sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Diálogo, compromisso de amor e amizade social, por Marcelo Barros

 


Diálogo, compromisso de amor e amizade social

Por Marcelo Barros

 ( monge beneditino )

 Pela primeira vez na história, neste 2021 ainda tão excepcional, vivemos esta quarta-feira de cinzas sem ter tido Carnaval. Ainda há católicos que pensam: a quarta-feira de cinzas e a Quaresma existem para se pedir perdão pelos pecados cometidos no Carnaval. Seria como se as cinzas da quarta-feira fossem as fantasias queimadas do Carnaval apenas concluído. É verdade que, em tempos medievais, os dias de folia surgiram como a última liberdade antes da Quaresma. No entanto, no plano mais profundo, a Quaresma nada tem a ver com a negação das alegrias da vida. Já na Idade Média, Santa Mectildes, monja beneditina, afirmava que Deus é como uma criança que gosta de brincar e nos quer como companheiros/as para criar alegria. Antes dela, no século IV, João Crisóstomo, bispo e um dos pais da Igreja, ensinava: “Mesmo em meio aos sofrimentos do dia a dia, o Cristo ressuscitado vem fazer da nossa vida, uma festa contínua”. Assim, na antiguidade, a Quaresma surgiu, não para organizar a rotina de quem já peca pensando em depois pedir perdão e sim como tempo no qual se curte a alegria de preparar a celebração anual da Páscoa, sacramento da nossa libertação. Nesta preparação da festa pascal, é fundamental responder ao chamado de Jesus à conversão (metanoia). Ela significa mudança dos critérios e padrões que regem nosso estilo de vida. Isso nada tem a ver com a figura de um Deus mesquinho, recalcado sexualmente, como se fosse um Coronavirus divino, que exige isolamento social e não permite abraços, beijos e contatos corporais. A conversão proposta por Jesus pede transformação na nossa forma de olhar o outro e conviver. Ensina a nos relacionar com as pessoas e comunidades, de qualquer raça, cultura e religião. Faz-nos assumir o cuidado com todos os seres vivos e com o universo, sacramento da presença divina. Neste ano, no Brasil, temos a possibilidade de responder juntos a este apelo pascal do Espírito, através da 5a Campanha da Fraternidade Ecumênica, como sempre, proposta e coordenada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC). Ela tem como Tema “Cristo é nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2, 14). O lema é Fraternidade e Diálogo: Compromisso de Amor. Se as Igrejas cristãs obedecessem à palavra da carta do apóstolo aos efésios e compreendessem a missão de Jesus de forma integral, em relação ao mundo e não apenas à religião, nem precisariam dessa Campanha da Fraternidade. Elas mesmas seriam permanentemente e de modo profundo isso que essa campanha nos traz como tema e como lema. No entanto, muitos grupos eclesiais continuam se comportando como seitas. O primeiro sinal disso é chamar de seitas a outras Igrejas. Por isso, a CFE 2021 se faz necessária e mesmo urgente. Ela faz com que esta celebração da Páscoa nos confirme que a atual separação das Igrejas cristãs chega a ser uma dor muito grande para o Cristo ressuscitado. A divisão entre Igrejas parece tornar inútil tudo o que Jesus, viveu e realizou, já que “ele morreu para reunir na unidade os filhos e filhas de Deus dispersos pelo mundo” (Jo 11, 52). Em seu tema, a CFE 2021 repete: “Cristo é a nossa Paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2. 14). Poderia ter continuado: “Como as Igrejas parecem ter desfeito o que Jesus fez e terem reconstruído o muro de divisão que o próprio Cristo tinha derrubado (Ef 2, 13), esta Páscoa é ocasião para recompor esta diversidade reconciliada que o Cristo tanto deseja. Concretamente, toda Campanha da Fraternidade propõe ações de solidariedade e de compromisso ético que expressem e concretizem o apelo à conversão que acolhemos. Sem dúvida, todos nós somos chamados, em nome da fé e como caminho pascal, a apoiar e fortalecer os grupos, entidades e organismos que buscam politicamente uma frente ampla pela democracia e em defesa dos direitos dos pobres. Precisamos nos posicionar mais efetivamente do lado de profetas como o padre Júlio Lancelotti e tantos outros/as, na defesa das pessoas em situação de rua. Precisamos acolher e valorizar a profecia da solidariedade manifestada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante este longo tempo de pandemia, ao partilhar toneladas de alimento com famílias em situação de insegurança alimentar. Precisamos aprender com os Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais como conviver em harmonia com a mãe Terra, com a irmã água e todo o ambiente, sem devasta-lo. Assim, poderíamos elencar dezenas de outras ações, nas quais as Igrejas cristãs devem se mostrar verdadeiramente o que o papa Francisco chama “Igreja em saída”. No entanto, no mais cotidiano da vida, o primeiro compromisso ao qual esta Campanha da Fraternidade Ecumênica nos chama é passar da incomunicabilidade e da indiferença social à espiritualidade do diálogo como mística pascal. No tempo dos evangelhos, a incomunicabilidade era considerada sinal de que a pessoa era dominada por uma energia negativa. O surdo-mudo era tido como endemoniado. E Jesus expulsava esse espírito impuro, mesmo de alguém que se manifestasse com esta energia, mesmo no lugar mais sagrado, como era a sinagoga. Hoje, infelizmente, não são apenas pessoas. São grupos eclesiásticos e mesmo alguns ligados ao clero. Essa CFE 2021 pode ser excelente ritual de exorcismo laical e traduzido na cultura contemporânea. Em seu idioma, Jesus dizia: Effata, que quer dizer: Abre-te. E os ouvidos dos surdos se abriam à escuta e a língua dos mudos se soltava. Hoje, há irmãos e irmãs na fé que nos olham como traidores, porque nos posicionamos contra a discriminação social, a marginalização da mulher, a homofobia e outras expressões de uma sociedade injusta. A eles e elas, podemos dizer também em nome de Jesus: Effata! Abre-te ao diálogo e testemunha que Deus é Amor Incondicional. A convivência com o outro, e principalmente, o outro que é incompreendido e perseguido, faz desmoronar o edifício de preconceitos e abre espaço para a admiração, o respeito e o amor fraterno. Quanto a nós que cremos no Amor, como propunha Gandhi, comecemos por nós mesmos isso que propomos ao mundo.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Integrantes da Lava Jato se delataram, por Jânio de Freitas

 


Habituados às delações traidoras, integrantes
da Lava Jato se delataram em gravações

Janio de Freitas, na Folha

“Presente da CIA.”

A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.

Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.

A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.

A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.

Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.

O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.

Também interessante é outra providência do coordenador. Logo depois da prisão de Lula, o obcecado Dallagnol viajou. Para os Estados Unidos. “Foi à Disney.” Logo naqueles dias tumultuosos, que lhe pareceram até exigir, como recomendou, medidas especiais de segurança dos integrantes da Lava Jato.

Talvez se tenha que esperar por livros estrangeiros para saber o que foi e como foi, de fato, a Lava Jato conduzida por Deltan Dallagnol e Sergio Moro, este, hoje, integrado a uma empresa americana que lida com procedimentos do submundo empresarial. Mas nem tudo continua sob sombra ou como dúvida.

Habituados às delações traidoras, os próprios integrantes da Lava Jato delataram-se em gravações. A procuradora Carolina Resende, por exemplo, não disfarçou o objetivo do grupo: “Precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1) pra nós da PGR”. Falou no melhor vernáculo miliciano.