvez centenas de autoridades, é um direito coletivo constitucional que estará sendo sonegado enquanto prevalecer o sigilo mantido pela ministra Cármen Lúcia. A Constituição estabeleceu o Estado Democrático de Direito baseado na soberania popular e na cidadania, que só pode ser exercida mediante o acesso à informação pública. Por isso garantiu tal acesso no artigo quinto, nos incisos 14 e 33. A bola agora está com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Seus critérios é que lançam dúvidas sobre sua imparcialidade. Em alguns casos ele providenciou a divulgação dos depoimentos, como fez em relação a ex-diretores da Petrobrás que alvejaram figuras do PT. Em outros, protegeu as informações com o sigilo, como fez com a delação de executivos da Andrade Gutierrez, até hoje não conhecidas em seu inteiro teor, embora seja sabido que tucanos de alta plumagem foram citados e delatados. Agora, ele se trancou em copas ao receber a homologação das delações pela presidente do STF, embora outros procuradores contassem com o pedido de quebra do sigilo. E agora, Dr. Janot, o direito coletivo às informações da Odebrecht será pelo senhor garantido ou sonegado?

Em encontro com senadores e deputados federais em dezembro, Janot afirmou que pediria a Teori a retirada do sigilo das delações após a homologação. É possível que ele esteja aguardando a escolha do novo relator para fazer o pedido diretamente a ele. Certo é que, ainda que isso venha a ser feito depois da escolha do novo relator da Lava Jato, o governo já terá ganhado um tempo precioso. Terá elegido seus aliados para o comando da Câmara e do Senado, ainda que figurem na delação, como acontece com Rodrigo Maia e Eunício Oliveira.

No Supremo, onde se fala tanto em honrar a memória de Teori Zavascki, o novo relator da Lava Jato será escolhido na quinta-feira, depois que for decidido, amanhã, em reunião administrativa do tribunal, o critério de escolha. Já vai bastante avançada a tendência a um sorteio entre os cinco integrantes da segunda turma, que passará a contar com Luiz Fachin no lugar de Teori. Os outros são Gilmar Mendes, Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello. Dependendo de quem for ele, poderá atender ou não a um pedido que Janot venha a fazer. Se fizer.



Honrar a memória de Teori será também levantar o véu que impede os brasileiros de saber quais políticos e autoridades foram delatados pela Odebrecht. Esta disposição do falecido ministro pode ser conferida em várias matérias na Internet, como aqui e aqui.




segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Justiça protege os criminosos da Samarco, por Altamiro Borges


Do blog do Miro 


Por Altamiro Borges

O Judiciário brasileiro é realmente um dos poderes mais herméticos e sujos da nossa República. Uma reforma radical do setor seria vital para oxigenar a democracia nativa. Numa decisão abjeta adotada na semana passada, a Justiça Federal suspendeu por tempo indeterminado a liminar que obrigava a mineradora Samarco e as acionistas da Vale e BHP Billiton a depositarem R$ 1,2 bilhão como garantia de futuras ações de recuperação e reparação dos danos socioambientais decorrentes da tragédia de Mariana (MG). Bastou para isto que elas assinassem um Termo de Ajustamento Preliminar.

Segundo matéria da Agência Brasil, “o prazo para depósito já havia sido prorrogado algumas vezes. Na última ocasião, a data estabelecida era 19 de janeiro. Na decisão, o juiz Mário de Paula Franco informou que a suspensão se deve à ‘demonstração de atitudes concretas e à postura cooperativa das partes, do MPF e das instituições envolvidas, em buscarem a solução da presente lide’”. O Termo de Ajustamento Preliminar fixa que as mineradoras devem contratar especialistas para analisar os programas de reparação dos danos da tragédia ambiental, considerada a maior do país, que ocorreu em novembro de 2015.

Na ocasião, a barragem do Fundão, pertencente à Samarco, foi rompida e liberou mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Pelo menos dezenove pessoas morreram. Houve devastação da vegetação nativa, poluição da Bacia do Rio Doce e destruição dos distritos de Bento Rodrigues e de Paracatu, além de outras comunidades. A reparação dos danos foi negociada em um acordo firmado entre Samarco, Vale, BHP, governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, e previa investimentos de R$ 20 bilhões ao longo de 15 anos. Até hoje, porém, pouco foi feito para reparar os prejuízos à sociedade.

O Ministério Público estima que os danos foram ainda maiores. “Em uma ação impetrada na Justiça Federal, que tramita paralelamente, o MPF calcula os prejuízos em R$ 155 bilhões”, descreve a Agência Brasil. Mas as empresas recorreram e a ação poderá ser extinta. “O Termo de Ajustamento Preliminar também sugere a substituição do depósito de R$ 1,2 bilhão pela garantia provisória de R$ 2,2 bilhões. Essa garantia seria composta por aplicações financeiras, seguro e bens da Samarco”. Ou seja: as poderosas mineradoras estão salvas. Já a população e a natureza, que se danem! É a lógica do capitalismo.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Quando o anormal vira natural, algo está errado

pezao cabral marcos de paula msn Quando o anormal vira natural, algo está errado
"Se a corrupção no país virou moda, eu vou embora antes que honestidade vire crime" (Nicanor Bessa da Silva, cantor de rap e pensador popular).
***
Por Ricardo Kotsho
Balaio do kotsho

Como é que o ex-bilionário Eike Batista sai de fininho do Brasil, assobiando no Galeão, às vésperas de ser preso numa operação da Lava Jato batizada de "Eficiência"?
Não há mais controle de passaportes nos aeroportos? Eike já não estava "fichado" na polícia como diz o pessoal da PF? Ou houve mais um "vazamento" na operação e ele aproveitou para "vazar"?
Agora, enquanto o empresário é considerado foragido e procurado pela Interpol, a sua defesa negocia com as autoridades os termos da rendição.
Fica-se sabendo que o juiz federal Marcelo Bretas pediu sua prisão no último dia 13, mas o mandado só chegou à Polícia Federal no dia 25, às vésperas da fuga. Tudo coincidência?
No mesmo dia em que Sergio Cabral é mais uma vez denunciado por receber propinas de Eike Batista, o governador Pezão vai a Brasília para implorar ajuda porque o Rio está quebrado, "não tem mais recursos para nada".
Por que não pede a devolução da arca de dólares, barras de ouro e diamantes que seu padrinho político roubou?
De uns tempos para cá, habituamo-nos a conviver com as maiores barbaridades, como se tudo fosse muito natural, assim como tomar um copo d´água ou puxar a descarga no banheiro.
Nada mais é capaz de chocar a distinta platéia nativa neste teatro do absurdo encenado em Brasília que parece tomada por um exército de ocupação ávido e faminto.
Ministros do Supremo Tribunal Federal, juízes, procuradores, partidos políticos, associações corporativas em geral e até excelências denunciadas na Lava Jato anunciam listas com seus favoritos para a vaga deixada por Teori Zawascki, como se fosse um concurso de miss.
Quando o anormal vira uma coisa natural, algo está errado. Isto não é normal.
Citado 43 vezes por um único delator da Odebrecht, o presidente Michel Temer dá uma carona para o ministro Gilmar Mendes no avião da FAB até Lisboa e, na mesma semana, o recebe para um jantar  de domingo na residência oficial.
Quando se sabe que Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em breve poderá ser chamado a julgar Temer, a explicação de que são amigos há mais de 30 anos parece uma coisa natural, mas não é normal numa democracia minimamente civilizada.
Quando o delegado Igor de Paula, da força-tarefa da Lava Jato, que fez campanha para Aécio Neves nas redes sociais em 2014, anuncia que a prisão do ex-presidente Lula deve ocorrer entre 30 e 60 dias, ninguém pergunta em que se baseia a sua previsão.
Desde quando existe prisão com prazo pré-estabelecido numa investigação ainda em andamento?
Dá-se de barato que Rodrigo Maia, o "Botafogo" da lista da Odebrecht, continue na presidência da Câmara por mais dois anos, embora a Constituição impeça a reeleição na mesma legislatura.
Se a direção do PT admite apoiar o candidato do governo que chama de golpista, algo realmente está errado. Não é normal.
Em fevereiro, tem carnaval.
Bom fim de semana.
Vida que segue.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Pelo fim do monopólio nas transmissões de futebol

Brasil x Colômbia: pelo fim do monopólio nas transmissões do futebol


Brasil X Colômbia
Disputa entre Globo e CBF permitiu dezenas de emissoras veicular partida em homenagem à Chape

Por André Pasti 
Intervozes - Carta Capital
Quem zapeou na televisão na noite desta quarta-feira (25) percebeu que o jogo amistoso entre Brasil e Colômbia foi transmitido por mais de uma dezena de canais da TV aberta e da TV fechada.
Para além da solidariedade com a tragédia da Chapecoense — e da excessiva exploração do tema pelos meios de comunicação —, a transmissão do jogo chamou a atenção de quem está acostumado com o monopólio da Rede Globo na veiculação dos jogos da seleção, do Campeonato Brasileiro e das disputas regionais. A novidade na televisão brasileira é uma excelente oportunidade de retomar uma pauta ofuscada no país: a necessidade de democratizar as transmissões de futebol.
Vale lembrar, entretanto, que a visibilidade ampliada da partida não foi resultado dessa preocupação, mas sim fruto da negociação conflituosa dos direitos de transmissão entre a Globo e a CBF.
Enquanto negociava com a Globo a exclusividade dos próximos amistosos, a CBF pediu uma grande bolada – fala-se em R$ 2 milhões – pela transmissão da partida contra a Colômbia, que não estava inclusa no contrato vigente. O Grupo Globo não aceitou pagar e a CBF então abriu o jogo a todas as emissoras — antecipando um futuro “leilão” que a confederação promete fazer para os próximos amistosos, como forma de pressionar a emissora a pagar mais.
Apesar das intenções nada nobres, a transmissão ampliada nos lembra que o televisionamento desse esporte, um patrimônio da cultura nacional, pode ser diferente e democrático, e mostra o quanto perdemos com o monopólio hoje em prática.
Quem perde com o monopólio das transmissões
A exclusividade nas transmissões do futebol no Brasil traz inúmeros danos aos torcedores, jogadores e ao esporte como um todo. Em primeiro lugar, o dinheiro pago pela Globo pelo monopólio na transmissão das partidas é, para a maioria dos clubes da elite do futebol nacional, a principal fonte de receita. E isso causa muitas distorções.
A concentração dos repasses financeiros aos clubes com maior torcida e audiência televisiva fortalece desproporcionalmente as agremiações maiores e aprofunda a crise dos clubes menores, do futebol regional e do interior.
Como no futebol de rua, a Rede Globo também atua como uma péssima “dona da bola”: decide o horário das partidas a partir de sua grade de programação e quais jogos, clubes e regiões do país terão ou não visibilidade.
Assim, boa parte do futebol nacional fica invisível pela decisão de uma única empresa. A “dona do bola” — nesse caso, da transmissão — decidiu, no ano passado, por exemplo, passar jogos do campeonato carioca em quatro estados da região nordeste. Os torcedores dos clubes locais foram impedidos de assistir ao campeonato de seus times.
Jogo da amizade
O amistoso é uma excelente oportunidade de retomar a pauta da democratização das transmissões (Foto: Reprodução)
O monopólio tem grande responsabilidade também na crise de esvaziamento dos estádios brasileiros. Além de prejudicar a competitividade dos clubes menores, a decisão de marcar jogos para às 22h em dias de semana inviabiliza o retorno pra casa de grande parte dos torcedores trabalhadores, além de ser um péssimo horário para os atletas jogarem.
No caso da seleção nacional, já há uma confusão entre Globo e CBF. Até recentemente, o site da Confederação aparecia como o de uma subsidiária da emissora e a relação entre elas é alvo de investigações. Vale lembrar, ainda, que a corrupção na venda de direitos de transmissão do futebol faz parte dos escândalos envolvendo cartolas da FIFA.
Enfrentar o monopólio é possível
A experiência de um país vizinho prova que é possível ter uma transmissão democrática dos jogos. Na Argentina, até 2009, o Grupo Clarín (a “Globo” local), sócio da empresa TyC, monopolizava as transmissões de futebol, restringindo o acesso à maioria das partidas aos assinantes de pacotes da televisão paga.
Em meio à discussão da necessidade de democratizar a mídia no país, o governo de Cristina Kirchner lançou o programa “Futebol para Todos”. A iniciativa, em acordo com a Associação do Futebol Argentino, AFA (“CBF argentina”), nacionalizou as transmissões futebolísticas, reconhecendo a importância do esporte para a cultura do país. A ideia era que o futebol televisionado chegasse à população gratuitamente pela televisão aberta.
Com o Futebol para Todos, diversos jogos passaram a ser transmitidos na televisão pública e em outros canais, aumentando a diversidade e a visibilidade dos clubes, democratizando o acesso aos jogos e às receitas. As partidas eram, ainda, transmitidas ao vivo com qualidade HD na internet, para quem quisesse assistir, e houve uma redução do abismo de receitas entre os clubes maiores e menores. Times como Arsenal Sarandí e Banfield passaram, por exemplo, a ser competitivos e a vencer campeonatos.
O governo argentino utilizou essa situação da transmissão futebolística como forma de sensibilizar a população sobre os danos da concentração da mídia e as vantagens da democratização da comunicação. No mesmo ano, a chamada Lei de Meios foi aprovada com ampla maioria no parlamento.
Infelizmente, neste momento de retrocessos no mundo e na América Latina, o programa Futebol para Todos também está ameaçado. O novo governo neoliberal de Maurício Macri anunciou que deseja reprivatizar as transmissões e acabar com o projeto. O processo já está em curso e o fim do programa pode acontecer ainda nesta semana — não sem a resistência de quem aprendeu que é possível assistir futebol ampla e gratuitamente.
No Brasil, diversos grupos têm travado o debate em torno da democratização do futebol e das transmissões. O coletivo Futebol, Mídia e Democracia lançou recentemente a campanha “Jogo 10 da noite, não!”, para denunciar os prejuízos do horário.
A democratização do esporte é tema, também, do recém lançado Movimento AGIR — Arquibancada Ampla, Geral e Irrestrita, formado por diversos coletivos, como Democracia Corinthiana, PorComunas, Movimento Punk Santista, Resistência Azul Popular, Dá Bola Pra Elas, Dibradoras, Ludopédio, Rede Paulista de Futebol de Rua, Inter Antifascista, Palmeiras Livre e Futebol, Mídia e Democracia.
Tamanha mobilização reforça a percepção de que é impossível discutir os problemas do futebol brasileiro sem considerar o papel da concentração dos meios de comunicação no Brasil. Trata-se de um tema que deve ser debatido seriamente pela sociedade e por aqueles que defendem o futebol, em toda sua diversidade regional, como patrimônio cultural brasileiro, acessível a todos e transmitido democraticamente em todo o território.
O fim do monopólio das transmissões é bom para os torcedores, para os jogadores e para o futebol brasileiro em geral. Se a Globo age como a “dona da bola”, que quer mandar no jogo, é hora de reagir.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Na República do escárnio não há limites, por Guilherme Boulos

Jornal GGN - A morte do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, evidenciou que o declínio do Brasil enquanto nação, antes na fase da hipocrisia, agora atinge o nível do escárnio. A opinião é de Guilherme Boulos, em sua coluna de hoje (26) na Folha de S. Paulo.

Boulos argumenta que, quando o escárnio se sobrepõe, as preocupações de decoro desaparecerem, e os “cínicos  ganham autoconfiança e ousam fazer em público aquilo que todos imaginavam, mas não se via”.
Um dos exemplos é Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral que vai julgar Temer, sendo consultado sobre a indicação do novo ministro do Supremo no palácio presidencial.

Da Folha

por Guilherme Boulos

O declínio de uma nação ou de uma cultura nunca se dá de uma só vez. Tem suas fases. 

Uma delas é a hipocrisia, quando se naturaliza o "dois pesos, duas medidas". O hipócrita estabelece um critério aos amigos e outro aos inimigos.

Sinal da vitória da hipocrisia por aqui foi a derrubada de um governo com o argumento do uso de procedimentos fiscais corriqueiros em todos os anteriores e então tolerados. Ou a condenação exemplar de membros de um grupo político, associada à tolerância aos membros de outros grupos, que tiveram precisamente as mesmas práticas.

Para uns, a presunção de inocência, para outros, a de culpa. Mas o hipócrita ainda preserva uma preocupação com aparências de legitimidade. Constrói um discurso para camuflá-lo, sua justificativa perante a opinião pública. Seu predomínio, porém, pode dar lugar a uma fase mais perigosa: a do escárnio.

Quando o escárnio toma conta do ambiente cultural desaparecem as mínimas preocupações de decoro com o que se diz e o que se faz. Os cínicos ganham autoconfiança e ousam fazer em público aquilo que todos imaginavam, mas não se via. Falam abertamente sinceridades antes reservadas aos cochichos de corredor. Rompe-se então as regras do jogo social. A fase do escárnio tem um lado positivo: ela é incrivelmente reveladora. Mas, no geral, expressa a mais completa indiferença dos donos do poder em relação ao que vá pensar a sociedade. Às favas com a opinião pública.

Fiquemos apenas com fatos da última semana. Quando o ministro Eliseu Padilha diz, com o cadáver de Teori Zavascki ainda quente, que a morte vai fazer com que "a gente tenha mais tempo"; quando Gilmar Mendes, presidente do Tribunal que julgará Temer, é consultado sobre a indicação de seu novo par e vai a rega-bofes no palácio presidencial; quando, ainda em relação a Teori, operadores do mercado financeiro comemoram sua morte sem maiores pudores; quando fatos assim passam sem ser notados é porque o escárnio estabeleceu-se na vida pública do país.

Na República do escárnio não há limites. Ante a perda de referência crítica e valorativa, tudo torna-se possível e, ademais, muito natural. Dostoiévski escreveu certa vez que, se Deus não existisse, tudo seria permitido. Falava é claro de um padrão de conduta –no caso, estabelecido pela religião– para delimitar o campo das ações humanas. Sem referência valorativa não há limites. Assim funciona o escárnio.

A hipocrisia antecede o escárnio. Este, por sua vez, funciona como antessala da barbárie. Ou da revolta.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Tom Jobim, maestro da canção popular, faria 90 anos nesta quarta



Tom Jobim, a falta que ele nos faz

Por José Teles

"Mais um jovem compositor popular Chama­-se Antônio Carlos Jobim e, além de compositor de sambas, é um excelente improvisador. A maioria, aliás, de suas produções, nasce desses passeios sem rumo certo pelo teclado do piano, que também toca muito bem, enchendo lugares que costuma frequentar, de muita vibração e muito ritmo. Vive em Copacabana e já é um nome popular. Os rapazes trauteiam as suas melodias e o cantor Lúcio Alves espera gravar um dos seus sambas" Quem escreveu a nota, no jornal carioca A Noite, a primeira sobre o músico publicada na imprensa, não tinha certamente ideia da dimensão que teria o "jovem compositor popular" nos próximos 40 anos.

Hoje, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que faleceu em 1994, faria 90 anos. Este ano, também, completa meio século um dos discos básicos do século 20: Francis Albert Sinatra Antonio Carlos Jobim. Um privilégio que Frank Sinatra, A Voz do século, na música popular, que gravou os melhores compositores, concedeu a raros deles. Sinatra não apenas dividiu o álbum com Jobim, como, em algumas faixas, faz duetos comele que, nunca foi exatamente um grande cantor.
Tom Jobim foi um autor de rara sensibilidade para a melodia: "Minha música é essencialmente harmônica. Sempre procurei a harmonia. Parece que eu tentei harmonizar o mundo. O que é evidentemente uma utopia" é uma de suas célebres tiradas. Foi também um compulsivo filósofo do cotidiano. Era tanta sua facilidade para criar grandes canções, que nem parecia lhes dar a importância devida depois do parto realizado.

ÁGUAS DE MARÇO E A CENSURA
Aconteceu assim com uma de suas composições mais conhecidas, Águas de Março, que, na virada de 1999 para 2000, numa dessas enquetes que se fazem em programas de TV, foi votada A Canção do Século. A gravação mais conhecida é a que ele fez com Elis Regina, no álbum Elis & Tom, de 1974. Porém, quando a compôs, era mais uma entre as dezenas que fizera, boa parte com centenas de regravações mundo afora. Foi o início de músicas voltadas para a natureza. Em 1971, a turma do semanário O Pasquim iria lançar uma novidade, batizada de disco de bolso. Em parceria com a gravadora Phillips, o compositor e produtor Sérgio Ricardo procuraram Tom Jobim e ele cedeu os direitos.

A censura em Brasília cismou com a letra quilométrica, viu mensagem subliminares logo nos versos iniciais. "Pau é pedra/é o fim do caminho", seria confronto entre a polícia e estudantes (ou afins), e fim do caminho?. A música foi liberada e lançada cantada pelo próprio Tom Jobim, no compacto simples, vendido em bandas (com o novato João Bosco no lado B, com Agnus Sei). Três anos depois da notinha no jornal,
Tom Jobim já era um dos autores mais requisitados, não apenas pela composições, com Billy Blanco sendo um dos parceiros mais constantes mas também pelas orquestrações e arranjos. Entretanto, ele ainda não se destacava dos demais, numa cidade para a qual convergiam os maiores talentos do País. Curiosamente, o encontro entre ele e Vinicius de Moraes, que mudaria o curso da MPB, aconteceu na Avenida Calógeras, a poucos metros de onde Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira promoveriam uma virada de mesa na MPB, impondo o baião na terra do samba, e no país inteiro. No escritório de Humberto Teixeira, na Calógeras, REgião Central do Rio, compuseram, entre outras, Baião e Asa Branca.
O Villarinos, ponto de boêmios e intelectuais nos anos 50, conserva até hoje a  mesa onde Tom e Vinicius, reza a lenda, numa animada noite de 1956, foram apresentados um ao outro pelo crítico de música Lúcio Rangel. Vinicius de Moraes procurava um compositor para criar a melodia de Orfeu da Conceição. Duas canções da trilha hoje são standards do repertório da canção mundial, A Felicidade, de Tom e Vinicius, e Manhã de Carnaval, de Antonio Maria e Luiz Bonfá. O musical acabou nas telas do cinema, dirigido por Marcel Camus e premiado com a Palma de Ouro, em Cannes.

A dupla teria continuado a criar algumas das mais belas canções da música brasileira, mas dificilmente teria a projeção que tivera sem a intervenção de um violonista nascido no Sertão da Bahia chamado João Gilberto, que imprimiu uma interpretação bossa nova, de vanguarda, e ao mesmo tempo acessível, às composições da dupla. A obra deixada por Tom Jobim está entre as mais reverenciadas e regravadas do planeta. Embora tenha morado um bom tempo nos EUA, e passado a vida quase toda no Rio, com poucas turnês nacionais, o maestro era um dos maiores especialistas em Brasil. Entre as suas frases mais repetidas, uma permanece cada vez mais atual: "O Brasil não é para amadores".

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

No horizonte, o enfrentamento das iniquidades em saúde


Fiocruz:

“O desafio é claro: a população brasileira está envelhecendo, demandará cada vez mais cuidados assistidos e o Estado não tem, hoje, uma política de apoio e suporte para essas pessoas. Se seguirmos este caminho, o resultado será uma desigualdade ainda maior no acesso à saúde, justamente no momento da vida que requer mais atenção”. A conclusão é da médica Deborah Malta, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e uma das coordenadoras da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (PNS 2013). Nesta entrevista, ela comenta as principais conclusões do maior inquérito populacional sobre saúde já realizado no Brasil e aponta tendências preocupantes para o futuro, como a intensificação das doenças crônicas não transmissíveis e a necessidade de mais investimentos e ações intersetoriais. Deborah alerta: “É preciso antever a ‘cidade do futuro’ e somar esforços da Saúde, da Educação, da Assistência Social, dos Transportes, enfim, de todos os setores da sociedade, para que o cuidado aos idosos se desenvolva de forma integral”.
Quais as contribuições da PNS 2013 para a prospecção do futuro do sistema de saúde brasileiro?
A PNS 2013 é o maior inquérito populacional sobre saúde já realizado no país: foram 60 mil domicílios, 64 mil respondentes. Mil coletadores de informações precorreram todas as unidades federadas, no meio urbano e rural, para traçar o perfil de saúde dos brasileiros. Os resultados nos dão um amplo panorama sobre o estilo de vida da população, a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e o acesso ao sistema de saúde, dentre outras informações valiosas para o planejamento do setor Saúde em médio e longo prazo. A PNS 2013 nos dá, de fato, uma linha de base para que seja possível monitorar o conjunto de indicadores de saúde, avaliar as ações e estratégias desenvolvidas até o momento e planejar o futuro.
Um dos aspectos mais relevantes da Pesquisa é a geração de conhecimentos sobre a forma como a população brasileira está envelhecendo. Foram mensurados indicadores que medem a fragilidade e o grau de incapacidade dos idosos, como a realização de atividades instrumentais, como se movimentar sozinho ou ir ao banco, por exemplo, e os cuidados básicos com a saúde, como a própria higiene. A PNS 2013 também trouxe informações sobre o acesso de idosos a cuidadores profissionalizados, revelando iniquidades que devem ser consideradas no planejamento de políticas públicas voltadas a este segmento da população. Em síntese, percebemos que já existe uma parcela da população idosa que está bastante frágil e nem sempre tem acesso aos serviços e cuidados de saúde de forma integral. Monitorar essas pessoas e suas condições de vida é imprescindível se desejamos ter uma população saudável no futuro.
Que tendências futuras sobre a saúde da população brasileira podem ser vislumbradas a partir dos resultados da PNS 2013?
O desafio é claro: a população brasileira está envelhecendo, demandará cada vez mais cuidados assistidos e o Estado não tem, hoje, uma política de apoio e suporte para essas pessoas. Se seguirmos este caminho, o resultado será uma desigualdade ainda maior no acesso à saúde, justamente no momento da vida que requer mais atenção. Os dados da PNS 2013 sobre as doenças crônicas não transmissíveis demonstram claramente essa tendência: 45% dos idosos brasileiros referem algum desses problemas. Dentre eles, 55% têm baixa escolaridade. Esses dados podem, sim, ser interpretados positivamente. Afinal, foi a universalidade e a equidade do SUS que permitiram o maior acesso ao sistema de saúde, levando mais pessoas a receber o diagnóstico. Por outro lado, precisamos reconhecer que pessoas com doenças crônicas são mais vulneráveis, apresentam mais incapacidades para a vida diária e demandarão cuidados mais frequentes e complexos do sistema de saúde. Portanto, esse tema é um importante objeto de monitoramento no horizonte dos próximos 20 anos.
Outra questão relevante é a obesidade. Comparando os dados da PNS 2013 com os obtidos em 2008 pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), verificamos o aumento do excesso de peso da população brasileira. Hoje, a obesidade acomete 24% das brasileiras e 18% dos brasileiros. O compromisso firmado pelo Brasil no Plano Nacional de Enfrentamento às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, em 2011, e no Plano Global de Enfrentamento às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015, era conter a expansão desses problemas de saúde. Nós não cumprimos esta meta, ao contrário, registramos uma tendência de crescimento da obesidade e de outras condições crônicas. Sem dúvida, esse conjunto de doenças será um objeto contínuo de monitoramento, inclusive com compromissos globais.
Quais as perspectivas para os próximos 20 anos em relação à prevalência e ao controle das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil?
Dentre os indicadores dos planos Nacional e Global de Enfrentamento às Doenças Crônicas Não Transmissíveis estão a contenção dos casos de hipertensão arterial e de diabetes. Os resultados de diversas pesquisas apontam que a prevalência da hipertensão não está aumentando no Brasil. Porém, a realidade não é a mesma para a diabetes. Acompanhando as tendências de sobrepeso e envelhecimento da população, esta doença está crescendo no Brasil. Certamente daqui a vinte anos a prevalência da diabetes ainda será uma medida muito importante da PNS. Poderemos comparar os índices de 2033 com os de 2013 para inferir as condições de acesso ao diagnóstico e ao tratamento e questionar se os esforços empreendidos geraram resultados satisfatórios. Por isso é fundamental que a PNS seja realizada periodicamente, mantendo parâmetros que permitam a comparação de cenários e a avaliação crítica das políticas públicas.
A edição de 2013 da PNS traz informações interessantes sobre a hipertensão: somente 3% da população brasileira nunca mediu a pressão arterial. Isso significa que 97% já teve acesso ao procedimento ou, em outras palavras, à possibilidade de receber o diagnóstico de uma doença crônica não transmissível. Com isso, hoje sabemos que mais de 20% da população brasileira tem hipertensão e que quase 90% dos pacientes usam medicamentos para controlá-la, ou seja, têm acesso ao tratamento. O inquérito também revelou que mais de 50% dos hipertensos em tratamento obtém os medicamentos nos centros de saúde; de 25% a 30% nas farmácias populares; e menos de 25% no setor privado. E são pessoas com menor escolaridade que têm acesso aos medicamentos necessários para controlar a hipertensão pelo setor público. Isso mostra de forma muito positiva como o SUS provê o diagnóstico, o tratamento e o acompanhamento dessa população.
A Pesquisa constatou, ainda, que 85% desses pacientes tiveram acesso a médicos especialistas e que, em 56% do casos, o paciente é acompanhado pelo mesmo cuidador. A partir dessas informações concluímos que o manejo dos hipertensos vem sendo realizado de forma bastante adequada no Brasil. As mesmas perguntas foram aplicadas às pessoas com diabetes. Verificamos que 15% da população nunca tinha feito exame de sangue. Por outro lado, quase 60% dos pacientes são acompanhados pelo mesmo cuidador e mais de 90% têm acesso ao tratamento – e tudo isso é muito positivo. Os principais problemas no manejo do paciente diabético dizem respeito a exames dos pés e das vistas: somente um terço dos pacientes teve acesso a este tipo de cuidado. Portanto, ainda temos muito a avançar.
Metodologicamente, como foi possível realizar este trabalho, sobretudo um país tão extenso e diverso como o Brasil?
A PNS 2013 é resultado de um esforço interinstitucional. Participaram diversas secretarias do Ministério da Saúde, a Fiocruz e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje a instituição brasileira com o maior nível de capilaridade para executar uma pesquisa como esta, com qualidade e em todo território nacional. Um comitê gestor liderado pela Fiocruz e pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e composto por pesquisadores de diferentes especialidades definiu os questionários, os temas, as abordagens e, também, a metodologia utilizada na Pesquisa. A amostra populacional foi desenhada pelo IBGE, que acumula experiência nesta área, com o auxílio muito próximo da Fiocruz.
Alguns aspectos metodológicos inovadores merecem destaque. Esta foi a primeira vez que o IBGE coletou amostras específicas das capitais. Trabalhamos com as dimensões Brasil, Regiões, Unidades Federadas e Capitais, nos meios urbano e rural. Além disso, até então o IBGE trabavalha com uma pessoa da casa respondendo por todo o domicílio. Para a PNS 2013 esse método seria insuficiente. Nós precisávamos selecionar por sorteio, em cada domicílio, quem seriam os respondentes. E o IBGE aceitou o desafio, concretizando essa inovação metodológica. Outra novidade foi o registro de dados físicos da população: a ocorrência ou não de hipertensão arterial, a medida antropométrica e a realização de exames laboratoriais.
De que forma ações focadas nos determinantes sociais da saúde e na superação de iniquidades podem, em médio e longo prazo, assegurar melhores condições de vida para os idosos no Brasil?
A ação sobre os determinantes sociais extrapola o setor Saúde. São necessárias, também, políticas de Educação, de geração de emprego e renda, de garantia da Previdência Social. Esse planejamento deve ser feito cada vez mais de forma integrada. O aumento do número de idosos na população gera mais demandas para o serviços de saúde, requer mais profissionais especializados, gera novas necessidades de acessibilidade e mobilidade, dentre muitos outros fatores. Então é preciso pensar, antecipadamente, em quais serão os profissionais necessários para assistir essa população, quais serão as transformações necessárias para tornar as cidades mais adequadas às pessoas mais velhas. É preciso antever a ‘cidade do futuro’ e somar esforços da Saúde, da Educação, da Assistência Social, dos Transportes, enfim, de todos os setores da sociedade, para que o cuidado aos idosos se desenvolva de forma integral.
É preciso refletir, também, sobre como a sociedade acolhe os seus idosos e como as comunidades irão se preparar para acompanhar as pessoas mais velhas. Sabemos que nem todo idoso terá cuidadores pagos. O Estado e as famílias não dispõem de recursos para isso. Portanto, a solidariedade será fundamental para garantir qualidade de vida aos brasileiros com mais idade, inclusive para evitar problemas como a depressão. Outra preocupação muito grande é em relação à Previdência Social. Inegavelmente serão necessários mais recursos. Todos esses são grandes desafios para o Brasil do século XXI, do século XXII. A PNS 2013 nos mostra que avançamos muito nos últimos anos – sim, nós reduzimos consideravelmente as iniquidades em saúde – mas ainda há muito a superar. E isso só será possível com planejamento de longo prazo, políticas públicas integradas e investimentos massivos, sobretudo nos grupos mais vulneráveis, que acumulam fatores de risco e, portanto, adoecem mais.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Depois dos papados conservadores chegou a primavera da Igreja promovida pelo Papa Francisco

Padre Paulo: papados conservadores “destruíram Igreja inserida na vida dos pobres” no Brasil e AL

Outras Palavras
Padre Paulo ao fim de um batizado em 2015
Padre Paulo Sérgio Bezerra não cede um milímetro sequer no seguimento dos ensinamentos da Igreja à luz do Evangelho e da renovação do Concílio Vaticano II, como um dos protagonistas da Teologia da Libertação na periferia de São Paulo. Padre desde 1980, há 34 anos está na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de São Miguel Paulista, em Itaquera, bairro pobre da zona leste da cidade.
O sacerdote, de 63 anos, foi formado pela escola do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, falecido em dezembro de 2016 e dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo da região Leste II da cidade de São Paulo e hoje emérito da diocese de Blumenau (SC), aos 84 anos. Isso anos antes que João Paulo II dividisse a Arquidiocese em 1989, numa articulação para esvaziar a liderança de dom Paulo e nomear bispos conservadores para as novas dioceses, que trataram de demolir toda a construção da “Igreja rumo à periferia” na antevisão de dom Paulo, agora retomada pelo Papa Francisco, que tem convocado os católicos para novamente partirem “às periferias existenciais” de uma “Igreja em saída”.
A matriz e as capelas das sete comunidades da paróquia estão sempre cheias, quase duas mil pessoas frequentam as celebrações e participam da vida da Igreja local.  Acorrem às missas presididas por padre Paulo gente de toda a cidade, em busca de uma liturgia que fuja ao rigorismo dos tradicionalistas ou ao estilo neopentecostal dos carismáticos. “Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas”, diz ele, desolado com o ambiente da Igreja em boa parte da cidade: “A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários”. Ele não desanima, está empolgado com a primavera da Igreja promovida por Francisco: “Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo”.
Um tempo novo que se abre depois da terra arrasada. Para ele, a ofensiva conservadora de 35 anos dos papados de João Paulo II e Bento XVI quase liquidou com a Igreja na América Latina e no Brasil, com a perseguição aos leigos, leigas, padres, freiras, teólogos, teólogas e até bispos vinculados à Igreja dos pobres, à Teologia da Libertação e, sobretudo, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): “Eles destruíram com a Igreja organizada em comunidades, pequenos círculos, inserida na vida das famílias pobres ao redor do país e da região”.
Entre outubro e novembro de 2016, padre Paulo sofreu uma campanha agressiva promovida por blogs católicos ultraconservadores. Motivo: ter recebido em celebrações na Igreja, durante a novena de Nossa Senhora do Carmo, pessoas como o deputado Chico Alencar (PSOL), Guilherme Boulos, líder nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a filósofa Marilena Chauí e, sobretudo, a drag queen Albert Roggenbuck (Dindry Buck). No caso da de Buck, os rigoristas deixaram de informar que a jovem é catequista em outra paróquia da região. Os integristas moveram intensa campanha de ódio contra o padre nas redes sociais, incentivaram um abaixo assinado pela remoção dele e mantiveram uma reunião constrangedora e inquisitorial com o bispo, dom Manuel Parrado Carral. Não deu em nada. “No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola para isso”, afirmou padre Paulo. Em reportagem da TVCarta sobre as ações da paróquia, padre Paulo questionou: “Porque o Alckmin, por exemplo, chega e fala na basílica nacional (de Aparecida) e ninguém questiona?” (veja aqui).
Ele concedeu entrevista ao blog Caminho pra Casa em duas rodadas de conversas, entre 12 e 16 de janeiro –todas as observações entre colchetes são intervenções do autor deste blog.
Caminho pra Casa: As celebrações na paróquia Nossa Senhora do Carmo estão sempre cheias e a mobilização da comunidade é sempre muito forte. O que acontece aqui?
Padre Paulo Sérgio Bezerra: Bem, talvez seja melhor dizer o que não acontece aqui. Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas (risos). Há mais de 30 anos o que fazemos aqui é manter a linha do Vaticano II. Seis anos depois de minha ordenação decidi fazer pós-graduação em Liturgia e sempre procurei inspirar-me na renovação do Concílio que pretendeu uma caminhada litúrgica dinâmica, com o povo. Ao longo dos anos houve um enrijecimento litúrgico notável, que negou em boa medida o espírito do Vaticano II, ao lado do surgimento da onda de padres cantores e celebrações com acento neopentecostal, mas buscamos nos manter fiéis e eu tentei manter-me amparado no ensinamento de dom Paulo (Evaristo Arns) e dom Angélico (Sândalo Bernardino). Para eles, como filhos diretos do Vaticano II, a Liturgia deveria refletir e ser concretização de uma vida pastoral de compromisso com os pobres. Não se sacralizavam as normas litúrgicas, mas elas eram adaptadas à vida da Igreja como Povo de Deus. Com os anos a liturgia virou uma “vaca sagrada”; ninguém toca. E não tem mais vida, não pulsa.
É mesmo impressionante o que aconteceu. Onde estão os profetas da Igreja?
Há muitos profetas ainda, mas o fato é que em largas fatias do clero há três palavras que são imperativas: dinheiro, dinheiro, dinheiro. A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários.
Padre Paulo na abertura da Campanha da Fraternidade de 1985, sob o tema “Pão para quem tem fome” – na Zona Leste de São Paulo.
Vocês viveram uma experiência muito forte em São Paulo e especialmente nas periferias e aqui na Zona Leste sob a liderança de dom Paulo Evaristo Arns, dom Angélico Sândalo Bernardino e todo o processo efervescente da Teologia da Libertação, mesmo debaixo da ditadura no Brasil. Como foi viver este tempo?
 Com a Teologia da Libertação houve o início de um processo de unir o culto (liturgia) à vida cotidiana; antes disso, até os anos 70, a religiosidade popular era vivida apenas na base de devoções de origem medieval, medieval, portuguesa, europeia: reza do terço, coroações de Nossa Senhora –o que, por incrível que pareça, voltou com força nos últimos anos com terço dos homens, cerco de Jericó, bênçãos do Santíssimo, que derruba as pessoas em transe…é o devocionário novo-velho.
Mas o intervalo da Teologia da Libertação foi um tempo muito intenso, começando pelos círculos bíblicos: o povo se apropriou da Bíblia, que era proibida às pessoas comuns! Experimentamos o aprendizado com as equipes do Marins [o padre José Marins foi e é um dos maiores animadores das CEBs no Brasil e no mundo –leia aqui uma entrevista excepcional dele ao padre Luis Miguel Modino, publicada em 08 de janeiro no site Religion Digital e, a seguir, em português, no IHU, que você pode ler aqui].
Ao mesmo tempo, tivemos um período de formação pastoral muito relevante do clero a partir das linhas mestras do Vaticano II, à luz das Conferências Episcopais Latino Americanas de Medellín e Puebla. Um tempo de grande coesão entre a Igreja institucional e o povo. Éramos todos agentes pastorais, povo de Deus, sem essa coisa terrível e medíocre de clero e clientela, que voltou com a restauração conservadora.
Como foi o processo de restauração na região?                                   
Isso aqui era uma maravilha, a Igreja viva dos primeiros tempos, com dom Paulo e dom Angélico exercendo uma liderança verdadeiramente profética, formando os padres, as freiras, os leigos e as leigas. A presença das freiras, as irmãs inseridas, tinha uma relevância enorme – as mulheres foram líderes no processo de ir às periferias no início dos anos 1980. Mas a maré conservadora do Vaticano chegou. Em 1989 houve a divisão da Arquidiocese para enfraquecer dom Paulo e o bispo que foi nomeado pelo Papa João Paulo II, como primeiro bispo diocesano da nova Diocese de São Miguel Paulista, clericalizou tudo e engessou a liturgia e terminou com a pastoral de conjunto. Com o tempo, foram liquidadas todas as pastorais: Pastoral da Juventude, Pastoral Operária, e total desinteresse pelos movimentos sociais…; foram desarticulados e esvaziados os conselhos paroquiais da então região episcopal, que eram uma experiência fantástica de colegialidade na Igreja entendida como Povo de Deus, como o Papa Francisco retoma agora. A estrutura eclesial na região, que se assentava sobre as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) tornou-se paroquial, clerical. O desrespeito com o povo e a autodoação das pessoas ao projeto do Reino pode ser exemplificado com a fofoca, por sinal um tema recorrente do Papa [veja aqui] que, entre outros, teve também as freiras como alvo: elas eram chamadas pelos restauradores de “irmãs enxeridas”, em vez de inseridas, de maneira insistente, desrespeitosa.
A esse processo local correspondeu um movimento retrógrado em âmbito nacional, não foi?
Sim, foi terrível. Foi um processo violento de cima pra baixo, o que aconteceu aqui foi reflexo do que aconteceu no mundo todo, especialmente na América Latina e no Brasil. João Paulo II pode ser um santo, mas ele enxergava o mundo como se fosse uma grande Polônia sob o horror comunista. Há nuances no pensamento dele, algumas concessões à doutrina social da Igreja, mas ele via comunismo em todos os lugares e governou a Igreja em aliança com Margareth Tatcher e sobretudo Ronald Reagan. Houve uma clara articulação entre o Vaticano e Washington na Europa do leste e em nossa região. Pagamos o altíssimo preço do projeto de Wojtyła de aliança contra o comunismo com os EUA. Começou um processo de nomeação de bispos pelo critério de adesão à disciplina da Cúria romana e não à profecia. O centro desta articulação aqui no Brasil foi a Arquidiocese do Rio, que começou a cooptar bispos do Brasil inteiro para seminários organizados pela Congregação da Doutrina da Fé [sucessora do Santo Ofício] para enquadrar todo mundo –até onde sei o então cardeal Raztinger, então prefeito da Congregação, e que nesta qualidade perseguiu muita gente, esteve no Rio mais de uma vez para esses cursos. Foi uma avalanche: cursos, nomeações, censuras, punições, perseguições…
Começou uma conversa de que a Igreja no Brasil era comunista, que não se rezava, não se ajoelhava nos bancos das catedrais e matrizes e voltamos a ser a Igreja das devoções, como antes do Vaticano II. O discurso era –como ainda escutamos hoje- de volta à tradição da Igreja, mas a verdadeira tradição da Igreja está no primeiro milênio, e não no segundo, como rezam os restauradores. A verdadeira tradição havia sido resgatada no Vaticano II, com a redescoberta dos Padres da Igreja por Ives Congar, Lubac e tantos outros, que foram igualmente perseguidos por décadas antes do concílio.
Recomeçou o tempo triste a que me referi antes, das devoções, do terço, das adorações e da clericalização. Os ministros e agentes de pastoral foram afastados ou se afastaram; resistir foi muito duro. Começou o processo de liquidação, esvaziamento ou domesticação dos conselhos diocesanos e paroquiais em todo o Brasil.
Um processo doloroso…
Sim. Eles destruíram com a Igreja organizada em comunidades, pequenos círculos, inserida na vida das famílias pobres ao redor do país e da região. Os seminários foram se transformando em verdadeiros “centros de formação profissional”, e o sonho dos jovens passou a ser o de fazerem carreira para bispos, e não de tornarem-se profetas, com exceção dos centros de algumas poucas dioceses e de algumas ordens e congregações.
As Bem Aventuranças deixaram de ser a  Lei Magna da Igreja –este lugar passou a ser ocupado pelo Código de Direito Canônico. Alguém me disse que um bispo, hoje emérito, afirmou num retiro de seminaristas, aos jovens, que a Igreja é a hierarquia, que a Igreja é Pedro, sobre quem repousa a tradição: o papa, cardeais, padres e diáconos. “O povo é lama”, disse ele. Isso entra em confronto direto com o pensamento original do cristianismo e o Vaticano II, que definiu a Igreja como Povo de Deus.
E agora, com Francisco?
É até difícil de dizer. O Papa está séculos à frente dessa mentalidade. As pessoas ainda têm muito medo, tudo é dito pelos cantos, a conspiração contra ele é brutal, e agora está se tornando pública. É um ressurgimento ainda frágil, que demanda novos caminhos e novos protagonistas; nós, da Teologia da Libertação, estamos todos de cabelos brancos, muitos morreram. Precisamos confiar no sopro do Espírito e dar tempo para que este processo de abertura de portas e janelas dê frutos.
Muitos morreram, às vezes no ostracismo ou abandonados ou sob a indiferença da hierarquia, como dom Oscar Romero. Mas é uma enorme alegria poder ver Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez Jon Sobrino e tanto outros sendo redimidos em vida, depois de tudo o que sofreram injustamente.
Estamos começando a sair de uma situação difícil, muito difícil. Como superar esses anos de fechamento e esclerose? Como enfrentar a Teologia da Prosperidade que se tornou como uma praga dentro da Igreja, seduzindo fiéis, padres, bispos, tanto teologicamente como pessoalmente? Sim, a prosperidade financeira tornou-se “projeto de vida”. É uma virada enorme a ser feita. Comblin perguntava: quem na Igreja realizará a missão continental? Dom Angélico disse-me mais de uma vez, depois de tantos livros publicados sobre o Papa Francisco: “é preciso parar com essa coisa de escreve livros e passar à pratica pastoral que ele aponta para a Igreja.
Padre Paulo preparando homilia dominical
Isto ficou claro desde o começo, não?
Sim. Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na Praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo.
Está tudo na Evangelii Gaudium! [a Exortação Apostólica de Francisco, A Alegria do Evangelho, sobre o anúncio do Evangelho –a íntegra aqui]
Ela foi lançada em novembro de 2013 e será que os cardeais rebelados não leram? Tenho certeza que sim, mas esperaram o momento para atacar, que é o que vemos hoje.
A Igreja do Vaticano II, a Igreja das primeiras comunidades, está tudo lá na Evangelii Gaudium. Com ela, Francisco liquidou todo o edifício hierárquico de fundo monárquico que foi construído nesses anos todos. Olha! [Pega um exemplar da carta apostólica e indica] O Papa fala nos novos caminhos logo no tópico 1, anuncia um novo desenho de Igreja, a partir dos processos e de uma amarração de elaboração coletiva… Leia aqui no número 16: “(…) não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo”.[1]
Tudo o que a Igreja experimentou no Sínodo da Família e com a Amoris Laetitia estava indicado desde a Evangelii Gaudium. É a Igreja das autonomias, dos processos, não mais das decisões monárquicas; por isso os que estavam no poder estão reagindo desse jeito brutal. Eles querem manter o poder!
O cenário é muito tenso. Há muita gente na estrutura da Igreja rezando por uma morte rápida de Francisco. Mas precisamos ter coragem de mudar. Os planos pastorais, que hoje são verticais e inspirados nos planos das empresas, precisam ser refeitos todos, com a participação e decisão do povo. Houve um tempo, o da Teologia da Libertação, em que a liderança da vida da Igreja estava com o episcopado profético; depois foi esse desastre; o futuro está nas mãos dos leigos.
Há muito trabalho pela frente.
Com Francisco, a Igreja, que se tornou nos últimos 35 anos totalmente irrelevante, domesticada volta a cumprir sua missão: ser luz do mundo, incomodar, ser profética. Precisamos ser esta luz não apenas em Roma, mas em todos os cantos.
O que está acontecendo na paróquia em que o senhor atua?
Bem, tentamos manter uma pequena chama acesa esses anos todos. Há sinais aqui e ali, parece que a Igreja começa, lentamente, a acordar da  anestesia, em meio aos  conflitos internos brutais.
Buscamos ter um governo da Igreja partilhado com todos, dentro de nossas fragilidades.
Um aspecto importante de nossa dinâmica, além do cotidiano de viver e compartilhar com as pessoas é a celebração anual de Nossa Senhora do Carmo, nossa padroeira. Desde 2006 tornamos a novena preparatória da festa como espaço privilegiado de reflexão; em cada ano foi um tema: democracia, meio ambiente, mulheres, saúde… É um período de distribuição de documentos, cartas e da encíclica Laudato Sii sobre o planeta. Convidamos pessoas que refletem sobre essas questões para partilhar com nossa comunidade, aqui estiveram nesses anos todos gente como Vladimir Safatle, Marilena Chauí, Guilherme Boulos, o padre Luiz Lima, Chico Alencar, Marcelo Barros, Boff…
A partir de 2015 mudamos a novena para um ciclo em sete domingos, um septenário, que permite uma reflexão mais aprofundada e é mais adaptado à esse ritmo frenético da vida  das pessoas.
O senhor é alvo de uma perseguição constante de grupos católicos ultraconservadores, que foram até pedir sua remoção ao bispo
Sim. Essa história foi quando trouxemos a drag queen Dindry Buck [Alberto Roggenbuck] para dar testemunho, como católica e drag, sobre as provocações que a vida lhe traz e como vive a sua fé. Ela sequer estava caracterizada assim durante a celebração. Por sinal, o que os conservadores não dizem é que ela é catequista numa paróquia vizinha. Fizeram um escarcéu porque ela falou na missa, levantou o cálice durante a consagração e ajudou na distribuição da eucaristia. Quando veio a Marilena Chauí fizeram um escândalo porque ela teria comungado da “hóstia do padre”. Mas isso só revela ignorância litúrgica, pois a hóstia é da assembleia.
No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola pra isso.
Eu fico tranquilo, porque sei que não sou o alvo. O alvo verdadeiro é a eclesiologia do Papa Francisco.
Padre Paulo e padre Júlio Lancelotti visitam Guilherme Boulos, preso durante repressão da PM a sem teto em São Paulo em 17 de dezembro
Quais as perspectivas em curto prazo?
A comunidade aqui da região fundou em 2010 o IPDM (Igreja Povo de Deus em Movimento), que pretende ser um núcleo de articulação, reflexão e oração em torno da proposta do Papa para a Igreja, numa perspectiva ecumênica. Com isso, começamos a “expandir” as fronteiras da paróquia para dialogarmos com pessoas e movimentos em outros cantos, estabelecer novas pontes. É uma prioridade para mim e muita coisa já está sendo feita.
Além disso, fomos “provocados” pelo Boulos [Guilherme Boulos, líder nacional do MTST].  Em dezembro ele nos convidou para assumirmos a evangelização nas ocupações de sem teto a partir de uma perspectiva também ecumênica. Estamos nos organizando para isso. É um desafio. E pensar que nos anos 80 em todas as ocupações aqui na zona leste (e não só aqui) estavam presentes padres e seminaristas aos montes, era a Igreja “em saída”, “nas periferias existências”, desafio para o qual o Papa Francisco nos re-convoca. É um começar de novo, mas entendendo que vivemos uma época totalmente nova; há ocupações de milhares de pessoas sem moradia em toda a cidade e a Igreja ou inexiste ou tem uma presença tímida, e mesmo essa presença tímida sofre em muitos casos a perseguição dos católicos reacionários. [em 17 de janeiro, dia seguinte à segunda rodada da entrevista, Guilherme Boulos foi preso numa desocupação violenta realizada pela PM no leste de São Paulo e o padre Paulo, ao lado dos padres Júlio Lancelotti, vigário da Pastoral do Povo da Rua, e Tarcísio Mesquita, da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, também na Zona Leste, acorreram para a delegacia, em solidariedade –e foram todos os três sacerdotes alvos de postagens agressivas e ofensivas dos movimentos católicos integristas nas redes sociais]
[por Mauro Lopes]
________________________________________________
[1] “Com prazer, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação. Para o efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo, além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar ‘descentralização’” (16).