segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Os difíceis caminhos da reconstrução das esquerdas, por Aldo Fornaziere

Jornal GGN

Esquerdas: dos escombros à reconstrução?
por Aldo Fornazieri
As eleições municipais - primeiro e segundo turno - tiveram o efeito de uma bomba termobárica sobre o PT em particular e sobre a esquerda em geral. Com os resultados, as estruturas institucionais de poder foram drasticamente reduzidas. Isto importa perda de capacidade de articulação, de mobilização e de interação política e social. No segundo turno, a derrota do PT foi ampliada: não venceu em nenhuma prefeitura que disputou e do chamado cinturão vermelho da Grande São Paulo não sobrou nada. Em que pese as boas votações no Rio de Janeiro e em Belém, o PSol não consegui se viabilizar como a alternativa de esquerda que imaginava ser.
Das eleições emergiu um cenário que já se tornou mais ou menos óbvio: o grande vitorioso é o PSDB, com o fortalecimento de Alckmin e enfraquecimento de Aécio Neves; partidos pequenos e médios, situados ao centro e à direita, se fortaleceram, o que poderá dificultar a reforma partidária e a introdução da cláusula de barreira; com a vitória de Crivella se fortalece o projeto político da Igreja Universal e o conservadorismo no âmbito dos direitos civis e individuais e no terreno dos valores e costumes; o bloco de sustentação do governo Temer deverá prolongar a sua unidade reforçando a tendência de aprovação de reformas conservadoras; com  viabilização do governo Temer, seja pelas vitórias eleitorais do campo que o apóia seja pela aprovação da PEC 241 por ampla margem na Câmara dos Deputados, a ameaça de afastamento do presidente  pela via de decisão do TSE foi praticamente afastada.
A contraparte do avanço do conservadorismo é a desmobilização, a desorganização, a desorientação, a fragmentação e a cisão das esquerdas. O "fora Temer" perdeu a capacidade mobilizadora e se tornou uma espécie de lamento de inconformados. O combate à PEC 241 foi pífio e as esquerdas e movimentos sociais não foram capazes de apontar uma alternativa. As Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo vivem um momento de perda de capacidade de articulação e mobilização. Os novos movimentos sociais, dos estudantes que ocupam escolhas aos movimentos de periferia, dos grupos feministas e LGBTs aos círculos e grupos sociais, o que há é uma rejeição e críticas aos partidos de esquerda. Das lideranças democráticas e progressistas, o único que saiu ileso e relativamente fortalecido desse processo foi Ciro Gomes.
As ilusões das esquerdas e os difíceis caminhos da reconstrução
A maior ilusão do PT consiste em alimentar a crença de que um possível fracasso do governo Temer poderá significar a sua ressurreição em 2018. Muitos petistas não se deram conta do que aconteceu com o partido: ele é odiado, rejeitado pelas pessoas em geral e por parcela grande de trabalhadores e classes médias. A recuperação do PT demandará anos. A derrota eleitoral poderá se ampliar em 2018, com uma grave redução de sua bancada federal e com o quase desaparecimento de sua força no Senado. Dos 10 senadores do partido, 8 terão que buscar a reeleição nesse quadro difícil.
Convém lembrar que se o PSDB vencer as eleições em 2018, terá demorado 16 anos para voltar ao poder. O PSDB saiu do governo enfraquecido, mas não destruído. Manteve estruturas de poder e a condição de ser um dos polos da disputas presidenciais em todas as eleições. O PT enfrenta graves limitações de poder e de capacidades políticas e intelectuais. Se nada de extraordinário acontecer, terá que passar uma geração para que o partido possa adquirir maior potência política.
A grande ilusão do PSol é a de que ele poderá ocupar o espaço e a importância que o PT teve. Ocorre que o processo de ascensão do PT se deveu à combinação de uma série de singularidades, ocasiões, circunstâncias, capacidades e lideranças, força política e social e virtuosidades que dificilmente se repetirá na história. O lugar que cada ator pretende ocupar no espaço político não depende apenas da vontade, mas da ocorrência dessas singularidades. Ademais, as idiossincrasias internas do PSol também são um fator limitante ao seu crescimento. O partido deveria se dar por muito satisfeito, levando em conta o que ele é hoje, se um dia chegasse a 10% dos votos nacionais. Já o PC do B, com seu aguçando senso de realismo, parece compreender melhor o espaço político que pode ocupar.
Em que pesem essas ilusões e a paralisia dos partidos ocorrem algumas importantes iniciativas com o objetivo de encontrar novos caminhos para as esquerdas. Duas delas são confluentes numa perspectiva estratégica. A primeira delas diz respeito à ideia da organização de uma frente democrática e progressista, não só para enfrentar as eleições de 2018, mas para criar um campo unificado de partidos e movimentos sociais, mantendo as respectivas pluralidades,  tendo em vista uma perspectiva de futuro. A segunda propõe a realização de um processo de prévias, com filiados e não filiados aos partidos progressistas e de esquerda, visando definir as candidaturas para 2018 e elaborar um programa de governo. Esse processo poderia servir também como instrumento de organização de uma frente. A dificuldade dessas iniciativas reside na pouca propensão dos partidos de esquerda de se unirem, mesmo na desgraça.
Outras iniciativas articulam a estruturação de institutos de estudos e debates, grupos e movimentos políticos e reunião de entidades e movimentos visando enfrentar a pauta conservadora e construir uma agenda política em face da paralisia dos partidos. Os movimentos sociais autônomos devem continuar crescendo e se mobilizando em torno de pautas específicas. Mesmo que sejam refratários aos partidos há a necessidade de construir um diálogo democrático com os mesmos com o objetivo de elaborar um programa universalizante. Os movimentos autônomos que surgiram nos últimos anos, em vários países, foram importantes nas mobilizações, mas mostraram os seus limites nos embates contra as estruturas de poder existentes.
Os imponderáveis da conjuntura
A esmagadora vitória dos partidos conservadores poderá encontrar alguns percalços na caminhada para a sua consolidação rumo as eleições presidenciais. O maior dele são as imponderalibilidades e incertezas que podem brotar da Lava Jato, com as delações da Odebrecht e, possivelmente, de Eduardo Cunha. Essas delações podem provocar estragos nas lideranças nacionais do PSDB e do PMDB. É certo que há movimentos para frear a Lava Jato, anistiar o "caixa 2" e limitar as investigações de corrupção. Alguns desses movimentos são, inclusive, respalados pelo PT em mais um de seus equívocos na vã esperança de que poderá salvar alguns de seus líderes. Essas limitações, anistias e freios visam salvar os políticos do PSDB e do PMDB já que estes ainda não se tornaram réus. Mesmo que essas limitações e anistias venham as ser implementadas, não beneficiarão os petistas, alguns já condenados e outros já réus por imputações que não são de "caixa 2".
As esquerdas precisam distinguir o que são arbitrariedades da Lava Jato da necessidade de investigar e punir também os políticos do PSDB e do PMDB. Devem exigir a renúncia dos ministros citados e denunciar a proteção que se procura estabelecer para o atual governo. Se é verdade que a indignação contra a corrupção foi seletiva, caso não haja uma forte campanha de denúncias contra essas manobras protecionistas, o PT passará para a história carregando com exclusividade o ônus da corrupção do nosso tempo.
O segundo percalço que pode ocorrer é o fracasso do governo Temer e a cisão do seu bloco de sustentação. O programa do governo, sem dúvida, deverá aumentar o desemprego, precarizar as relações  de trabalho, reduzir direitos e provocar o fechamento de fábricas e indústrias. Este tipo de programa, mais radical do que os anos de neoliberalismo de FHC, tende a cindir a base e provocar mobilizações sociais. Dada a crise econômica, o governo tem pouca margem de manobra para enfrentar essa possível situação. O que poderá sobrevir dessas imponderabilidades é imprevisível. Não de pode descartar a possibilidade de um candidato outsider ou aventureiro triunfar em 2018.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.  

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

kalil poder ser usado pelo eleitor para derrubar o "principado" que se criou em BH

De Apolo Heringer
Jornal O Tempo

"Alexandre Kalil pode ser esse instrumento azarão, sem saber nem querer. Poderemos, neste domingo, por vias pouco ortodoxas, quebrar algumas estruturas do mal aqui instalado e abrir brechas para o processo de mudanças na capital e em Minas."

Leia mais abaixo
Alexandre Kalil ou João Leite?  

A sociedade sofre diante deste segundo turno em Belo Horizonte. Alguns pensam anular o voto. Não poderiam defender o nome nem a gestão de nenhum dos candidatos e rejeitam o sistema eleitoral e partidário. Mas anular o voto passa a ideia de incapacidade de decidir. O voto sempre pode ser para melhor ou para pior, independentemente da pessoa. A eleição em BH poderá ter maior impacto político que a do Rio de Janeiro.


João Leite herda a rejeição à insensibilidade social do PSDB. Aécio Neves e Antonio Anastasia promoveram a aliança que elegeu Zezé Perrella para o Senado, além do senador Clésio Andrade, que renunciou para escapar do STF. O partido se notabilizou pelo assédio à liberdade de expressão de jornalistas e descumpriu promessas públicas de cuidar do meio ambiente. Anulou a gestão da Semad, sendo responsável pelo caos hídrico e o desastre da mineração. A gestão das bacias dos rios Doce e São Francisco foram ardilosamente jogadas no colo da Fiemg, por meio de contratos de gestão com associações empresariais, o que equivaleu a colocar a raposa tomando conta do galinheiro. Chamando-as de Peixe Vivo, deixou-as sem pagar pela água que utilizam para fazer lucros privados em detrimento do meio ambiente.

Alexandre Kalil é livre atirador empresarial, disputando um mandato político após ter sucesso como dirigente de um clube no país do futebol. Desbocado, com atitudes demagógicas, espera agradar o povão, que paga para ver. Seus adversários o acusam de atos que também praticam – o sujo xingando o mal-lavado. Mas circunstâncias especiais poderão torná-lo instrumento para desconfigurar o jogo que nos tem sufocado na Assembleia e na Câmara de Vereadores, além de derrubar o “principado” que se criou com a figura de Marcio Lacerda, que resolveu ser autor de si mesmo, mas acabou somando as rejeições de Aécio e Anastasia.

Às vezes, as coisas certas acontecem por linhas tortas, diz o saber popular, cuja intuição costuma decidir eleições. Daí a criatividade ser essencial. Os segmentos que sabem das consequências políticas diferentes desta eleição não querem se omitir. Está-se criando a figura do voto de camisinha, o voto precavido, o voto calculado, sem beijo na boca, sem a intenção de procriar. Ou o voto homeopático, de usar um veneno contra um veneno maior, tornado voto consciente, visando abrir um campo, independentemente e apesar do candidato. O eleitor usa o candidato em vez de ser usado.

Alexandre Kalil pode ser esse instrumento azarão, sem saber nem querer. Junho de 2013 não acabou e alimenta o atual processo nacional usando canais inimagináveis. Poderemos, neste domingo, por vias pouco ortodoxas, quebrar algumas estruturas do mal aqui instalado e abrir brechas para o processo de mudanças na capital e em Minas. Os desdobramentos futuros irão depender do juízo e capacidade das lideranças emergentes que agem junto ao povo e pretendem mudar o Brasil, agora que o PT, em colapso, liberou tantas energias. E essas forças novas poderão fazê-lo, desde que troquem de roupa e deixem seus cacoetes ideológicos anacrônicos que os isolam da sociedade.

STF quer acabar com o direito constitucional de greve de servidores

"Não importa se a reivindicação é justa. Não importa se é um direito. Não importa se não é abusiva. Não importa.
Não deve mesmo importar aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao teto de vencimentos do funcionalismo público. Tampouco deve importar aos demais juízes, que ganham acima do teto."

Dois artigos do site Justificando analisam a decisão do STF, leiam:

Justicando:

Entre a vida e a greve

Entre a vida e a greve

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu que servidor público deve escolher entre a vida e a greve.
Isso mesmo. Apesar de ser um direito constitucional de primeira grandeza, daqueles que faziam a Constituição brasileira ser reconhecida e festejada mundo afora, a greve deixou de existir.
A maioria do tribunal entendeu que o gestor público tem o dever de cortar o pagamento dos grevistas. Ou seja, se você entrar em greve, para protestar por melhores condições de trabalho, por igualdade de gênero, contra o arrocho, pela democracia, pela saúde, pela segurança, pela educação, ficará sem salário.
Não importa se a reivindicação é justa. Não importa se é um direito. Não importa se não é abusiva. Não importa.
Não deve mesmo importar aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao teto de vencimentos do funcionalismo público. Tampouco deve importar aos demais juízes, que ganham acima do teto.
Mas certamente importa aos professores, cujo piso salarial é de pouco mais de 2 mil reais que garantem a vida de sua família. Mas agora eles serão obrigados escolher entre a vida e a greve.
A decisão do Supremo Tribunal Federal parece ter sido feita por encomenda. A PEC 241, o desastre das políticas sociais brasileiras, certamente inviabilizará a continuidade de muitos programas e precarizará outros tantos. Votada por um Congresso Nacional apodrecido e amparada por um governo cuja legitimidade não virá, a PEC 241 seria objeto de muitos protestos e greves: contra a PEC 241 por uma educação de qualidade; contra a PEC 241 por uma saúde pública universal. Contra a PEC 241 pela Constituição!
A situação que se desenha é, portanto, curiosa. Se protestar, o salário é cortado e a opção é entre a vida e a greve. Se não fizer protesto e a PEC 241 for aprovada, a escolha é entre a morte a greve.
Seria cômico se não fosse trágico. A única opção dada pelo tribunal para não cortar salários seria quando o poder público estivesse praticando ato ilegal, como atrasar pagamentos. Elementar! Se o servidor já não recebe o seu salário, e por isso entra em greve, não há o dever do gestor em descontar o pagamento.
Mas é só trágico. O mesmo Supremo Tribunal Federal que mudou seu paradigma para admitir o mandado de injunção na garantia do direito à greve, agora esvazia o direito constitucional.
Ninguém nega a necessidade de regulamentação, de acordos, de fiscalização. Todos sabemos que serviços públicos essenciais devem funcionar independentemente da greve. Ninguém ignora que possam existir oportunistas e abusos. Mas isso não é sinônimo de greve. Greve é sinônimo de direito. Invariavelmente, a greve é pelo direito de todos.
O tribunal parece mesmo achar que direito não é lá grande coisa. Estudamos – assim como os ministros de notável saber jurídico – que ter um direito é uma coisa importante, algo capaz de proteger contra abusos e violações. Um direito fundamental, então, é uma maravilha! Ele exige sempre mais, não pode ser abolido, não pode retroceder e coloca o sujeito (de direitos) em uma posição elevada. Mas não importa a teoria dos direitos fundamentais. Ela é só teoria. É só o direito.
A cada interpretação mal-ajambrada do Supremo ficamos mais distantes do projeto constitucional de 1988. Aquele da Constituição Cidadã, do Estado Social e Democrático de Direito, da solidariedade e da pluralidade. Hoje foi o direito a greve, logo depois da prisão em segunda instância, da violação de domicílio. Tudo indica que virá o fim da educação da qualidade e universal, da saúde pública integral, da demarcação das terras, da maioridade penal.
Estamos diante de um atentado à Constituição e quem o pratica é o seu guardião. Mas a Constituição não é do Supremo, é de todos nós. Pelo direito à greve, contra a PEC 241, pela vida da Constituição, resistiremos.
Eloísa Machado de Almeida é professora e coordenadora da FGV Direito SP.



Quando STF elimina direito de greve de servidores, passou da hora de repensá-lo

Quando STF elimina direito de greve de servidores, passou da hora de repensá-lo




Algum limite tem que ser pensado pela sociedade civil – esqueça as instituições – a uma corte que toda semana resolve mexer na Constituição para eliminar um direito da população. Nesta última de outubro, a aposentadoria e o direito de greve de servidores públicos – estes mesmos, na base da pirâmide, esquecidos pelos burocratas que usufruem de todos os privilégios lá do alto – foram as mais recentes vítimas.
A decisão vem após o anúncio deapoio à PEC 241 pela Presidente da Corte Min. Cármen Lúcia, a pior à frente do cargo que me lembro. Vem depois da intragável sessão queeliminou a presunção de inocência, inesquecível para quem cultiva o mínimo do mínimo de compromisso com a Constituição Federal.
Essa onda reacionária que tomou o Judiciário parece que não tem hora para acabar. Enquanto se acotovelam atrás de flashes da mídia e frases “contra a corrupção”, “contra a impunidade”, os ministros decidiram descontar o salário do servidor em greve sem que seja necessária decisão judicial nesse sentido.
Dirá o empedernido burocrata que a decisão não “elimina” o direito de greve, mas apenas o adequa para que o país não pare. Nas palavras do ministro Fux, conhecido por “matar no peito”“o que ocorre numa visão realista, nós estamos num momento muito difícil e que se avizinha deflagrações de greve e é preciso estabelecer critérios para que nós não permitamos que se possa parar o Brasil”
São condicionantes políticas e factuais interferindo no texto da Constituição – tempos, portanto, da maior insegurança política possível.
Os servidores públicos em greve costumam ser aqueles no piso da relação pública. Por exemplo escreventes de cartório em Judiciário, que não votam, não participam das decisões, não recebem aumento, são humilhados e desestimulados; agora, sequer poder de reação frente à corte brasileira essas pessoas têm. Para quem desconhece o cenário, tenha em mente que o funcionalismo público não se resume ao baronato, embora, ao mesmo tempo, seja ele que massacra e agora tira as esperanças da base da pirâmide ver dias melhores.
Não haverá muito tempo para se comover com os servidores sem direito de greve, pois certamente se aproxima o dia em que a corte composta por ministros e ministras medíocres decidirá eliminar outros direitos da população. No momento atual do Brasil, a única certeza da vida é que todo dia algum burocrata vai lhe arrancar um direito.
Brenno Tardelli é diretor de redação doJustificando.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Ocupações: a luta dos jovens pela educação e o discurso da Ana Júlia


Como cantava o grande Gonzaguinha:

"Eu acredito é na rapaziada

Que segue em frente e segura o rojão

Eu ponho fé é na fé da moçada

Que não foge da fera e enfrenta o leão

Eu vou à luta com essa juventude

Que não corre da raia a troco de nada

Eu vou no bloco dessa mocidade

Que não tá na saudade e constrói

A manhã desejada..."


Nossa juventude mostra mais uma vez sua força. Enquanto militantes “tradicionais” se dizem desesperançados, estudantes enfrentam a violência do Estado, em nome da democracia e da manutenção de direitos e por uma escola pública de qualidade. Até a última segunda-feira (24), adolescentes e jovens mobilizados contra a PEC 241 e no movimento Fora, Temer ocupavam, em todo o país, mais de mil escolas e institutos federais e cerca de 80 universidades, praticamente sem qualquer cobertura da imprensa. No Paraná, o governo tucano chegou a organizar milícias fascistas para a desocupação, tratando estudantes como se marginais fossem.


Leia a matéria a respeito:

'Não ocupamos por bagunça, mas porque acreditamos no futuro do Brasil'

Secundarista do Paraná vai ao plenário da Assembleia Legislativa e convida deputados a conhecer ocupações. Brasil soma hoje 1.154 escolas ocupadas contra medidas propostas por Temer

por Redação da Rede Brasil Atual
PEDRO DE OLIVEIRA/ASS. LEG. PR
estudantes
Ana Julia e Nicoly Moreira se posicionaram contra PEC 241 e contra reforma do ensino médio
São Paulo – "De quem é a escola? A quem ela pertence? Acredito que todos aqui saibam a resposta." Foi assim que a secundarista paranaense Ana Julia Pires Ribeiro, de 16 anos, iniciou seu discurso no plenário da Assembleia Legislativa do estado, na tarde desta quarta-feira (26). Ana Julia se dirigiu aos deputados com alertas sobre as demandas do movimento estudantil, que já ocupa 1.154 escolas pelo país contra a reforma do ensino médio e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, ambas medidas do governo de Michel Temer.
"Os colégios do Paraná e do Brasil estão ocupados pela educação. Não estamos lá para fazer baderna, não estamos lá de brincadeira. Lutamos por um ideal, porque a gente acredita no futuro do nosso país, que vai ser o país dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos, e eu me preocupo com esse país", disse a jovem, aluna da Escola Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães.
O Paraná é o estado com o maior número de escolas ocupadas: 845 no total, seguida por Minas Gerais (69), Rio Grande do Sul (14) e Distrito Federal (12). De acordo com o levantamento da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Em todo o país, são 1.047 escolas e institutos federais ocupados, além de 102 universidades, três Núcleos Regionais de Educação e outro espaço ainda não identificado pelo movimento.
"Se vocês ainda duvidarem da legitimidade do nosso movimento, os convido para participar das ocupações, para nos visitar e conhecer de perto o que fazemos. É um insulto a nós, que estamos nos dedicando, sermos chamados de doutrinados. É um insulto aos estudantes e aos professores", disse Ana Julia, emocionada. "Nós estamos na escola e não somos vagabundos como dizem aqui. Estamos lutando por um ideal, porque acreditamos nele", insistiu.
Os estudantes protestam contra a reforma no ensino médio, prevista na Medida Provisória 746, que foi anunciada pelo governo Temer em 22 de setembro. A MP foi duramente criticada por especialistas, que defendem que ela é ultrapassada e que fragmenta a formação. A reforma prevê, por exemplo, a flexibilização do currículo para que os alunos escolham entre as áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser obrigatórias e os professores não precisariam mais ter diploma de licenciatura.
"A Medida Provisória está prevista na Constituição, mas para casos emergenciais. Nós precisamos de uma reforma no ensino médio e em todo sistema educacional, mas ela precisa ser debatida e feita pelos profissionais da área de educação. O projeto tem lados positivos, mas tem muitas falhas e, se colocarmos ele em prática assim, o Brasil estará fadado ao fracasso", seguiu.
A estudante lembrou que a MP do Ensino Médio não é a única reivindicação do movimento: "Tem também a chamada lei da mordaça e a proposta de Escola Sem Partido. É uma afronta: uma 'escola sem partido' é uma escola sem senso crítico, é uma escola racista, é uma escola homofóbica. É falar para os estudantes que querem formar um exército de não-pensantes, que só ouve e baixa a cabeça, e não somos isso", afirmou. "Em pleno 2016 querem nos colocar um projeto desse? Isso nos insulta, nos humilha e diz que não temos capacidade de pensar por nós próprios, mas não vamos baixar a cabeça."
Nas ocupações, os estudantes também protestam contra a PEC 241, que congelará os investimentos públicos por 20 anos, inclusive em educação, prevendo apenas o reajuste pela inflação do ano anterior. Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) estimaram que, se a lei valesse desde 2005, os recursos para a educação em 2015 teriam caído de R$ 98 bilhões para R$ 24 bilhões.
"A PEC 241 é outra afronta, inclusive para a Constituição cidadã de 1988. É uma afronta à Previdência, à saúde, à educação e à assistência social. Não podemos deixar isso acontecer e cruzar os braços", disse Ana Julia. "Somos um movimento apartidário, que se preocupa com as gerações futuras, com a sociedade e com o futuro do país. Que futuro o Brasil vai ter se não nos preocuparmos com uma geração de pessoas que não vão ter senso crítico e acreditar apenas no que estão lendo?"
O clima na sessão chegou a ficar tenso quando a jovem citou o episódio em que o estudante Lucas Eduardo Araújo Mota, também de 16 anos, foi encontrado morto na Escola Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, na última segunda-feira (24), com perfurações no tórax e no pescoço. O estabelecimento está ocupado desde o dia 14 de outubro.
"Os que estão aqui representam o Estado e os convido a olhar as mãos de vocês. Elas estão sujas com o sangue do Lucas", declarou. Nesse momento, o presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), interrompeu o discurso e ameaçou suspender a sessão. "Aqui você não pode agredir os parlamentares. Ninguém está com a mão suja. Vou exercer minha autoridade", disse Traiano. "Peço desculpas, mas o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diz que a responsabilidade pelos adolescentes é da sociedade, da família e do Estado", respondeu Julia, sendo bastante aplaudida por parte plenário.
Outra estudante, Nicoly Moreira do Nascimento, de 15 anos, aluna do Colégio Estadual Santa Felicidade, também falou no plenário da assembleia paranaense. Ela defendeu as ocupações, reafirmou que o movimento é pacífico e que luta por uma educação melhor. "O que me motivou a estar aqui hoje foi saber que tem muitas pessoas que ainda estão apoiando (o movimento). Que dentro do movimento tem jovens querendo educação", disse. "Estamos aqui para defender as ocupações, que são pacíficas, ocupações onde a gente não tem intenção de prejudicar ninguém. Todos querem ter o direito à educação. A gente também quer, mas não quer ter o direito de estudar para tirar um seis e passar de ano. Quer ter o direito de estudar para obter conhecimento."
"O movimento estudantil nos trouxe um conhecimento muito maior de política e cidadania do que todo o tempo que estivemos sentados enfileirados nas aulas padrão", defendeu. "Apesar da ridicularizarão, de sermos ofendidos e dos problemas que vamos enfrentar, a gente ainda consegue ter felicidade, porque percebemos que deixamos de ser meros adolescentes e nos tornamos cidadãos comprometidos."
Assista na íntegra:

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Pronunciamento dos Franciscanos na ONU, através do Frei Rodrigo Péret, sobre as empresas extrativas

Um tratado juridicamente vinculante, que obrigue as empresas transnacionais a cumprirem e respeitarem normas de direitos humanos, é fundamental no atual mundo globalizado, onde as relações tem como base o poder econômico. O fato de ser vinculante faz toda a diferença, já que sai do aspecto voluntário que sempre norteou os guias de responsabilidade social corporativa até agora vigentes. Para a sociedade civil é hora decobrar e punir as empresas transnacionais, pelos impactos que seus negócios causam nas pessoas, violando direitos humanos e destruindo o meio ambiente.

Hoje (25 outubro), em Genebra na segunda reunião da 2a Sessão do Grupo Intergovenamental para preparar um Tratado Vinculante sobre Corporações Transnacionais e Direitos Humanos, a Franciscans Internacional, através de Frei Rodrigo Péret, fez a seguinte intervenção oral na plenária da sessão, aqui traduzida para o português: 


Oral Statement
Open-ended Intergovernmental Working Group on Transnational Corporations and Other Business Enterprises with Respect to Human Rights

Geneva, 25 October 2016
Delivered by: Rodrigo Peret

Obrigado Senhora Presidente

Franciscans International pretende trazer a perspectiva das pessoas que trabalham e vivem com e em comunidades diretamente afetadas pelo impacto das indústrias extractivas e sua cadeia de abastecimento em todo o mundo. parceiros nacionais FI só pode observar e denunciar as diversas violações e abusos de toda a gama de direitos humanos, civis e políticos, bem como econômicos, sociais e culturais, vinculados destas atividades.

Os impactos sociais incluem a divisão das comunidades; marginalização de comunidades pobres na tomada de decisão para projetos extrativistas de grande escala, intensificação de conflitos e da violência em áreas impactadas, criminalização de defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, a perda de meios de subsistência e a interrupção do acesso aos serviços, bem como o desrespeito generalizado à consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas.

Quanto ao impacto econômico, deve-se salientar que a perda de meios de subsistência raramente é compensada pela atividade econômica que é gerada pela indústria de mineração. As comunidades afetadas geralmente não vêem os "benefícios" econômicos, os postos de trabalho e oportunidades que são prometidas; as populações normalmente não vêem muito das receitas e riqueza produzida através da extracção de recursos naturais.

Os impactos ambientais de grandes projetos extrativos são bem conhecidos, eles incluem a destruição de florestas primárias e áreas de mananciais, que estão abertos para projetos de petróleo, gás e mineração, a contaminação dos rios e zonas costeiras pelo despejo de resíduos e substâncias tóxicas, a poluição do ar de grandes fábricas e unidades de transformação que não são regulamentados, e os acidentes desastrosos de projetos de mineração, como o desastre da represa da BHP Billiton e Vale em Mariana - no meu país Brasil e outros projetos de grande escala que muitas vezes poderiam ser evitados, mas raramente são adequadamente reparados.

Em conclusão, inspirados pela encíclica Laudato Si do Papa Francisco, acreditamos que a adoção de um tratado juridicamente vinculante irá contribuir para a proteção da dignidade de todos e da nossa casa comum. 

Obrigado Senhora Presidente

Fonte: Fala Chico

Contra o fim do SUS, sanitaristas defendem de pacto social a desobediência civil

Depois de golpes como a abertura da saúde ao capital estrangeiro, o subfinanciado sistema público de saúde está diante da PEC 241 e dos chamados planos acessíveis
por Cida de Oliveira, da Rede Brasil Atual
ANDRÉ ZUCCOLO/LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL/REVISTA VAIDAPÉ
golpe no sus.jpg
Seminário Golpe no SUS, realizado na noite de ontem (24) pelo Le Monde Diplomatique Brasil
São Paulo  - A construção de uma aliança entre estudantes, indígenas, movimentos populares, centrais sindicais, partidos políticos de esquerda e frentes em defesa da democracia, como a Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo, é a estratégia defendida por sanitaristas para reverter os ataques ao SUS que podem se fatais com aprovação  da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela investimentos da União nas áreas sociais, e desobriga repasses a estados e municípios para a saúde e educação.
Durante o seminário Golpe no SUS, realizado na capital paulista, na noite de ontem (24), pelo Le Monde Diplomatique Brasil e Plataforma Política Social, a médica sanitarista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ligia Bahia fez uma reflexão nada animadora do momento pós-golpe. "Hoje temos a invasão do PP (Partido Progressista) que divide entre si o Ministério da Saúde e suas quatro secretarias. São como piratas que se apossam dos recursos públicos. E perdemos a base técnica, que foi construída ao longo de 30 anos. Uma perda fatal; já era. Estão todos fragilizados. Estamos perdendo o SUS", disse.
Ligia lembrou que desde a Constituição de 1988, o SUS contabiliza perdas com o crescimento da saúde privada, que responde por 25% do atendimento à saúde e fica com R$ 85 bilhões dos recursos assistenciais, quatro vezes mais que o recebido pelo SUS, que responde por 75% do atendimento.
Outra perda é a falta de apoio dos sindicatos e centrais, que colocam em suas pautas de reivindicação planos privados de saúde. "Precisamos pensar como será daqui a seis meses. Eles pagam quem é do partido deles, bem na lógica dos piratas, de recompensa para os aliados e punição para quem não é. Será que como piratas vão brigar entre eles? E como vamos reconstruir nossa agenda depois que esse imenso raio cair nossa cabeça? Como desprivatizar? Temos de apresentar propostas. E mesmo que a viabilidade seja zero, politicamente teremos uma agenda. É preciso reunir a tropa e retomar nossa capacidade de brigar".
Para uma "volta por cima", Ligia defende a construção de uma agenda de pesquisas e ações. "Temos de reconhecer que somos minoria e retomar nossa capacidade de luta, vamos nos voltar para os estudantes que estão ocupando escolas em todos o país contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, a Medida Provisória (MP) 746, que fragmenta o ensino médio, e o projeto de Escola sem Partido. Vamos fazer aliança com o movimento indígena, sindical, centrais e de frentes, como a Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo. Precisamos de mais radicalidade".
Médico sanitarista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jairnilson Paim destacou golpes e tentativas contra o SUS justamente numa conjuntura de crise, quando a busca por seus serviços tende a aumentar pelo desemprego e pela migração da saúde privada.
"Vivemos agora mais um golpe entre tantos que põem em risco o sistema, como a abertura da saúde ao capital estrangeiro, a PEC do Cunha, que obriga empresas a oferecerem planos privados aos trabalhadores, o PL da terceirização, que vai afetar os quadros do sistema, a volta da DRU e os chamados planos de saúde acessíveis. Paralelo a isso temos a bomba relógio da diabetes que vai estourar com essa garotada obesa, mais a epidemia de acidentes de moto que demandam reabilitação e síndromes causadas por epidemias de zika. Fora as taxas crescentes de câncer", lembrou.
De acordo com Jairnilson, há ainda a crescente prevalência de transtornos depressivos, a duplicação do tamanho da população idosa até 2036 e a carga de doenças transmissíveis que não foram erradicadas, as crônicas não-transmissíveis e os acidentes. "É possível pensar no desmantelamento do que foi construído em 30 anos? Esses planos populares vão corroer ainda mais os insuficientes recursos do SUS."
Atualmente, conforme lembrou, apenas 25% das crianças do Nordeste com cardiopatias congênitas são operadas. E políticas consagradas, como o Plano Nacional de Imunizações são está ameaçado com falta de vacinas, como a contra a raiva.
"Talvez os senhores congressistas que votam pela PEC não se lembrem que suas válvulas cardíacas são avaliadas pela Agência Nacional de Vigilância à Saúde, a Anvisa, que faz parte do SUS."
O médico sanitarista professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gastão Wagner, lembrou que se os outros governos não eram muito a favor do SUS, o de Michel Temer é "totalmente contra".
E o que o sistema, pelo fato de ir além da assistência, confrontando o neoliberalismo, é sempre muito criticado e golpeado. Mas mesmo assim, sendo apenas sombra do projeto do movimento sanitarista, está longe de ser "um pato manco""Em 20 anos de SUS, homens e mulheres com problemas cardíacos passaram a viver 10 anos a mais. O tratamento da diabetes no SUS tem uma abordagem que nenhum sistema privado tem igual. É uma tragédia política, ética e moral tirar essa capacidade de intervenção."
Gastão defende a radicalização."Temos de ampliar o bloco político de usuários e dizer que o SUS é a solução, de enfrentar esse tema com a população, brigar por carreira, pela base técnica, e o movimento sanitário deve priorizar junto às universidades a construção da ideia de que o ajuste fiscal faz mal à saúde. Temos de disputar esse discurso, combater o da meritocracia, e voltar para as bases. Cadê a esquerda nas periferias? Vamos começar também a luta institucional, a desobediência civil."

sábado, 22 de outubro de 2016

Crime de Mariana: punição ou impunidade?


Os criminosos de Mariana serão punidos?

Por Altamiro Borges

Após quase um ano do crime de Mariana (MG), que matou 19 pessoas e resultou na maior tragédia ambiental da história do país, o Ministério Público Federal (MPF) finalmente denunciou 21 dirigentes da mineradora Samarco e de suas controladoras, a privatizada Vale e a multinacional BHP Billiton. A sentença foi proferida na quinta-feira (20) sob a acusação de homicídio com dolo eventual - quando se assume o risco de matar. As empresas ainda são suspeitas dos crimes de inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais. A procuradoria também denunciou a consultoria que apresentou um laudo falso sobre a tragédia.


Entre os acusados de homicídio estão o ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, e o ex-número dois da empresa, Kleber Terra, além de membros do conselho de administração da mineradora (entre eles um britânico, um francês, um sul-africano, um australiano e dois estadunidenses). A força-tarefa que investigou o crime afirma ter comprovado que as empresas acionistas da Samarco conheciam os problemas no local. "Havia comitês operacionais, comitês internos e comitês de barragens em que os assuntos eram tratados e havia nesses comitês representantes da Vale e da BHP... A partir do que se debatia nessas atas, a partir dos documentos que eram apresentados nas reuniões, nós identificamos o rol de pessoas que constaria na denúncia do MPF", afirma o procurador José Adércio Leite Sampaio.

Ele ainda cita os problemas que ocorreram na barragem em 2009, 2011 e 2012 e que foram levados aos comitês da empresa. Para o procurador, houve "de modo deliberado" prioridade ao lucro em detrimento da segurança. Caso a denúncia do MPF seja aceita pela Justiça, o crime será levado a júri popular na comarca de Ponte Nova (MG). Será o primeiro julgamento no Brasil por crime ambiental. A trágica história, porém, não está concluída. A poderosa Vale - que tem muitos "amigos" no covil golpista de Michel Temer - já divulgou nota em que repudia "veementemente" a denúncia do MPF. A Samarco e a BHP Billiton também se manifestaram contra as acusações.

O crime de Mariana, com a rompimento da barragem de Fundão, ocorreu em 5 de novembro de 2015. De imediato, uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil de Minas Gerais passou a investigar as causas da tragédia. Em fevereiro, a Polícia Civil indiciou seis executivos da Samarco, inclusive Ricardo Vescovi, por homicídio com dolo eventual. Já em junho, a Polícia Federal concluiu seu inquérito e indiciou os mesmos executivos e o responsável da Vale pelo Complexo de Alegria, em Mariana, por crimes ambientais. Além deles, Samarco, Vale e VogBR foram indiciadas como pessoas jurídicas. Em agosto, após uma apuração interna, os presidentes da Samarco, Vale e BHP admitiram que a obra provocou a ruptura, pediram desculpas e disseram sentir pelos familiares.

Agora, se houver Justiça no Brasil que venera o "deus-mercado", as desculpas dos ambiciosos empresários privados não serão mais suficientes. A conferir!


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

BHP (Samarco) - O cinismo corporativo

Por Frei Rodrigo Péret
Fala Chico

BHP (Samarco) - O cinismo corporativo

Terminou, hoje (20 0utubro) a Assembleia Geral dos Investidores da BHP Billinton em Londres.  A assembleia contou com dois momentos. Uma reunião separada na parte da manhã, para tratar exclusivamente de questões sobre impactos das atividades da BHP , sua visão sobre as mudanças climáticas e uma plenária.

Presentes, vindo do Brasil, Maria do Carmo D´Angelo, moradadora de Paracatu de Cima, terceiro distrito destruído pelo avanço da lama em Mariana; Letícia Oliveira do Movimento dos Atingidos de Barragem de Mariana e o franciscano Frei Rodrigo Péret, da Rede Igrejas e Mineração.

A BHP através de seu presidente Jack Nasser admitiu que é culpada pelo desastre. Contudo, quando dirigimos perguntas de como será a remediação e a compensação, em toda a bacia do Rio Doce, a resposta é dispersiva. Falam da Fundação Renova, que pertence à Samarco (Vale e BHP), fruto do acordo feito pela empresa e os governo federal e estaduais (MG e ES). Tentam se justificar alegando dificuldades, devido à extensão do desastre. Daí para frente as afirmações nada mais são do que uma exercício vazio de retórica.

O Diretor Andrew Mackenzi, que esteve no Brasil, logo após o desastre, quando questionado para apresentar o cronograma de medidas efetivas de mitigação em curto, médio e longo prazo, em relação às perdas sociais e ambientais, nada apresentou. Na verdade, não existe, depois de um ano, um plano concreto para atender as comunidades, rurais, agroextrativistas e pesqueiras atingidas. Questionado sobre quais as medidas que serão tomadas em relação ao meio ambiente, divergiu e não disse nada de concreto. A restauração da fauna, da flora e de todo ecossistema da bacia do rio Doce, não foi nem mencionada, por ele.

Denunciamos e questionamos a falta de participação das comunidades atingidas e o fato de que a definição de quem é atingido se dá segundo critérios da empresa. Sobre isso, não houve resposta alguma.

Quando citamos exemplo concretos de famílias não consideradas como atingidas e portanto não assistidas minimamente, a retórica é a mesma, se trata de um desastre extenso e complexo.

Ao serem questionados pelo fato de os atingidos não tem nenhum poder deliberativo nos processos decisórios, eles não respondem e insistem em dizer que continuaram a fazer consultas.


A BHP como relatamos acima, admite a culpa em relação ao desastre, contudo o que o interessa é continuar os negócios. Sabem de sua responsabilidade, da extensão e da complexidade do desastre que perpetraram, mas continuam fazendo seus negócios como de hábito. Em inglês existem um termo, continuam com o “business as usual”.

Foram tratados também os impactos da BHP, ligados à mineração de carvão, na Colombia e  Indonésia. Na Colombia na região de La Guajira, 15 comunidades foram forçadamente removidas, continua agravar os problemas de saúde das pessoas e a contaminação de água. Na Indonesia  no projeto IndoMet, as comunidades estão exigindo que a empresa não lave suas mãos, em relação aos impactos ambientais, provocados por vazamento de barragens, que estão afetando o rio Barito.

A conclusão é que as corporações transnacionais consideram as pessoas e o meio ambiente como resíduos, lixo que deve ser removido.

Ao final, foi entregue um documento do MAB para o Presidente do Conselho Diretor da BHP, com 4 reivindicações.

Não à construção do dique S4. Que sejam feitas outras formas de contenção da lama, como retirada da lama da beira do rio e apresentadas alternativas locacionais para a construção do dique. 

Reestruturação da Fundação Renova e do acordo, de forma que os atingidos participem do conselho que toma as decisões da Fundação. O acordão e a fundação Renova são ilegítimos, não contaram com a participação dos atingidos na sua elaboração, mas a empresa sempre diz que já está prevista a participação dos atingidos, mas não nos espaços decisórios. Por isso que é necessário é reestruturar a fundação, da forma que ela está hoje, já há participação dos atingidos. 

Reconhecimento de todas as famílias atingidas na bacia do Rio Doce, que tenham tido alguma mudança em suas vidas devido ao rompimento da barragem, de forma que elas recebam todos os direitos emergenciais e participem do processo de reparação e compensação definitivas. 4- Acelerar o processo de reparação de forma geral, principalmente na construção das moradias, nas ações em saúde, na retomada das atividades produtivas, a partir da participação e decisão dos atingidos.
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No dia 19 de outubro, entrevista na Radio BBC, em Londres, sobre o desastre de Mariana. Recontar o rompimento da barragem de Fundão e o mar de lama que matou pessoas e destruiu a bacia do Rio Doce. A BHP Billinton uma das donas da Samarco é uma mineradora inglesa-australiana. Levar a um público maior o conhecimento  do crime e o descaso da empresa é importante na busca por justiça.



 Assembléia Geral dos Investidores da BHP Billinton,no Queen Elizabeth Hall, em Londres. A BHPé a empresa inglesa-australiana que junto com a Vale é proprietária da SAMARCO. Estamos debatendo na plenária e questionando a empresa, mostrando o crime cometido, o descaso e a responsabilidade dos investidores.



Atividades de reuniões, palestras e denuncia do desastre criminoso da Samarco (Vale e Bhp Billinton), que destruiu toda a bacia do rio Doce. Hoje participamos de uma mesa de debate na Universidade de Cambridge, onde apresentamos, as violações aos direitos das populações atingidas e os impactos ao meio ambiente.  Uma lógica perversa que foi instaurada pela Samarco com a conivência e participação do governo federal, e dos governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. A Samarco  responsável pelo desastre criminoso, até hoje controla a cena do crime, bem como é ela que determina segundo critérios próprios, quem deve ser considerado atingido. Submeter a reparação de um crime à vontade daqueles que o cometeram é imoral e ao mesmo tempo se trata de um outro crime.  E é isso que vem acontecendo na região de Mariana e se extende por toda a extensão atingida até a foz do rio Doce.