domingo, 30 de setembro de 2018

UM PROTESTO HISTÓRICO, MENOS NA TEVÊ


Revista Piauí

UM PROTESTO HISTÓRICO, MENOS NA TEVÊ

Ao reunir dezenas de milhares, #EleNão provoca maior manifestação liderada só por mulheres no Brasil mas é quase ignorado na tevê

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Manifestantes do #EleNão ocupam o Largo da Batata, no sábado à tarde, em São Paulo
Manifestantes do #EleNão ocupam o Largo da Batata, no sábado à tarde, em São Paulo FOTO: EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS
Dezenas de milhares de mulheres saíram às ruas para bradar #EleNão neste sábado, em cidades de todas as regiões do Brasil. Juntas, produziram as maiores manifestações populares desta eleição presidencial, de longe. Não se sabem números exatos porque a polícia, sintomaticamente, não contou na maioria das cidades. Mas as manifestantes ocuparam densamente amplas áreas da Cinelândia, no Rio, e do Largo da Batata, em São Paulo, para citar só duas. Em uma campanha na qual rarearam os comícios, tamanha aglomeração de gente contra um candidato é notícia. E foi: em inglês, francês, árabe. Mas o brasileiro que passou o dia na frente da tevê não ficou sabendo. A menos que tivesse um celular na mão.
O episódio sintetiza todas as principais marcas da eleição presidencial de 2018 no Brasil. Em lugar da propaganda eleitoral televisiva, quem mobilizou os eleitores contra e a favor de candidatos foram as mídias sociais, notadamente o WhatsApp. Foi uma hashtag distribuída via Twitter, Facebook e Instagram que levou as maiores multidões à rua, não foram anúncios de tevê.
Os efeitos mais profundos dessa mudança são potencialmente revolucionários, pois todo o jogo de poder dentro dos partidos políticos gira em torno da distribuição do tempo de propaganda eleitoral e das verbas públicas. Se a tevê perde influência, perdem junto os caciques partidários que controlam a distribuição de tempo de câmera entre seus correligionários. Também perdem poder de barganha partidos que só existem para negociar minutos de tevê ao formarem coligações eleitorais.
Principal propaganda desse novo jeito de fazer campanha política é o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto e tem menos de 10 segundos por dia de propaganda na tevê. Perca ou ganhe, Bolsonaro é o personagem do ano por ter sido o único candidato capaz de surfar até o fim a onda de conservadorismo que tomou o país como um tsunami, e numa prancha de isopor: sem propaganda de tevê, sem marqueteiro, sem partido. Mas o fez destilando tanto ódio contra tantas minorias que a reação a ele acabou provocando a maior manifestação de rua de toda a eleição.
Não é de agora o movimento de mulheres contra Bolsonaro. Desde o começo da campanha, o capitão reformado sempre teve muito mais dificuldade de vender suas ideias repressivas ao eleitorado feminino do que ao masculino. O #EleNão catalisou o sentimento contra Bolsonaro e transformou algo difuso em uma ação simultânea e concreta de dezenas de milhares de mulheres. Só não foi maior porque a cobertura da campanha eleitoral na tevê é deliberadamente omissa e limitada. Não faz reportagem, entrevista; não investiga, divulga agendas.
Se parte dessa omissão pode ser explicada pelas limitações impostas pela legislação eleitoral que tange o direito à informação dos telespectadores, nem tudo, porém, cai nessa conta. A falta de cobertura ao vivo dos atos do #EleNão e, mais grave, a ausência de contextualização e ênfase nas raras reportagens sobre a mais importante manifestação de rua da campanha eleitoral de 2018 até agora não se deve ao departamento jurídico das emissoras. O movimento não é partidário nem promove nenhuma candidatura específica. É contra um candidato, sim, mas não prega que é melhor votar neste ou naquele outro.
O resultado dessa omissão e falta de contextualização é que coisas diferentes são tratadas como iguais. Uma manifestação de dezenas, no máximo centenas de pessoas em um lugar é apresentada da mesma maneira e com a mesma magnitude que dezenas de milhares de mulheres em dúzias de cidades. Na tela da tevê, o ato solitário pró-Bolsonaro em Copacabana foi equivalente à maior manifestação popular capitaneada por mulheres na história do Brasil. Felizmente, a internet provê o que a tevê omite.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

#EleNão: A Campanha vitoriosa das mulheres

No Brasil e no mundo, mulheres convocam "Todos contra Bolsonaro"

O que começou como chamado a um ato público virou movimento mundial, apoiado por diferentes setores e movimentos sociais, em rejeição à ameaça fascista representada pelo candidato
por Redação Rede Brasil Atual
REPRODUÇÃO/FACEBOOK
elenão
A hashtag #EleNão ganhou as redes e apoio de diferentes setores da sociedade. Atos em São Paulo e no Rio prometem receber milhares de manifestantes
São Paulo – Já considerada vitoriosa, a campanha das mulheres contra o fascismorepresentado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República ganhou as redes sociais com a hashtag #EleNão e, neste sábado (29), dá o seu maior passo, ao ganhar as ruas de centenas de cidades do Brasil e em algumas das principais do mundo. Em São Paulo, no Largo da Batata e no Rio, na Cinelândia, os protestos estão marcados para as 14h. 
A onda de protestos faz frente, de forma democrática, às declarações – carregadas de preconceito contra as mulheres, negros, pobres, homossexuais e demais minorias – e também ao plano de governo do candidato – que privilegia as elites e retira ainda mais direitos dos trabalhadores. Também serão repudiadas as ações truculentas que caracterizam os apoiadores de Bolsonaro, que comumente criam e espalham mentiras, discursos de ódio e até mesmo tentam censurar opositores.
O protagonismo feminino do movimento ganhou apoio imediato de diferentes representações sociais. Comunidade LGBTI+, movimento negro, movimento estudantil, torcidas organizadasartistas, cientistas, intelectuais e empresários, entre outros, aderiram à mobilização de repúdio ao fascismo.
Agenda de atos no Brasil:
Agenda de parte do Brasil
A intensa movimentação nas redes sociais pelo #EleNão viralizou desde o início – em poucas horas, a página Mulheres contra Bolsonaro, no Facebook, conquistou apoio de milhões – e derivou até mesmo para o bom humor, de forma a ampliar a convocação para os atos deste sábado. "Eventos" criados por internautas nas redes sociais convocam até mesmo alienígenas contra o candidato. A lista segue com duendes, gatos, defensores dos animais, amantes de sushi, os que gostam de catuaba, meteoros, ioguines, entre centenas, e até um "apoiadores de Bolsonaro contra o Bolsonaro".
A convocação para os protestos também vem sendo feita por diversos vídeos postados nas redes sociais, tanto por mulheres de destaque em seus campos de atuação, quanto por cidadãs comuns, que encorajaram-se a manifestar seu repúdio representado pela candidatura do deputado federal e capitão reformado do Exército. 
É difícil precisar o número de atos organizados nas demais capitais e em outras cidades do país. Apenas no Ceará estão previstas manifestações em 21 cidades. No exterior, serão ao menos 15 (confira quadro abaixo). "A gente não precisa desse retrocesso. Sou uma mulher que batalhei dentro do sertanejo para quebrar todo o preconceito de um mercado completamente machista", disse a cantora sertaneja Marília Mendonça, que chegou a ser, ela e sua família, ameaçada por seguidores radicais do candidato.
"Dia 29 estaremos todas nas ruas para dizer 'Ele não!'". O que está em jogo é a democracia. Esse candidato defende valores fascistas. Ele não respeita as mulheres, acha racismo normal, se coloca contra cotas e projetos sociais que dão dignidade para as pessoas. É homofóbico e defende a tortura. Por isso não. Não!, para quem finge ser 'diferente', e que, em 27 anos de vida pública, nunca aprovou um projeto de lei que melhorasse a vida de seus eleitores. O Brasil não pode embarcar em uma aventura falaciosa que pode custar vidas", resume a atriz Camila Pitanga.
Confira agenda de atos #EleNão no exterior:
REPRODUÇÃOexterior ele não
Mulheres preparam agenda de mobilização fora do país
-ALEMANHA
Berlim
Local: May-Ayim-Ufer
Data e hora: sábado (29), 15h, horário local

Link do evento: https://www.facebook.com/events/1102666529884503/

-ARGENTINA
Buenos Aires
Local: Obelisco de Buenos Aires
Data e hora: sábado, 11h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/727739017605121/

-AUSTRÁLIA
Sydney
Local: Sydney Opera House
Data e hora: domingo (30), 11h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/478925589254448/

Gold Coast
Data e hora: domingo, 11h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/289385025225239/

-CANADÁ
Montreal
Local: Place des Arts
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/2391914377491364/

-ESPANHA
Barcelona
Local: Placa Sant Jaume
Data e hora: sábado, 17h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/676467622721711/

-FRANÇA
Lyon
Local: Place Bellecour
Data e hora: sábado, 14h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/1777528955648825/?ti=as

HOLANDA
Amsterdã
Local: Peace Palace
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/1024556484406434/

INGLATERRA
Londres
Local: Emmeline Pankhurst Statue
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/262625684387001/

-PORTUGAL
Porto
Local: Praça dos Leões
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/2134491663482606/

Lisboa
Local: Praça Luis de Camões
Data e hora: sábado, 16h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/546455489133848/

Coimbra
Local: Praça 8 de Maio
Data e hora: sábado, 16h

Link do evento:https://www.facebook.com/events/2300041976677018/?ti=cl

-ESTADOS UNIDOS
Nova York
Local: Union Square Station
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/271113373741846/

Boston
Local: Harvard Square
Data e hora: sábado, 15h

Link do evento: https://www.facebook.com/events/2205638479683563/

Atlanta
Local: Center for Civil and Human Rights
Data e hora: sábado, 15h
Link do evento: https://www.facebook.com/events/1982494748483241/?ti=icl

domingo, 23 de setembro de 2018

Amédée Péret e Annete - Emperaire no sítio arqueológico pré-histórico onde foi encontrado o crânio de Luzia

Das 20 milhões de peças do Museu Nacional no Rio de Janeiro, devastado por um incêndio, os brasileiros lamentam em particular a perda de Luzia, "a primeira brasileira" , que  viveu  cerca de 12 mil anos atrás nessa parte das Américas e foi descoberta em Minas Gerais.

Os restos mortais de Luzia foram encontrados na década de 1970 pela antropológa  Annete Laming Emperaire. 

Annette Laming - Emperaire se dedicou à sua paixão pelas pesquisas e escavações, que lhe trouxeram ao Brasil e como diretora de pesquisas da École Pratique des Hautes Etudes, de Paris, Annette foi, nos anos 1970, coordenadora científica da missão franco-brasileira de Lagoa Santa, e atuou no abrigo de Lapa Vermelha IV, em Pedro Leopoldo, na Grande BH. 
Nesse local foi possível, pela primeira vez, obter a datação mínima para pinturas rupestres brasileiras e encontrou o fóssil humano com datação mais antiga do país, a Luzia.

Registro do encontro

O diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais  (Iepha/MG), o arquiteto Luciano Amédée Péret acompanhando os trabalhos da equipe franco-brasileira, chefiada por Annette Laming - Emperaire no sítio arqueológico na região de Lagoa Santa.

     Luciano Amédée Péret com Annette Emperaire


Amédée Péret com pesquisadores da missão franco-brasileira  (primeiro à direita: André Prous). No encontro o diretor do Iepha/MG reafirmou o apoio do instituto e do Estado aos trabalhos dos pesquisadores.









A missão franco-brasileira em Lagoa Santa, sob a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ficou na região entre 1974 e 1976 e concentrou as escavações principalmente na Lapa Vermelha de Pedro Leopoldo. Foi nessa caverna que Annette encontrou Luzia, cujo crânio estava no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ) que foi consumido pelo fogo entre a noite de domingo (02/09) e a madrugada de segunda-feira (03/09).

Um riquíssimo acervo foi destruído, composto, entre muitas peças, pelos milhares de vestígios arqueológicos retirados da gruta Lapa Vermelha IV, em Pedro Leopoldo, na Grande BH, e levados para  o Museu, na década de 70.

Em 1998, a primeira mulher da América, como entrou para a história, ganhou um rosto e uma história. Ao fazer o levantamento de coleções de fósseis no museu, o antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), fez estudos aprofundados sobre os ossos e providenciou a datação, que é de 11,4 mil anos.

Um dos grande méritos da missão franco-brasileira foi resgatar a importância , no cenário científico mundial, de Lagoa Santa, onde Peter Lund, em mais de quatro décadas, coletou mais de 12 mil fósseis, os quais foram enviados, em 1845, ao rei da Dinamarca. 


Linha do tempo

1801 – Nasce na Dinamarca Peter W. Lund, que viveu 46 anos na região de Lagoa Santa e é considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras


1832 –Lund (1801-1880) faz as primeiras descobertas de fósseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa


1845 – Lund envia ao rei da Dinamarca a coleção de fósseis encontrados na região de Lagoa Santa


Década de 1950 – Pesquisadores da Academia Mineira de Ciências e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escavações na região


1974 –Missão franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escavações, até 1976, em Lagoa Santa

1975 – Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo com datação do Brasil

1998 – Antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo, estuda e data (11,4 mil anos) o crânio de Luzia



quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O grande pacto em defesa da democracia

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

Peça 1 – as ameaças à democracia

Antes de começar o nosso Xadrez de hoje, sugiro uma releitura no artigo “Xadrez do papel de Lula no mundo”. Ele faz um apanhado das ameaças atuais à democracia liberal na Europa, América Latina e Brasil.

Hoje em dia há uma luta mundial contra a democracia liberal, refletida na campanha indiscriminada contra a classe política e na judicialização da política, com o poder sendo empalmado por corporações que não foram eleitas pelo povo.

São expoentes dessa campanha, por razões diversas, mas com objetivos comuns, os seguintes setores (para facilitar a explicação, vamos personalizar essas forças):

- Na base, movimentos tipo MBL e seguidores de Bolsonaro.

- No sistema jurídico, os Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, um boquirroto, outro discreto, mas ambos as maiores ameaças à democracia, como avalistas dos esbirros dos radicais da base e dos avanços do estado de exceção.

- Com o general Mourão, vice Bolsonaro, entra em cena a corporação militar.

- No quadro midiático, a Rede Globo.

O fator militar

No Painel Globonews da última semana, o general-de-brigada da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva trouxe subsídios importantes para se entender esse jogo e os movimentos dos quartéis.

É uma repetição do que ocorre com o estamento jurídico, ambos estruturas hierarquizadas.

A base das Forças Armadas, “formada por gente mais humilde”, é Bolsonaro, diz o general. No topo, o pensamento dominante é do general Mourão, um repetidor de slogans econômicos da Globonews.

Com diferenças pontuais, ocorre o mesmo no Judiciário. Na base – Lava Jato, procuradores e juízes de 1ª instância – a influência maior é o MBL e Bolsonaro. Na cúpula, compartilha-se do mesmo sentimento anti-política – e, portanto, anti-democracia liberal – do Estado Maior das Forças Armadas, e a mesma presunção de se tornar condutores do país.

Com exceção de temas morais, os dois grupos têm a mesma visão sobre o chamado interesse nacional, defendendo o desmonte do Estado – respeitando obviamente os privilégios das respectivas corporações -, a abertura indiscriminada da economia, a plena liberdade dos capitais, a criminalização de toda atividade política, a defesa da força do Estado contra os recalcitrantes, a subordinação cega ao mercado, demonstrando uma ignorância líquida fantástica sobre o conceito de interesse nacional, ainda mais em duas instituições fundamentais para o funcionamento do Estado.

É importante anotar dois movimentos retratados pelos jornalistas de Brasilia. O primeiro, do general Mourão policiando as tolices de Bolsonaro. O segundo, de fontes militares policiando as impropriedades do general Mourão. Dia desses, o próprio general Villas Bôas, comandante das FFAAs, divulgou em seu Twitter um artigo que discorria sobre as estratégias dos militares para se aproximarem da opinião pública. São sinais nítidos de construção interna de um discurso político que transcende o papel das Forças Armadas.

Fornecendo a base de mobilização da opinião pública e de construção do cimento ideológico, a onipresente Rede Globo e seus diversos braços midiáticos

Peça 2 – o tigre que provou carne fresca

Para se chegar ao estagio atual do estado de exceção, não se imagine um movimento coordenado, centralizado, com alto comando e estratégias previamente definidas.

Há um fato inicial que deflagra o processo e alguns agentes indutores – como foi o caso da colaboração da Lava Jato com o DHS dos Estados Unidos. Mas a base foi o antipetismo e os movimentos de rua estimulados pela Globo.

Depois, o movimento ganha uma dinâmica própria e vai se amoldando a cada nova conformação de força, à medida em que ganha musculatura e se populariza junto à opinião pública. Do combate à corrupção política, ingressou-se no estado de exceção com a repressão violenta aos movimentos de rua, a perseguição a movimentos sociais, invasões de universidades, e outros centros de pensamento crítico, criminalização de jovens manifestantes, perseguição por parte de juizes, procuradores e delegados a quem ousasse questionar seus poderes. Tudo sob o estímulo irresponsável de Ministros do STF.

E aí, consolida-se uma das leis máximas da política: as moléculas tendem a ser atraídas pelos corpos que possuem maior massa crítica. Deixaram a onda crescer até se transformar em tsunami. E ela foi atraindo para seu centro de gravidade os chamados agentes oportunistas: no STF, Luis Roberto Barroso, Carmen Lúcia e Luiz Edson Fachin; na Procuradoria Geral da República Rodrigo Janot e, depois, Raquel Dodge.

Era questão de tempo para que a nova conformação engolisse os formuladores originais, a classe política aliada da mídia e do Judiciário.

Peça 3 – caindo a ficha

Há muitos e muitos anos fala-se na aliança entre PSDB e PT visando preservar a política dos avanços dos inimigos da democracia. Sempre esbarrou na resistência das respectivas lideranças.

A mais influente liderança do PSDB, Ministro Gilmar Mendes, do STF, foi um dos principais agentes da radicalização, ao tentar impugnar a reeleição de Dilma no Tribunal Superior Eleitoral, criminalizar meras incorreções administrativas na prestação de contas da campanha, e denunciar, como lavagem de dinheiro, até vaquinhas da militância para pagar multas de lideres condenados.

Mas, com sua inegável competência, e noção do poder de Estado, foi o primeiro a perceber o tamanho do maremoto que se avizinhava, quando se liberou geral para os abusos de juizes, procuradores e delegados. No Supremo, ele, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello se tornaram os vigilantes da democracia e do respeito às leis.

Agora, a ficha caiu também para outra liderança histórica do PSDB, Tasso Jereissatti. Para o jornalismo político da velha mídia, todos os atos são explicados por diferenças pessoais – no caso, com Alckmin -, revanche, inveja e coisa e tal. O grito de Tasso foi mais que isso: foi uma autocrítica que abriu espaço para uma próxima aliança contra a besta.

FHC, que sempre foi conduzido, será o próximo a chamar o partido à razão.

Peça 4 – a estratégia Lula-Haddad

É esse o pano de fundo para a estratégia que vem sendo desenhada por Fernando Haddad – certamente planejada por Lula.

Os jornais, com a incrível capacidade de acreditar nos mitos que criam, anunciam que Haddad está fazendo um movimento em direção ao centro. Ora, a própria indicação de Haddad a vice de Lula, meses atrás, já era parte desse movimento.

Já havia plena consciência que, sem um arco ampliado de alianças, o PT não conseguiria sair do gueto a que foi jogado pelo golpe.

Desde seus tempos de Prefeitura, Haddad cultivou relação civilizada com setores políticos fora do espectro fisiológico. Chegou a ganhar inimizades dos setores mais radicais do PT, ao não brandir slogans petistas tradicionais contra FHC, Geraldo Alckmin e outros tucanos moderados. Sempre respeitou Ciro Gomes, e foi por ele respeitado.

Embora sem a contundência de Ciro, manteve uma fidelidade férrea aos princípios que abraçou, de racionalização, modernização sem ruptura da gestão pública e do jogo político. O que não o impediu, em plena Globo, de apontar dois fatores essenciais de modernização do país: o fim do cartel da mídia e do cartel dos bancos.

O risco Bolsonaro poderá acelerar o pacto político-partidário e conferir musculatura a um provável governo Haddad. Nelson Barbosa está avançando em contatos com o meio empresarial. Um governo de coalisão ajudaria enormemente o novo governo a enfrentar o maior desafio político desde a redemocratização: a reconstrução institucional, implodida pelo golpe..

No STF, a eleição de Dias Toffoli para a presidência abre uma janela de oportunidade, depois da vergonhosa gestão de Carmen Lúcia. Os primeiros movimentos de Toffoli, propondo-se a pacificar a casa e a se aproximar dos demais poderes, indicam tomada de consciência sobre a gravidade do momento atual.

Ontem, a investida do Ministro Ricardo Lewandowski, criticando a anemia dos órgãos de controle do Ministério Público e da magistratura, e defendendo a lei contra abuso de autoridade, foi mais uma demonstração que o legalismo está se revigorando no Supremo.

Há uma enorme luta pela frente. Mas, agora, se tem um roteiro claro e lógico a ser seguido.

domingo, 16 de setembro de 2018

A maior frente de resistência contra o candidato da extrema- direita vem das mulheres


Jornal do Brasil

Aí vieram dois milhões de mulheres e o cara deu uma fraquejada

Um dos fenômenos mais interessantes dessas eleições não partiu de campanha eleitoral nenhuma ou de qualquer movimento pró-candidaturas


Um dos fenômenos mais interessantes dessas eleições não partiu de campanha eleitoral nenhuma ou de qualquer movimento pró-candidaturas. A novidade desta corrida às urnas veio esta semana sob a forma de uma anticampanha. Ou melhor, de uma campanha contra uma ideologia. Começou em 30 de agosto, quando um grupo de mulheres criou a página “Mulheres unidas contra Bolsonaro”. Já ultrapassaram dois milhões de integrantes na base de 10 mil novas a cada dia. Diz a descrição no Facebook: “Destinado à união das mulheres de todo o Brasil contra o avanço e fortalecimento do machismo, misoginia e outros tipos de preconceitos representados pelo candidatoJair Bolsonaroe seus eleitores”. Também na semana passada, foi a vez de um grupo de LGBT+ criar a página “LGBTs contra Bolsonaro”, que na quinta já tinha mais de 200 mil inscritos. Diz a descrição: “Grupo destinado a todos os LGBTI+ e todos que apoiam nossas causas na luta contra o candidato de extrema-direita que já disse preferir ter um filho morto a um homossexual”.
Em nosso universo de 147,3 milhões de eleitores, as mulheres, que representam 52,5% desse total, são a maior frente de resistência ao sujeito: apenas 13% votariam nele, enquanto 43% dizem que nunca o fariam. Curiosamente, os grupos de mulheres e LGBTs do Facebook não são homogêneos. Cada um posta propostas de seus candidatos e o repúdio interminável ao pensamento e lógicas do ex-militar. Na quinta-feira, o grupo de mulheres publicou uma carta em que dizia que “otratamento desrespeitoso dirigido às mulheres, aos negros, indígenas, homossexuais, o culto à violência, a agressão contra adversários, a defesa da tortura e de torturadores, constituem manifestações que devem ser combatidas por aqueles que acreditam nos princípios civilizatórios que possibilitam a existência de uma sociedade democrática e plural”. O mesmo se espalha pelos posts LGBT.
Ou seja, a resistência não é nem um pouco ao projeto de governo de Bolsonaro, mas toda a ideologia que ele defende e representa e que se dissemina entre seus eleitores. O professor, pesquisador e escritor Juremir Machado escreveu no Correio do Povo um artigo brilhante explicando essa ideologia, reproduzido no portal da revista “Fórum”:
“Não, Jair Bolsonaro não é um candidato como outro qualquer. É pior. Ele é um imaginário, uma mentalidade, uma visão de mundo. O seu método de leitura do que acontece na vida é a simplificação. Torna o complexo falsamente simples por meio de uma redução a zero dos fatores que adensam qualquer situação... Bolsonaro encarna o pensamento do homem medíocre, o homem mediano que não assimila explicações baseadas em causas múltiplas. Se há miséria, a culpa é da preguiça dos miseráveis. Se há crime, a culpa é sempre da má índole. Se há manifestações, é por falta de ordem. A sua filosofia por excelência é o preconceito em tom de indignação moral, moralista. A sua solução ideal para os conflitos é a repressão, a cadeia, o cassetete. Bolsonaro corporifica o imaginário do macho branco autoritário que odeia o politicamente correto e denuncia uma suposta dominação do mundo pelos homossexuais. É o cara que, com pretensa convicção amparada em evidências jamais demonstradas, diz: – Não se pode mais ser homem neste país. Vamos ser todos gays”.
A cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado estuda há algum tempo o imaginário das populações periféricas a respeito do ideário de Bolsonaro. Em artigo ao portal “The Intercept”, ela complementa essa lógica descrita por Machado – um pensamento típico de classe média – ao destrinchar porque muitos marginalizados também apoiam o opressor: “Construir-se como ‘honesto’ é uma saga radical de sobrevivência. Não é nada excepcional que muitos sujeitos das periferias reproduzam a ideologia antipovo para serem aceitos socialmente. Eles precisam culpar o bandido para justificar as suas próprias escolhas... Antes de ficar reproduzindo bordões preconceituosos acerca dos “pobres de direita”, deveríamos fazer o esforço de colocar as coisas em perspectiva e lembrar que, na maioria das vezes, o amparo só vem da religião, da família e das ações coletivas e movimentos sociais, raramente do Estado. Não se pode esperar que brotem almas democráticas e contestadoras de pessoas cujo contexto, desde o espancamento que recebeu do pai até a lição que levou da polícia, é marcado pela violência”.
Ou seja, o eleitor de Bolsonaro é um sujeito que se deixou influenciar pelo discurso de ódio, violência e preconceito anticivilizatório. E isso tem um preço que os grupos formados no Facebook e que começam a ganhar as ruas pretendem contornar e a ele resistir. Em entrevista ao portal “Nexo”, Christian Dunker, psicanalista e professor-titular do Instituto de Psicologia da USP analisa a cabeça do sujeito que esfaqueou Bolsonaro e aponta o perigo real do discurso odioso:
“É preciso entender que um discurso é muito mais do que um conjunto de teses que alguém defende ou representa. Um discurso compreende os efeitos de reprodução e reverberação do que alguém diz autorizando, incitando ou por outro lado reprimindo ou deslocando afetos e disposições de ação... O que muitos chamam de discurso de ódio ou de polarização está caracterizado por isso: criação e acusação de inimigos, valorização de armas ou violência, uso de provocação e desqualificação, ataque contra instâncias de mediação. Este tipo de discurso incita efeitos que a psicanálise situa no campo do imaginário, caracterizado pelas paixões de ódio ou fascinação, assim como espelhamento e inversão simétrica. Isso é um perigo pois atrai contra si pessoas e atitudes que valorizam os mesmos meios de violência e agressividade, só que em sentido inverso, criando uma espécie de barril de pólvora”.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Carta de Lula ao Povo Brasileiro

LEIA A CARTA DE LULA AO POVO BRASILEIRO

Lula: “Quero pedir a todos que votariam em mim, que votem em Haddad para presidente”
É Haddad!
Lula é Haddad - Haddad é Lula!


Carta de Lula ao Povo Brasileiro

Meus amigos e minhas amigas,

Vocês já devem saber que os tribunais proibiram minha candidatura a presidente da República. Na verdade, proibiram o povo brasileiro de votar livremente para mudar a triste realidade do país.

Nunca aceitei a injustiça nem vou aceitar. Há mais de 40 anos ando junto com o povo, defendendo a igualdade e a transformação do Brasil num país melhor e mais justo. E foi andando pelo nosso país que vi de perto o sofrimento queimando na alma e a esperança brilhando de novo nos olhos da nossa gente. Vi a indignação com as coisas muito erradas que estão acontecendo e a vontade de melhorar de vida outra vez.

Foi para corrigir tantos erros e renovar a esperança no futuro que decidi ser candidato a presidente. E apesar das mentiras e da perseguição, o povo nos abraçou nas ruas e nos levou à liderança disparada em todas as pesquisas.

Há mais de cinco meses estou preso injustamente. Não cometi nenhum crime e fui condenado pela imprensa muito antes de ser julgado. Continuo desafiando os procuradores da Lava Jato, o juiz Sergio Moro e o TRF-4 a apresentarem uma única prova contra mim, pois não se pode condenar ninguém por crimes que não praticou, por dinheiro que não desviou, por atos indeterminados.

Minha condenação é uma farsa judicial, uma vingança política, sempre usando medidas de exceção contra mim. Eles não querem prender e interditar apenas o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. Querem prender e interditar o projeto de Brasil que a maioria aprovou em quatro eleições consecutivas, e que só foi interrompido por um golpe contra uma presidenta legitimamente eleita, que não cometeu crime de responsabilidade, jogando o país no caos.

Vocês me conhecem e sabem que eu jamais desistiria de lutar. Perdi minha companheira Marisa, amargurada com tudo o que aconteceu a nossa família, mas não desisti, até em homenagem a sua memória. Enfrentei as acusações com base na lei e no direito. Denunciei as mentiras e os abusos de autoridade em todos os tribunais, inclusive no Comitê de Direitos Humanos da ONU, que reconheceu meu direito de ser candidato.

A comunidade jurídica, dentro e fora do país, indignou-se com as aberrações cometidas por Sergio Moro e pelo Tribunal de Porto Alegre. Lideranças de todo o mundo denunciaram o atentado à democracia em que meu processo se transformou. A imprensa internacional mostrou ao mundo o que a Globo tentou esconder.

E mesmo assim os tribunais brasileiros me negaram o direito que é garantido pela Constituição a qualquer cidadão, desde que não se chame Luiz Inácio Lula da Silva. Negaram a decisão da ONU, desrespeitando do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que o Brasil assinou soberanamente.

Por ação, omissão e protelação, o Judiciário brasileiro privou o país de um processo eleitoral com a presença de todas as forças políticas. Cassaram o direito do povo de votar livremente. Agora querem me proibir de falar ao povo e até de aparecer na televisão. Me censuram, como na época da ditadura.

Talvez nada disso tivesse acontecido se eu não liderasse todas as pesquisas de intenção de votos. Talvez eu não estivesse preso se aceitasse abrir mão da minha candidatura. Mas eu jamais trocaria a minha dignidade pela minha liberdade, pelo compromisso que tenho com o povo brasileiro.

Fui incluído artificialmente na Lei da Ficha Limpa para ser arbitrariamente arrancado da disputa eleitoral, mas não deixarei que façam disto pretexto para aprisionar o futuro do Brasil.

É diante dessas circunstâncias que tenho de tomar uma decisão, no prazo que foi imposto de forma arbitrária. Estou indicando ao PT e à Coligação “O Povo Feliz de Novo” a substituição da minha candidatura pela do companheiro Fernando Haddad, que até este momento desempenhou com extrema lealdade a posição de candidato a vice-presidente.

Fernando Haddad, ministro da Educação em meu governo, foi responsável por uma das mais importantes transformações em nosso país. Juntos, abrimos as portas da Universidade para quase 4 milhões de alunos de escolas públicas, negros, indígenas, filhos de trabalhadores que nunca tiveram antes esta oportunidade. Juntos criamos o Prouni, o novo Fies, as cotas, o Fundeb, o Enem, o Plano Nacional de Educação, o Pronatec e fizemos quatro vezes mais escolas técnicas do que fizeram antes em cem anos. Criamos o futuro.

Haddad é o coordenador do nosso Plano de Governo para tirar o país da crise, recebendo contribuições de milhares de pessoas e discutindo cada ponto comigo. Ele será meu representante nessa batalha para retomarmos o rumo do desenvolvimento e da justiça social.

Se querem calar nossa voz e derrotar nosso projeto para o País, estão muito enganados. Nós continuamos vivos, no coração e na memória do povo. E o nosso nome agora é Haddad.

Ao lado dele, como candidata a vice-presidente, teremos a companheira Manuela D’Ávila, confirmando nossa aliança histórica com o PC do B, e que também conta com outras forças, como o PROS, setores do PSB, lideranças de outros partidos e, principalmente, com os movimentos sociais, trabalhadores da cidade e do campo, expoentes das forças democráticas e populares.

A nossa lealdade, minha, do Haddad e da Manuela, é com o povo em primeiro lugar. É com os sonhos de quem quer viver outra vez num país em que todos tenham comida na mesa, em que haja emprego, salário digno e proteção da lei para quem trabalha; em que as crianças tenham escola e os jovens tenham futuro; em que as famílias possam comprar o carro, a casa e continuar sonhando e realizando cada vez mais. Um país em que todos tenham oportunidades e ninguém tenha privilégios.

Eu sei que um dia a verdadeira Justiça será feita e será reconhecida minha inocência. E nesse dia eu estarei junto com o Haddad para fazer o governo do povo e da esperança. Nós todos estaremos lá, juntos, para fazer o Brasil feliz de novo.

Quero agradecer a solidariedade dos que me enviam mensagens e cartas, fazem orações e atos públicos pela minha liberdade, que protestam no mundo inteiro contra a perseguição e pela democracia, e especialmente aos que me acompanham diariamente na vigília em frente ao lugar onde estou.

Um homem pode ser injustamente preso, mas as suas ideias, não. Nenhum opressor pode ser maior que o povo. Por isso, nossas ideias vão chegar a todo mundo pela voz do povo, mais alta e mais forte que as mentiras da Globo.

Por isso, quero pedir, de coração, a todos que votariam em mim, que votem no companheiro Fernando Haddad para Presidente da República. E peço que votem nos nossos candidatos a governador, deputado e senador para construirmos um país mais democrático, com soberania, sem a privatização das empresas públicas, com mais justiça social, mais educação, cultura, ciência e tecnologia, com mais segurança, moradia e saúde, com mais emprego, salário digno e reforma agrária.

Nós já somos milhões de Lulas e, de hoje em diante, Fernando Haddad será Lula para milhões de brasileiros.

Até breve, meus amigos e minhas amigas. Até a vitória!

Um abraço do companheiro de sempre,

Luiz Inácio Lula da Silva

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Não foi fatalidade

O Tempo
Editorial


Luzia tinha vinte e poucos anos quando morreu pela primeira vez, vítima de acidente ou ataque de animal. Decomposto seu corpo, partes de seu esqueleto sobreviveram por quase 12 mil anos, até seu crânio ser encontrado nos anos 70. Passou um tempo esquecida no Museu Nacional, até que “renasceu” pelas mãos do arqueólogo Walter Neves. Estudada, a pequena mulher revolucionou todas as teorias de povoamento das Américas. Chamada de “a primeira brasileira”, Luzia morreu de novo no domingo. Desta vez, para sempre.

Morreu também para sempre a Cantora do Santuário de Amun, mumificada em seu esquife, que havia sobrevivido à longa viagem, no século XIX, entre o Egito e o gabinete de dom Pedro II, onde era exibida então. As duas estavam entre os 20 milhões de itens do acervo do Museu Nacional, incinerados total ou parcialmente pelo fogo que os bombeiros não tiveram água suficiente para combater.

O Congresso Nacional, formado por deputados federais e senadores, custa ao contribuinte R$ 1,16 milhão por hora, nos 365 dias do ano, segundo cálculo da ONG Contas Abertas. O Judiciário brasileiro custou R$ 84,8 bilhões apenas no ano de 2016, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça divulgados em março deste ano. Os 200 anos do museu e os milhares de anos de história nele abrigados esperavam apenas R$ 550 mil anuais, repassados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas há anos vinham recebendo só parte da verba. Chegou a anunciar vaquinha virtual para levantar R$ 100 mil. O BNDES, que financia tantos empreendimentos de grandes empresas, iria repassar no mês que vem parcela de crédito ao museu, de R$ 3 milhões, para ser aplicada – ironia suprema – no projeto executivo de combate a incêndio.

A Polícia Federal vai dizer se foi curto-circuito, mau contato, fenômeno natural... Mas as causas do incêndio são o corte de gastos que vitima pesquisa e ciência nas universidades, o descaso com que o patrimônio histórico-cultural é tratado pelo governo e o desprezo de um povo por qualquer memória que vá além do feed das redes sociais. O Brasil terá que prestar contas à humanidade.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Annette Emperaire e a descoberta do fóssil humano mais antigo do Brasil: Luzia




Foto: A arqueóloga Annette Laming Emperaire e o diretor do Iepha/MG Luciano Amédée Péret na época dos trabalhos arqueológicos na região de Lagoa Santa.


Annete Emperaire chefiou missão franco-brasileira que encontrou o fóssil humano mais antigo do país na região de Lagoa Santa, conhecida como Luzia.


 A missão franco-brasileira em Lagoa Santa, sob a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ficou na região entre 1974 e 1976 e concentrou as escavações principalmente na Lapa Vermelha de Pedro Leopoldo. 
Foi nessa caverna que Annette encontrou Luzia, cujo crânio estava no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ). 

Em 1998, a primeira mulher da América, como entrou para a história, ganhou um rosto e uma história. Ao fazer o levantamento de coleções de fósseis no museu, o antropólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP), fez estudos aprofundados sobre os ossos e providenciou a datação, que é de 11,4 mil anos. 

 O arqueólogo e antropólogo Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), não foi o responsável por ter resgatado esse antigo esqueleto de um sítio pré-histórico, mas foi graças a seus estudos que Luzia, assim batizada por ele, tornou-se o símbolo de sua teoria de povoamento das Américas: o modelo dos dois componentes biológicos.
Formulada há mais de duas décadas, a teoria advoga que nosso continente foi colonizado por duas levas de Homo sapiensvindas da Ásia. A primeira onda migratória teria ocorrido há uns 14 mil anos e fora composta por indivíduos parecidos com Luzia, com morfologia não mongoloide, semelhante à dos atuais australianos e africanos, mas que não deixaram descendentes. A segunda leva teria entrado aqui há uns 12 mil anos e seus membros apresentavam o tipo físico característico dos asiáticos, dos quais os índios modernos derivam.

domingo, 2 de setembro de 2018

Memória incinerada pelo descaso

Fala Chico;

Luto - Memória incinerada


Uma tragédia sem precedentes é o incêndio no Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Seu presente de 200 anos foram cortes orçamentários que levaram à completa destruição de 20 milhões de peças. O museu mais antigo do país, onde funcionou a sede da Monarquia, foi abaixo pela irresponsabilidade de como as autoridades vêm tratando a memória histórica e o conhecimento. Perdemos um acervo histórico, arqueológico, antropológico, etnográfico e de História Natural respeitável internacionalmente. Tínhamos a maior coleção egípcia da América Latina, com múmias intactas dentro de seus sarcófagos. Acervo africano, americano pré-colombiano, grego, mediterrâneo, do Brasil pré-histórico e fósseis até mesmo da mais antiga brasileira já encontrada: Luzia, com 11.500 anos. Havia ainda animais desde a explosão cambriana, dinossauros, a megafauna do pleistoceno, como a preguiça gigante e até mesmo milhares de borboletas. Perdemos uma biblioteca insubstituível, com obras raríssimas como os livros da expedição de Napoleão no Egito e o diário de viagem de Dom Pedro II às pirâmides e a Luxor. Pesquisas em andamento viraram pó. A memória e a ciência brasileira e mundial estão em luto. Uma dor irreparável! Que nestas eleições, haja um compromisso dos políticos com a memória, a história e a ciência. Minha solidariedade a todos os trabalhadores e pesquisadores.

Prof. Thomas de Toledo, doutorando em Arqueologia pelo MAE/USP

sábado, 1 de setembro de 2018

A sessão de ontem do TSE ficará na história como um rasgado exercício do casuísmo eleitoral, por Tereza Cruvinel

Plenário do TSE, em Brasília 04/07/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino



Plenário do TSE - REUTERS/Ueslei Marcelino



Jornal do Brasil

Tereza Cruvinel

 “Pressões enormes” atuaram, entre a noite de quinta-feira e a tarde de ontem, para que o TSE antecipasse o julgamento dos pedidos de impugnação da candidatura do ex-presidente Lula, barrando, por tabela, seu acesso ao horário eleitoral de hoje. Com a degola antecipada de Lula, antes dos cinco dias de prazo para as alegações finais dos impugnantes, o TSE atingiu em cheio a estratégia eleitoral petista da transferência de votos, ao impedir a aparição de Lula no programa eleitoral de hoje. Essa foi a razão da pressa e das pressões.

Na noite de quinta, o tribunal chegou a divulgar uma pauta para a sessão de ontem, que não continha qualquer matéria relacionada a Lula. Ontem a presidente da corte, Rosa Weber, atendeu aos apelos do relator, ministro Roberto Barroso, para incluir as impugnações na pauta. A candidatura de Lula seria impugnado mais cedo ou mais tarde, mas o TSE aceitou o risco de desgastar-se, atropelando a lei e os prazos, para impedir que ele falasse como candidato, hoje, no rádio e na TV. Seriam aparições provisórias, mas poderiam ser fortemente indutoras de voto no substituto. A decisão antecipada pode aumentar as desconfianças internas e externas sobre o Judiciário brasileiro e também fortalecer a narrativa do Lula perseguido, favorecendo o novo candidato do PT.

De pressões falavam até os corredores do TSE antes do início do julgamento. Quem garantiu que fossem atendidas foi Barroso, ao convencer Rosa a incluir o caso na pauta, de última hora. Dificilmente os ministros terão tido tempo para ler a defesa de 200 páginas, apresentada pelos advogados de Lula perto da meia noite de quinta-feira. Rosa baixou os olhos quando um deles, Luiz Fernando Pereira, recordou o que ela disse ao refugar, há algumas semanas, o pedido de impugnação antecipada do MBL: “Vamos observar os ritos e os prazos. O direito tem seu tempo”. Ontem ela mudou de ideia.
Dois alvos

A lei sempre garantiu aos candidatos sub judice o acesso ao horário eleitoral e o direito de praticar atos de campanha enquanto o tribunal não decidisse sobre suas candidaturas. Barrar previamente o acesso de Lula à TV seria, portanto, uma ilegalidade e um casuísmo gritantes demais. O jeito foi antecipar o julgamento da própria inelegibilidade, queimando o prazo que ainda havia pela frente.

A defesa fez sustentações brilhantes porém inúteis. Barroso foi um verdugo frio e preciso. Sapateou sobre a determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, negando-lhe o efeito vinculante. E desculpou-se, antes de enfiar a faca e torcer: não se movia por razões pessoais, políticas ou ideológicas. Pensava nas instituições, na Constituição e na democracia. Queria garantir que o eleitorado conhecesse logo o quadro definitivo de candidatos e não via razões para aguardar mais cinco dias para apresentar seu voto. A decisão devia acontecer antes do início do horário eleitoral, para evitar a situação em que “no meio do caminho haja uma substituição”.

Exatamente a situação desejada pelo PT. Com esta ultima frase, Barroso explicitou cristalinamente que tinha um duplo alvo: antecipar a degola de Lula e também impedir que o PT tirasse proveito de seu favoritismo em favor do candidato substituto.

Surpreendente foi o voto do ministro Luiz Fachin, ao votar pelo acolhimento da recomendação do comitê da ONU, até que Lula tenha esgotados os recursos contra sua condenação penal. Se houver recurso ao STF, haverá lá outros ministros que pensam como ele? Mas depois dele, votaram com o relator os ministros Jorge Mussi, Og Fernandes e Admar Gonzaga, perfazendo a maioria de 4 a 1, a favor da impugnação.

O PT agora terá que reajustar sua estratégia. Nada será decidido antes da reunião que Haddad e outros terão com Lula na segunda-feira. A transferência de votos talvez ocorra do mesmo modo. Talvez seja mais complicado agora executá-la. Já a sessão de ontem do TSE ficará na história como um rasgado exercício do casuísmo eleitoral.