sábado, 30 de abril de 2016

Contra o golpe, estudantes paralisam 100 universidades em 18 estados

O Jornal de todos Brasis

Cerca de 100 universidades em 18 Estados – mais de 70 cidades – do país participaram ontem (28) do Dia Nacional de Paralisação nas Universidades, convocado pela UNE contra o golpe na democracia em curso no país
Professores, alunos e educadores juntos, com mais de 20 mil, na Praça Tiradentes, em Curitiba
Da UNE
Os principais atos foram registrados em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Fortaleza e Belo Horizonte, cidades onde estudantes fecharam ruas, avenidas e promoveram debates sobre o processo que vai ser votado no Senado no mês que vem.
Em Curitiba, a UNE segue na luta hoje: é um dos movimentos sociais a integrar o protesto em favor dos professores da rede estadual paranaense, que lembram um ano do massacre que sofreram pela Polícia Militar do Estado no Centro Cívico, em 29 de abril do ano passado.
Na capital paulista, o ato dos estudantes de universidades como a UNIP e a UNINOVE fechou a Rua Vergueiro, na zona central da cidade, no início da noite. A via é um dos principais corredores universitários da cidade, por onde passam diariamente cerca de 100 mil estudantes. Os participantes gritaram palavras de ordem contra o golpe e estenderam faixas lembrando da ditadura militar.
Pela manhã, a aula pública do professor Reginaldo Nasser que acontecia no campus Memorial da UNINOVE, na Barra Funda, foi interrompida pela Polícia Militar.
“Foi um absurdo o que aconteceu, estávamos pacificamente em frente a universidade assistindo uma aula, e a PM sem mais nem menos chegou pedindo o RG do professor e dos estudantes. Essa é a PM que tem resquícios da ditadura militar sob o comando do governo do PSDB”, afirmou o diretor de Comunicação da UNE, Mateus Weber, que presenciou tudo.
RIO DE JANEIRO CONTRA A REDE GLOBO
No Rio, além das paralisações em universidades públicas e particulares, os estudantes migraram para a redação do jornal O Globo, no centro da cidade, para protestarem contra o apoio da organização ao golpe. Lideranças da UNE estiveram no encontro, que teve faixas lembrando do apoio do canal de televisão ao golpe militar de 1964 e bolas de tinta nas paredes do prédio, enquanto os estudantes gritavam: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo”. Em uma faixa, se podia ler: “A Rede Globo não fala por nós”.
UNB PARALISADA
Em Brasília, o ato – chamado de Assembleia Conjunta dos Cursos: Estudantes da UnB contra o golpe – teve a presença da presidenta da UNE, Carina Vitral, que chamou os estudantes a lutarem contra o golpe promovido por Cunha e Temer. Os estudantes passaram o dia reunidos em vários ambientes do campus realizando diversas atividades, como debates e oficinas de cartazes pela democracia. O corredor do Instituto Central de Ciências (ICC) da universidade, conhecido como Minhocão, foi trancado por algumas horas pelos manifestantes.
FORTALEZA E PERNAMBUCO TAMBÉM NA LUTA
Estudantes fecham a esquina da Avenida 13 de Maio com a Avenida da Universidade, em Recife - Foto: Allan Taissuke
Em Fortaleza, no Ceará, os estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE) promoveram uma aula pública com os estudantes, um cortejo que caminhou por diversas ruas e avenidas da cidade e o trancamento da Avenida 13 de Maio, uma das vias mais importantes da capital cearense.
Flor Ribeiro, representante da UNE em Recife, conta que universitários de diversas faculdades do Estado se juntaram para protestarem contra o golpe em curso no Brasil e pedirem um posicionamento do governo estadual, de Paulo Câmara (PSB).
“Tivemos atos em Caruaru, Vitória e em Recife com universitários de vários lugares. Fizemos um ato de rua, chamado Juventude contra o golpe, que andou pelas ruas da capital e foi até o palácio do governador cobrar uma postura contra o golpe. Reivindicamos que não haja retrocessos aos nossos direitos”.
ESTUDANTES PARALISAM 12 CIDADES NO PARANÁ
No Paraná, Estado que reuniu o maior número de cidades para protestar contra o golpe, doze no total, os estudantes compareceram em peso a todos os eventos marcados. Fecharam ruas em municípios como Cascavel, Foz do Iguaçu, Francisco Beltrão, Pato Branco e União da Vitória.
Em Curitiba, todos se encontraram no pátio da reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no centro da capital, para uma aula pública e um cortejo pelas ruas.
OCUPAÇÕES NO SUL E EM MINAS
Em Erechim (RS), no interior do Estado, estudantes ocuparam o prédio da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) em protesto contra o golpe. Eles colocaram correntes nas portas das salas e nos portões de entrada da faculdade.
A Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, também teve a reitoria ocupada pelos alunos em protesto ao processo de impeachment sem base legal.
A UNE ainda organizou atos em Manaus, no Amazonas; Belém, no Pará; Macapá, no Amapá; Rio Branco, no Acre; Natal, no Rio Grande do Norte; Teresina, no Piauí; em São Luiz, no Maranhão; em Florianópolis, Santa Catarina; Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e em Cuiabá, no Mato Grosso.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Carta aos Ministros do Supremo, por Luís Nassif

 
Como é que faz, Teori, Carmen Lúcia, Rosa Weber, Celso de Mello, Luís Barroso, Luiz Fachin? Como é que faz? Não mencionei Lewandowski e Marco Aurélio por desnecessidade; nem Gilmar, Toffoli e Fux  por descrença.
 
Antes, vocês estavam sendo levados por uma onda única de ódio preconceituoso, virulento,  uma aparente unanimidade no obscurantismo, que os fez deixar de lado princípios, valores e se escudar ou no endosso ou na procrastinação, iludindo-se - mais do que aos outros - que definindo o rito do impeachment, poderiam lavar as mãos para o golpe.
 
Seus nomes, reputações, são ativos públicos. Deveriam  ser utilizados em defesa do país e da democracia; mas, em muitos casos, foram recolhidos a fim de não os expor à vilania. 
 
Afinal, se tornaram Ministros da mais alta corte para quê?
 
Os senhores  estarão desertando da linha de frente da grande luta civilizatória e deixando a nação exposta a esse exército de zumbis, querendo puxar de novo o país para as profundezas.
 
Não dá mais para disfarçar que não existe essa luta. Permitir o golpe será entregar à selvageria décadas de construção democrática, de avanços morais, de direitos das minorias, de construção de uma pátria mais justa e solidária.
 
A imprensa mundial já constatou que é golpe. A opinião interna está dividida entre os que fingem que não sabem que é golpe, e defendem o impeachment; e os que sabem que é golpe e reagem.
 
Desde os episódios dantescos de domingo passado, acelerou-se uma mudança inédita na opinião pública. Reparem nisso. Todo o trabalho sistemático de destruição da imagem de Dilma Rousseff de repente começou a se dissolver no ar.
 
Uma presidente fechada, falsamente fria, infensa a gestos de populismo ou de demagogia, distante até, de repente passou a ser cercada por demonstrações emocionadas  de carinho, como se senhoras, jovens, populares, impotentes ante o avanço dos poderosos, a quisessem proteger com mantos de afeto. Abraçaram Dilma como quem simbolicamente abraça a democracia. E os senhores, que deveriam ser os verdadeiros guardiões da democracia, escondem-se?
 
Antes que seja tarde, entendam a verdadeira voz das ruas, não a do ódio alimentado diuturnamente por uma imprensa que virou o fio, mas os apelos para a concórdia, para a paz, para o primado das leis. E, na base de tudo, a defesa da democracia.
 
A vez dos jovens
 
Aproveitei os feriados para vir para minha Poços de Caldas. Minha caçula de 16 anos não veio. O motivo: ir à Paulista hipotecar apoio à presidente. A manifestação surgiu espontaneamente pelas redes sociais, a rapaziada conversando entre si, acertando as pontas, sem a intermediação de partidos ou movimentos. Mas unida pelos valores da generosidade, da solidariedade, pelas bandeiras das minorias e pelo verdadeiro sentimento de Brasil.
 
São esses jovens que irão levar pelas próximas décadas as lições deste momento e – tenham certeza - a reputação de cada um dos senhores através dos tempos. Não terá o sentido transitório das transmissões de TV, com seus motes bajulatórios e seu padrão BBB.  Na memória desses rapazes e moças está sendo registrada a história viva, tal e qual será contada daqui a dez, vinte, trinta anos, pois deles nascerá a nova elite política e intelectual do país, da mesma maneira que nasceu a geração das diretas.
 
Devido à censura, foram necessárias muitas décadas para que a mancha da infâmia se abatesse sobre os que recuaram no AI5, os Ministros que tergiversaram, os acadêmicos que delataram, os jornalistas que celebraram a ditadura. Hoje em dia, esse julgamento se faz em tempo real.
 
Nas últimas semanas está florescendo uma mobilização inédita, que não se via desde a campanha das diretas.
 
De um lado, o país moderno, institucional; do outro, o exército de zumbis que emergiu dos grotões. De um lado, poetas, cantores, intelectuais e jovens, jovens, jovens, resgatando a dignidade nacional e a proposta de pacificação. Do outro, o ódio rocambolesco aliado ao golpismo.
 
Não permitam que o golpe seja consumado. Não humilhem o país perante a opinião pública mundial. Principalmente, deixem na memória dessa rapaziada exemplos de dignidade. Não será por pedagogia, não: eles conhecem muito melhor o significado da palavra dignidade. Mas para não criar mais dificuldades para a retomada da grande caminhada civilizatória, quando a rapaziada receber o bastão de nossa geração.


quinta-feira, 28 de abril de 2016

Os golpistas partidarizaram as instituições de Estado para desfechar o golpe

Carta Maior

Como funcionam as instituições que não funcionam para a democracia?

Os golpistas partidarizaram as instituições para desfechar um golpe contra a Presidente Dilma num processo maculado pela fraude e pela manipulação.



Jeferson Miola
Ascom / VPR
Os golpistas dedicam um esforço descomunal para a construção de uma narrativa de normalidade do funcionamento das instituições. Este propagandismo tenta reverter o desgaste da imagem e a erosão da legitimidade da empreitada golpista nomundo inteiro que, depois do espetáculo deplorável do 17 de abril na “assembléia geral de bandidos comandada pelo bandido Eduardo Cunha”, já é irreversível. Em todos os idiomas se diz que é golpe.

Na guerra contra a democracia e a Constituição, os fascistas agem com extremo cinismo e vitimam a verdade e a justiça. Os atores golpistas, posicionados em todas as agências do golpe – na PF, no STF, TCU, TSE, no Ministério Público, Judiciário, Congresso, nas entidades patronais, na mídia –, com sutis variantes de vocabulário, repetem o mantra de que “não há golpe porque as instituições estão funcionando normalmente”.

Como se trata de um neogolpismo, de um golpe de Estado do século 21 – sem coturnos, sem exército nas ruas e sem Estado de Sítio –, as instituições não foram fechadas, os partidos populares não foram proscritos, as eleições não foram canceladas e a imprensa não foi censurada.

As evidências deste golpe, vistas deste ângulo, não são escancaradas como foram no de 1964, inclusive porque desta vez são as próprias instituições, articuladas no condomínio jurídico-midiático-policial, que participam ativamente na engrenagem golpista e promovem o golpe.


As instituições não estão funcionando normalmente, como querem fazer crer os golpistas. A aprovação do impeachmentsem crime de responsabilidade na Câmara dos Deputados é prova disso. As instituições, ao contrário, atuam com excepcionalidade para a consecução do golpe:

1. Tribunal de Contas da União: o conselheiro João Augusto Nardes, ex-deputado do PP [partido recordista com 32 deputados recebedores de propinas], é investigado de receber, em sociedade com um sobrinho, mais de R$ 2 milhões para vender perdão tributário de cerca de R$ 500 milhões ao Grupo RBS [a Globo no RS] no CARF [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da União]. O Presidente do TCU, Aroldo Cedraz, foi denunciado na Lava-Jato por suspeitas de tráfico de influência do filho Tiago Cedraz no Tribunal – o delator Ricardo Pessoa afirmou ter pago R$ 1 milhão ao filho do dirigente do TCU para traficar interesses da empresa UTC na Usina Angra 3.

Eis o funcionamento do TCU: o Presidente Cedraz foi reeleito à presidência do TCU em 02 de dezembro de 2015 e o conselheiro Nardes, que continua livre, leve e solto, elaborou o parecer mudando a metodologia de análise de contas para incriminar a Presidente Dilma; parecer que serviu de base para a fraude do pedido deimpeachment.

2. Tribunal Superior Eleitoral: as contas da eleição de 2014 de Dilma e Temer haviam sido aprovadas pelo Tribunal, porém o PSDB teve atendido pedido de desarquivamento para nova investigação. Gilmar Mendes faz uma acrobacia jurídica para abrir outro flanco de cassação da Presidente Dilma: defende que o dinheiro transferido à campanha Dilma/Temer por empresas envolvidas na Lava-Jato é originário de corrupção, ao passo que o dinheiro saído do mesmo caixa das mesmas empresas para a campanha do Aécio Neves/PSDB e da Marina Silva/PSB, ainda que em alguns casos em quantias superiores, é dinheiro limpo e legal.

Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Henrique Neves “costuram nos bastidores do TSE uma estratégia que pode levar à absolvição do vice-presidente Michel Temer nos quatro processos que pedem a cassação da chapa vitoriosa nas eleições presidenciais de 2014. O primeiro passo seria separar as contas de campanha dele [Temer] e da presidente” [OGlobo, 20.04.2016]. Gilmar – sempre o Gilmar, aquele dos capangas no Mato Grosso, segundo o ex-colega Joaquim Barbosa – justifica o casuísmo: “inicialmente o Tribunal tem uma posição contrária à divisibilidade, mas certamente podemos ter um quadro novo”.

3. Polícia Federal: pirotecnia, vazamentos de inquéritos, grampos telefônicos ilegais e fervor investigativo observam critérios de seletividade: contra o PT, a PF age como Polícia Política, e não como Polícia Judiciária. Em setembro de 2015, um delegado da PF fez uma “manipulação grotesca no despacho entregue ao STF [inquérito 3989] com o objetivo de incriminar o ex-presidente Lula e livrar a barra do PSDB”.

Em novembro de 2013, a PF apreendeu helicóptero de propriedade da empresa de Zezé Perrela [PTB], senador mineiro aliado de Aécio Neves, carregado com 450 kg de pasta base de cocaína, cujo valor foi estimado em R$ 10 milhões. “Não há, atualmente, por parte da Polícia Federal, nenhuma investigação em relação ao suposto envolvilmento da família Perrella com a droga do helicóptero e menos ainda sobre as relações dos governos tucanos em Minas Gerais com o trânsito suspeito da aeronave” [revista Fórum]O dono do “helicoca”, que segue livre, leve e solto, é um dos 21 julgadores doimpeachmentda Presidente Dilma na Comissão do Senado.

4. Judiciário: o juiz Sérgio Moro cometeu haraquiri funcional com o fim único de tumultuar o ambiente político e impedir a reação do governo Dilma. Em 4 de março, levou o ex-presidente Lula sob condução coercitiva ilegal para depor no aeroporto de Congonhas, de onde pretendia transferí-lo preso a Curitiba. Em 17 de março, gravou e divulgou ilegalmente conversas telefônicas da Presidente Dilma para criar um clima absurdo de suspeição a partir de diálogos coloquiais e, assim, impedir a nomeação de Lula para a Casa Civil – e conseguiu.

Moro, que com sua ousadia descaradainfringe todas as normas da magistratura, segue impoluto exercendo as funções que deveria ser impedido de exercer, estivesse o Brasil vivendo um tempo de normalidade no STF e no Conselho Nacional de Justiça.

5. Ministério Público: Aécio Neves e o PSDB aparecem em quase todas as listas de corrupção dos vários criminosos que fizeram acordo de delação premiada. Delcídio Amaral acusa Aécio de ocultar dados da quebra de sigilo do Banco Rural na CPI dos Correios, e de ser o comandante de um esquema tucano de corrupção em Furnas.

O Procurador-Geral da República ou não abre inquéritos ou então arquiva investigações. Em relação ao ex-presidente Lula, todavia, sua sanha condenatória não tem limites.

6. Supremo Tribunal Federal: o STF influi na anormalidade institucional quando toma decisões e quando decide não tomar decisões. Isso fica claro, por exemplo, nos quase 5 meses de não-decisão sobre Eduardo Cunha, que se mantém ilegalmente na Presidência da Câmara para cometer desvio de poder e patrocinar o crime do impeachment. Contra o governo, entretanto, o STF tomadecisão, sempre e quando a decisão serve para obstruir o funcionamento do governo e colaborar com a aceleração da espiral golpista, como é o caso da anulação da posse do ex-presidente Lula na Casa Civil e quando lava as mãos e não condena a insubsistência doimpeachment sem crime de responsabilidade, que jamais poderia ser admitido e votado pela Câmara dos Deputados.

Os golpistas partidarizaram as instituições de Estado para desfechar um golpe contra o mandato da Presidente Dilma e o Estado Democrático de Direito num processo totalmente maculado pela fraude e pela manipulação. Não há espaço para ilusão: os golpistas ferem a democracia para destruir os direitos do povo.


quarta-feira, 27 de abril de 2016

Políticas sociais contra a desigualdade



Não existe democracia vazia de cidadãos | BRASIL

"Temos que refinar o olhar sobre o que é democracia. A
democracia tem como base a 'construção' de cidadãos plenos de direitos à saúde, educação, transporte, moradia, saneamento, alimentação" | Ana Fonseca (Unicamp)

“A Constituição de 1988 foi um marco na garantia da saúde como direito e um passo importante para a universalização da cidadania, apesar de, passados 26 anos, ainda estarmos em construção”, afirma a pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Universidade de Campinas (Unicamp), Ana Maria Medeiros da Fonseca, uma dos idealizadoras do programa Bolsa Família e Brasil Sem Miséria. Ela lembra que, antes de 1988, existiam apenas as santas casas, os hospitais dos alienados e as instituições filantrópicas. “Saúde universal e gratuita como a que temos hoje, apesar das diferenças regionais e intermunicipais e das dificuldades que conhecemos, estava fora do nosso universo”.

Região e Redes: No campo da saúde é possível enxergar de forma transparente que o bem estar do cidadão necessita de um conjunto de ações e serviços públicos muito além do SUS. Mas em um país com as diferenças e desigualdades sociais, econômicas e políticas, qual o papel de um sistema universal de saúde, garantido na Constituição Federal?
Ana Fonseca: Quando  olho para a vida das pessoas da minha geração, lembro que naquele tempo existia apenas as santas casas, os hospitais dos alienados (que eram uma espécie de internato para os portadores de transtornos mentais), e as instituições filantrópicas. Saúde universal e gratuita como a que temos hoje, apesar das diferenças regionais e intermunicipais e das dificuldades que conhecemos, estava fora do nosso universo. Na época dos institutos de aposentarias e pensões (IAPs), o acesso à saúde era diferenciado por institutos e restrito aos trabalhadores urbanos com carteira assinada.
A Constituição de 1988 foi um marco na garantia da saúde como direito e um passo importante para a universalização da cidadania em nosso país, apesar de até hoje, passados 26 anos, ainda estarmos em construção. Ampliando o olhar para além da saúde, o direito universal à educação e, a partir de 2007, a introdução do direito à alimentação e segurança alimentar entre os direitos sociais, são conquistas da cidadania. No campo da saúde, ainda temos muito a avançar, conjugando esforços para enfrentar elementos que interferem na saúde: água potável, destino do lixo e outros.
Temos que refinar o olhar sobre o que é democracia e desconstruir o discurso reducionista que trata a democracia como se direito ao voto e discussões parlamentares, políticas, ideológicas e governamentais dessem conta desse conceito. Tudo isso é importante e quem viveu os anos de ditadura sabe que não é pouca coisa. Mas democracia tem como base também a “construção” de cidadãos plenos de direitos à saúde, educação, transporte, moradia, saneamento. É impossível pensar em uma democracia verdadeira que não dê acesso a saúde e educação a seus cidadãos. Que não garanta segurança alimentar ao povo, entre muitas outras necessidades básicas. Não dá para pensar uma democracia sem o povo com as necessidades atendidas. Não existe democracia vazia de cidadãos de direitos, titulares de direitos.

RR: Essa democracia é construção contínua…
AF: Sem dúvida. O que recuperamos com a redemocratização foi a possibilidade de reativar e reiniciar esse processo de mudança em direção a um país mais civilizado e equânime. Isso leva tempo. É um processo e não um evento, com data marcada. Desde a aprovação da Constituição temos avançado, ora mais lenta, ora mais rapidamente. O que jamais poderemos aceitar é a interrupção desse processo de empoderamento dos cidadãos.
Por isso, um país do tamanho do Brasil, com todas as suas diferenças e suas desigualdades profundas, não pode aceitar receitas prontas, fáceis ou sacrificantes. O papel dos governantes é realizar o que a Constituição nos garante e não reclamar e limitar nossas possibilidades de futuro. Afinal, quando se jura a Constituição ao assumir qualquer cargo político não é um ato banal nem retórico, é algo muito sério. Tem que cumprir.

RR: Nesse momento de crise, de dificuldades econômicas e políticas, como manter e até ampliar os avanços nas políticas pró-cidadania e no enfrentamento das diversas faces da desigualdade brasileira?
AF: Não tem segredo. Isso tudo tem um preço e, por isso, é preciso fazer o país retomar a trajetória de crescimento da economia para conseguir financiar o gasto social, e não adequar o gasto social ao orçamento menor que a crise nos impõe. Não dá só pra ficar administrando a crise e esquecer que temos um país por construir.
Mas para retomar com maior vigor ao processo de crescimento, precisamos enfrentar algumas questões que estão na base das desigualdades no Brasil. Precisamos de uma reforma tributária que seja mais justa: quem tem mais deve pagar mais tributos. Hoje temos o inverso: os mais pobres pagam mais do que os mais ricos. Essa é uma necessidade de décadas, nunca enfrentada. Tratar dos impostos sobre as grandes fortunas, sobre as heranças. Precisamos rever o pacto federativo, uma reforma urbana que torne nossas cidades mais civilizadas. Pra ficar em apenas três exemplos. Mas antes disso tudo, precisamos de uma ampla e profunda reforma política para que o país eleja representantes de fato preocupados com as necessidades da população e com a soberania do Brasil. Aqui o assunto do financiamento privado das campanhas é crucial. Político que não nos envergonhem, mas que saibam de suas responsabilidades na construção de um país menos desigual. A reforma política é a primeira, a mãe de todas as reformas. Senão, corremos sérios riscos de ter cada vez mais políticos comprometidos com interesses particulares, de bancadas, partidos e financiadores de campanha. Como falei, avançamos muito, mas acelerar e consolidar as conquistas passa por essas reformas.

RR: Nesse enfrentamento das desigualdades, qual o papel das políticas sociais focalizadas?
AF: As políticas sociais colocadas em prática no Brasil foram importantíssimas para o país avançar em várias frentes. Em algumas, como enfrentamento à miséria, à pobreza e à fome, temos reconhecimento internacional pela excelência e sucesso dos programas de transferência de renda e de segurança alimentar. Não foi pouco o que se fez nas últimas décadas.
As políticas universais, como o SUS, têm um papel central para melhorar a vida dos brasileiros. Mas, para atingir os que mais precisam, foi preciso direcionar um esforço específico. Foi assim, por exemplo, com o Bolsa Família; o Minha Casa Minha Vida; o Luz Para Todos; o Brasil Sorridente; o Um Milhão de Cisternas; as cotas nas universidades para negros, índios, estudantes de escolas públicas; além dos programas de qualificação profissional, acesso a medicamentos e a serviços médicos. Tudo isso tem o seu papel e trouxe ao país avanços significativos.
Mas há uma discussão na sociedade entre a universalidade versus a focalização. Acho que deveríamos mudar essa lógica e entender que, até para oferecermos e consolidarmos as políticas universais, é preciso compreender as especificidades de cada local, região ou comunidade. Assim garantimos um acesso mais equânime ao que é ofertado por essas políticas.
Na criação do Plano Brasil Sem Miséria, observamos com base do Censo 2010 do IBGE que não era possível que o Programa Bolsa-Família continuasse a pagar por um número máximo de crianças, pois na região Norte do Brasil, as famílias eram mais numerosas quando comparadas às demais regiões. Apenas tirando esse limite, conseguimos incluir cerca de 1,3 milhão de crianças no programa. Para conseguirmos universalizar, temos que ter um farol: a equidade. Mais uma vez, não se faz nada disso sem recurso e a disputa por esses recursos são muito intensas. Quando o Ministério da Saúde mudou os critérios do Piso da Atenção Básica (PAB), que era de um único valor para todo o Brasil, e criou faixas de repasse, introduziu a equidade no plano dos territórios. Nas decisões sobre onde construir, ampliar ou reformar os postos de saúde, o olhar estava voltado aos chamados vazios assistenciais em relação a população residente nas localidades.

RR: A senhora acredita que as políticas sociais universais ou focalizadas estão consolidadas no Brasil, ou ainda correm riscos de interrupção ou fragmentação?
AF: Com certeza esse risco existe. Aquilo que está na Constituição como direito (SUS, educação, alimentação) corre um risco um pouco menor, mas os programas sociais certamente correm um risco sério. No ano passado, o relator da Lei Orçamentária Anual (LOA), que estabelece as diretrizes para o uso dos recursos do Orçamento da União, sinalizou com um corte de 18 milhões de famílias no Bolsa Família para diminuir o gasto com o programa. Não passou porque foram muitos os protestos e os argumentos.
Vivemos uma política de ajuste contínuo e de cortes em orçamentos que põem em risco programas essenciais para os cidadãos atendidos por essas políticas. Recentemente, um partido político lançou um documento chamado “Uma ponte para o futuro” que deixa claro qual seria uma proposta para o Brasil sair crise. O foco seria ampliar o ajuste fiscal e controlar a inflação. Para isso, propõe o fim das vinculações (obrigatoriedade) de gastos dos governos com saúde e educação. Fala-se também em acabar com a vinculação das aposentadorias com os aumentos do salário mínimo, que foi o grande fator de distribuição de renda e ascensão social nas últimas décadas.
Quer dizer, querem gerir a crise à custa da pequena parte do orçamento (em proporção a outros gastos) que é destinada aos mais pobres. Esse discurso da necessidade de ajustes permanentes, superávits, cortes sociais tem uma penetração forte na mídia e, através dela, na sociedade, principalmente entre aqueles que dependem menos desses benefícios. Concordo que temos que controlar a inflação e reequilibrar a economia, mas não à custa dos direitos e das políticas sociais. Sufocar financeiramente é a melhor maneira de se destruir uma política.
Nós temos que fazer outras escolhas para trazer mais recursos para as políticas sociais. Taxar as grandes fortunas, diminuir a taxa de juros, deixar de transferir mais de 45% dos recursos do país para os rentistas. Há caminhos que não são fáceis. A sociedade precisa estar consciente para reafirmar que país ela quer construir e deixar para as futuras gerações.

RR: Olhando para o futuro, depois das conquistas de inclusão e distribuição de renda que o país experimentou nas últimas décadas, quais os próximos passos para consolidar todas essas conquistas e garantir uma maior inclusão pela cidadania?
AF: Em primeiro lugar o Brasil precisa fazer um esforço para realizar aquelas reformas das quais já falei, com destaque para a reforma política. O Brasil reduziu bastante a pobreza e a miséria, mas a diminuição na desigualdade foi mais acanhada. Exatamente porque requer mudanças estruturais. Só vamos seguir avançando se atacarmos esse cerne que dá sustentação à nossa histórica desigualdade.
Enfrentar as desigualdades requer ações ainda mais amplas de educação, saúde, saneamento, moradia, acesso à terra com apoio técnico e financeiro e muito mais. Por exemplo, quando do lançamento do Pronatec, nas regiões mais carentes, o desafio foi preparar as instituições de excelência do Sistema S e dos Institutos Federais para receberem pessoas que tinham apenas o letramento inicial. Como adaptar isso a esse público que agarrava a oportunidade com as duas mãos?
Precisamos de um Estado que tenha como orientação o desenvolvimento político, econômico e social. Caso contrário, as políticas sociais não caberão no orçamento, principalmente em governos que pregam a mínima presença do Estado na economia e na sociedade. No Brasil, falar em Estado mínimo é desrespeitar a Constituição logo de saída para qualquer debate. É uma proposta incompatível com os ideais da democracia.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O artigo do The Guardian que detonou com a mídia do Brasil e enfureceu a Globo

O artigo que enfureceu a família Marinho



Do blog O Cafezinho:

Artigo no jornal britânico The Guardian provocou forte reação das Organizações Globo. Por meio de seu vice-presidente, João Roberto Marinho, o grupo Globo insistiu para que tivesse um direito de resposta ao texto. No entanto conseguiram apenas publicar uma carta em inglês na área de comentários da matéria.

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A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment

Por David Miranda, no The Guardian

A história da crise política no Brasil, e a mudança rápida da perspectiva global em torno dela, começa pela sua mídia nacional. A imprensa e as emissoras de TV dominantes no país estão nas mãos de um pequeno grupo de famílias, entre as mais ricas do Brasil, e são claramente conservadoras. Por décadas, esses meios de comunicação têm sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que a grande desigualdade social (e a irregularidade política que a causa) permanecesse a mesma.

Aliás, a maioria dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis para quem é de fora – apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as oligarquias do país. Esse evento histórico chave ainda joga uma sombra sobre a identidade e política do país. Essas corporações – lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um governo progressista democraticamente eleito. Soa familiar?

Por um ano, esses mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se organiza e demanda a derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e do Partido dos Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes multidões protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.

Mas o que muitos fora do Brasil não viram foi que a mídia plutocrática do país gastou meses incitando esses protestos (enquanto pretendia apenas “cobri-los”). Os manifestantes não representavam nem de longe a população do Brasil. Ao contrário, eles eram desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas que se opuseram ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.

Aos poucos, o resto do mundo começou a ver além da caricatura simples e bidimensional criada pela imprensa local, e a reconhecer quem obterá o poder uma vez que Rousseff seja derrubada. Agora tornou-se claro que a corrupção não é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a presidente reeleita do Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o pretexto.

O partido de Dilma, de centro-esquerda, conseguiu a presidência pela primeira vez em 2002, quando seu antecessor, Lula da Silva, obteve uma vitória espetacular. Graças a sua popularidade e carisma, e reforçada pela grande expansão econômica do Brasil durante seu mandato na presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais seguidas – incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua reeleição com 54 milhões de votos.

A elite do país e seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus esforços para derrotar o partido nas urnas. Mas plutocratas não são conhecidos por aceitarem a derrota de forma gentil, ou por jogarem de acordo com as regras. O que foram incapazes de conseguir democraticamente, eles agora estão tentando alcançar de maneira antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos – evangélicos extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a volta do regime militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma – para simplesmente derrubarem ela do cargo.

Inclusive, aqueles liderando a campanha pelo impeachment dela e os que estão na linha sucessória do poder – principalmente o inelegível Presidente da Câmara Eduardo Cunha – estão bem mais envolvidos em escândalos de corrupção do que ela. Cunha foi pego ano passado com milhões de dólares de subornos em contas secretas na Suíça, logo depois de ter mentido ao negar no Congresso que tivesse contas no exterior. Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas de que agiu para esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não ser detectado e evitar responsabilidades fiscais.

É impossível marchar de forma convincente atrás de um banner de “contra a corrupção” e “democracia” quando simultaneamente se trabalha para instalar no poder algumas das figuras políticas mais corruptas e antipáticas do país. Palavras não podem descrever o surrealismo de assistir a votação no Congresso do pedido de impeachment para o Senado, enquanto um membro evidentemente corrupto após o outro se endereçava a Cunha, proclamando com uma expressão séria que votavam pela remoção de Dilma por causa da raiva que sentiam da corrupção.

Como o The Guardian reportou: “Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro. ‘Pelo amor de Deus, sim!’ declarou Silas Câmara, que está sob investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.”

Mas esses políticos abusaram da situação. Nem os mais poderosos do Brasil podem convencer o mundo de que o impeachment de Dilma é sobre combater a corrupção – seu esquema iria dar mais poder a políticos cujos escândalos próprios destruiriam qualquer carreira em uma democracia saudável.

Um artigo do New York Times da semana passada reportou que “60% dos 594 membros do Congresso brasileiro” – aqueles votando para a cassação de Dilma- “enfrentam sérias acusações como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro e homicídio”. Por contraste, disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre as principais figuras políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para si mesma”.

O chocante espetáculo da Câmara dos Deputados televisionado domingo passado recebeu atenção mundial devido a algumas repulsivas (e reveladoras) afirmações dos defensores do impeachment. Um deles, o proeminente congressista de direita Jair Bolsonaro – que muitos esperam que concorra à presidência e em pesquisas recentes é o candidato líder entre os brasileiros mais ricos – disse que estava votando em homenagem a um coronel que violou os direitos humanos durante a ditadura militar e que foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu filho, Eduardo, orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles que lideraram o golpe.

Até agora, os brasileiros têm direcionando sua atenção exclusivamente para Rousseff, que está profundamente impopular devido à grave recessão atual do país. Ninguém sabe como os brasileiros, especialmente as classes mais pobres e trabalhadoras, irão reagir quando virem seu novo chefe de estado recém-instalado: um vice-presidente pró-negócios, sem identidade e manchado de corrupção que, segundo as pesquisas mostram, a maioria dos brasileiros também querem que seja cassado.

O mais instável de tudo é que muitos – incluindo os promotores e investigadores que tem promovido a varredura da corrupção – temem que o real plano por trás do impeachment de Rousseff é botar um fim nas investigações em andamento, assim protegendo a corrupção, invés de puni-la. Há um risco real de que uma vez que ela seja cassada, a mídia brasileira não irá mais se focar na corrupção, o interesse público irá se desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder estarão hábeis para explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as investigações e se protegerem.

Por fim, as elites políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia. Isso é um jogo imprevisível e perigoso para se jogar em qualquer lugar, porém mais ainda em uma democracia tão jovem com uma história recente de instabilidade política e tirania, e onde milhões estão furiosos com a crise econômica que enfrentam.”


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Leia a carta dos Marinho publicada na área de comentários do The Guardian:

domingo, 24 de abril de 2016

Mujica: Democracia é acrescentar o sentimento de humanidade e igualdade para todos


PEPE MUJICA EM OURO PRETO (MG)

"Minha pátria se chama América Latina! Porque democracia não é só votar a cada 4 anos, é acrescentar o sentimento de humanidade e igualdade para todos os homens." - O ex presidente uruguaio Pepe Mujica encerra seu discurso falando sobre os princípios de luta dos países latinos e das reivindicações dos movimentos sociais.

Foto: Gustavo Ferreira / Sô Fotocoletivo



Pronunciamento do senador e ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, durante solenidade da Medalha da Inconfidência - 21/4/16

Mineiros e mineiras, a vida me ensinou algumas coisas. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar. Mas vocês têm de saber que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o caminho mesmo, é o andar mesmo. Nossa luta é muito velha. São falsos os términos.

 Esquerda e direita são inventos da Revolução Francesa. Na realidade, são caras permanentes da condição humana, como as caras de uma moeda, e fluem e refluem permanentemente na história.
E penso que talvez seja uma luta eterna com fluxos e refluxos, com pontos de partida, com quedas e voltar-se a levantar.

Há que se aprender que, na vida, as causas nobres necessitam de coragem sempre para voltar e começar.

Eu sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta.
Ser do sul não é uma posição geográfica, é um resultado histórico.

E venho ao Brasil, tenho cultivado amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou não será. Porque é enorme o conhecimento e ciência que nos tiraram o mundo central.  Porque perdemos nossos melhores filhos, porque lhes pagam melhores salários no mundo central, porque estamos entrando em uma outra era, globalizada, de comunicações, onde a fronteira é mais de negócio do que de amparo e justiça aos povos.

E todos sabemos que a democracia nunca será perfeita, e não pode ser, porque é uma construção humana e os seres humanos não são deuses. Não.

Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos em lugares diferentes, porque pertencemos a classes diferentes, porque geneticamente temos matizes em nossos programas. Porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira pelo que foi. Os homens são semelhantes, mas cada um é particular, diferente, e como não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos.

Não podemos viver sozinhos, somos sociais. Ninguém pode viver sozinho. Precisamos de um cardiologista, de um mecânico, de um professor para nosso filho. Precisamos de alguém que dirija o ônibus, de alguém que nos ampare na vida, de uma parteira quando nascemos e de alguém quando morremos.

Porque somos sociais e temos defeitos, porque somos diferentes, há conflitos. Por isso, precisamos da política. Tem razão Aristóteles: o homem é um animal político, porque a função da política não é gerar corrupção e acomodar gente. A função da política é colocar limite à dor e à injustiça. A função da política é lutar por um mundo melhor e também buscar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é aplastar. A função da política é negociar as inevitáveis diferenças que se apresentam na sociedade.

Porque insisto nesse ponto? Porque o pior resultado que se pode ter para as novas gerações é o conflito que se está vivendo no Brasil, e que pode fazer com que muitos jovens cheguem à conclusão de que a política não serve para nada, e são todos iguais.

E caso essa juventude se recolha e que cada um for cuidar apenas de si, é o mesmo que construir a selva. Todos contra todos. Há que salvar a política. Há que dar estatura à política, e isso não é um problema de partido, é um problema do Brasil.

Pior que as derrotas é o desencanto.
Viver é construir esperanças, esperanças de um mundo melhor.  O que seria da vida sem sonho, sem esperança, sem utopia, sem alegria de viver, o que seria da nossa existência? Um negócio calculado, uma mercadoria que se compra e que se vende.

Não, a espécie humana é outra coisa, é contraditória mas tem sentido e tem sentimento. Se você tem um casal de filhos de três ou quatro anos e leva um jogo só para um, verá que você tem um problema. Porque o outro sente que você não o tratou com igualdade. Porque, companheiros, a igualdade a gente tem dentro de nós, antropologicamente. Não se toma a igualdade como desejo de ser tudo igualzinho, como tijolo, todos alinhados. O sentimento de igualdade é ter o direito às mesmas oportunidades na vida, e quanto nos falta, latino-americanos, para poder dar oportunidade aos milhões que ficam à margem do caminho da nossa pobre América!

Com minha companheira, estivemos 30 anos presos, mas a vida nos deu o prêmio de viver e nada é mais bonito que a vida. Mas sobretudo os jovens devem saber: há que se cuidar da vida, há que semeá-la, há que colocá-la a serviço de uma causa nobre. Aprendam a viver, e tem de trabalhar para viver, porque senão viverás às custas dos outros.

A vida não é só trabalhar. Tem de assegurar tempo para viver, amor, filhos, para os amigos, que nesta vida não é felicidade acumular dinheiro. O problema é acumular carinho e servir para algo.

A diferença é como vemos a vida, se a vida é só egoísmo ou a vida é também solidariedade, “hoje por mim, amanhã por você”.

Mineiros, o Brasil é muito grande, muito forte, mas tem muitas feridas. Há que defendê-lo, mas há que se entender que já não estamos no século passado e o desafio é outro. Estão construindo unidades mundiais de caráter gigantesco, como a comunidade econômica europeia, e que se os latino-americanos não conseguirem uma voz comum no concerto internacional, não seremos nada.

Do mundo que nos vê em cima, os frágeis têm de se unir com os frágeis para ser menos frágeis. É isso que temos de começar a entender. A burguesia que conduz a economia não pode sair a colonizar. Há que juntar aliados, porque essa batalha é no mundo inteiro.

Eu me sinto muito uruguaio, e sou brasileiro porque sou americano, porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina. Meus irmãos, todos os pobres esquecidos da América Latina. Os que não chegaram em nenhum lugar, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos, os esquecidos, porque democracia não é só votar a cada quatro ou cinco anos. Democracia é acrescentar o sentimento de igualdade da realidade e igualdade básica entre os homens.

Com vocês até sempre. Obrigado, mineiros.



sábado, 23 de abril de 2016

Inaceitável a apologia à tortura e a disseminação de preconceitos, por Marcelo Freixo

Marcelo Freixo
Do seu facebook



É inaceitável a apologia à tortura, Este debate supera governo e oposição, Supera direita e esquerda. Todos devem se manifestar contra à tortura. A extrema-direita deve ser combatida.

Clique abaixo para assistir:

Inaceitável a apologia à tortura e a disseminação ... - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=ddp1rWnqUg0
3 dias atrás - Vídeo enviado por Marcelo Freixo
Inaceitável a apologia à tortura e a disseminação de preconceitos. Marcelo Freixo







Inaceitável a apologia à tortura e disseminação de preconceitos



O que assistimos no domingo passado, no Congresso Nacional, são as vísceras apodrecidas e expostas de um Congresso que a população se assustou ao conhecer.
É inaceitável que membro do congresso faça uma homenagem à tortura. Muita gente morreu e foi torturada para que este congresso esteja aberto. É crime ir ao microfone para defender Coronel Ustra, um dos maiores símbolos da tortura. Isso foi feito domingo, ao vivo. Isso é um desrespeito à memoria dos nossos mortos e a todos que acreditam na democracia. Não pode ser tolerado. É necessário que todos os partidos falem sobre isso. Não é exclusivo da esquerda. Não é possível se calar porque, neste caso, a conivência é muito perigosa.
O que mais surpreende é que esta direita fascista e covarde tem como ideólogo e referência o senhor Olavo de Carvalho. Ontem (19), este senhor fez uma postagem em suas redes sociais, que é absurda e repleta de falta de informação em suas redes sociais: menciona que uma pessoa, só por ser homossexual, tem HIV e o vírus é transmitido por saliva. Olavo de Carvalho não é vítima da ignorância: ele promove a ignorância, do preconceito e de senso comum. Ele estimula a discriminação sobre milhares de pessoas.
É simplesmente inaceitável.



sexta-feira, 22 de abril de 2016

Uma pergunta para a posteridade responder: por que o STF não julgou o pedido de afastamento de Cunha?

 ¨O que o STF tinha de tão importante para fazer, nestes meses todos, para não encontrar tempo para apreciar o pedido de afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara?

¨É uma loucura, é uma insanidade, é uma estupidez, é uma irracionalidade. E é uma bofetada na sociedade. Os eminentes ministros têm, por acaso, alguma coisa de maior relevância para avaliar do que um assunto que não apenas paralisou o país como dividiu em duas a sociedade? 
Não há explicação possível para tamanha agressão à lógica e para tamanho dano ao Brasil.¨


por : 
Reformar o Judiciário e o STF é imperioso
Reformar o Judiciário e o STF é imperioso

Algumas perguntas só a posteridade poderá – talvez – responder.
Uma é já clássica: como, sob provas esmagadoras de achaques e roubalheiras, Eduardo Cunha comandou – e manipulou – todo o processo de impeachment na Câmara dos Deputados?
O resultado dessa aberração foi a histórica sessão da Câmara que desmoralizou os deputados federais não apenas perante os brasileiros, mas diante do mundo.
Uma segunda pergunta, não menos vital, é esta: o que o STF tinha de tão importante para fazer, nestes meses todos, para não encontrar tempo para apreciar o pedido de afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara?
A saída de Cunha foi pedida ao STF em 15 de dezembro passado pelo procurador geral Janot. A reivindivação foi entregue ao ministro Teori Zavascki. Quatro meses depois, uma eternidade para os padrões de turbulência destes dias, Teori ousou dizer que não há prazo ainda para a avaliação do caso Cunha.
É uma loucura, é uma insanidade, é uma estupidez, é uma irracionalidade.E é uma bofetada na sociedade. Os eminentes ministros têm, por acaso, alguma coisa de maior relevância para avaliar do que um assunto que não apenas paralisou o país como dividiu em duas a sociedade?
Não há explicação possível para tamanha agressão à lógica e para tamanho dano ao Brasil.
Observe a agenda do STF. Tente achar qualquer coisa mais preciosa e urgente do que o caso Cunha.
Não poderia haver propaganda pior contra o STF e contra o Judiciário do que a morosidade indefensável com que ela tratou o pedido de afastamento de Cunha.
É como uma equipe médica que espera o paciente morrer para tomar alguma atitude que poderia salvá-lo.
Ver Eduardo Cunha julgado está e estava faz tempo longe de ser um anseio petista e da esquerda. Mesmo os analfabetos políticos que saem às ruas de camisa amarela não suportam mais ver Cunha em gozo de extrema tranquilidade depois de ter feito tudo o que fez e faz.
Uma absoluta falta de transparência na montagem da agenda contribuiu para que o STF arrastasse à exaustão uma decisão sobre um assunto tão premente para o país.
Num mundo menos imperfeito que o nosso, o presidente do STF viria a público dar satisfações sobre o caso Cunha.
Sobretudo, diria quando os juízes iriam julgar o pedido de afastamento, e explicaria a razão da data. Não no português ridículo e pomposo em que se expressam os eminentes juízes, mas em linguagem acessível a todos.
Num livro que li sobre a Suprema Corte Americana, uma autoridade diz que não existe decisão mais importante para um presidente do que a escolha de um juiz para compô-la.
Fica brutalmente exposta a inépcia dos presidentes que escolheram os juízes que formam nossa Suprema Corte, descontadas as raras exceções.
Não é apenas o poder político que se mostrou putrefato nesta crise. Também o Judiciário provou não estar à altura de um país que aspira a ser civilizado.
Reformar a Justiça é tão imperioso quanto reformar o sistema político, como demonstra a lentidão criminosa como foi tratado o pedido de afastamento de Eduardo Cunha.