sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Aliança pela bestialidade, por Juca Kfouri

Juca Kfouri
22/11/2019 
Olhe bem para a marca do partido bolsominion
Em vez de aliança, balas pelo Brasil.
O número é o 38, da garrucha.
Para criá-lo se quer assinaturas digitais, embora o chefão da sigla seja contra o voto eletrônico, o queira em cédulas de papel.
Não resta dúvida de que é o partido das milícias, da barbárie, do tiro no lugar do livro.
Nem Hitler, nem Mussolini, nem Stálin, nem ninguém, assumiu a tal ponto tamanha boçalidade.
Quem se calar diante de semelhante ameaça à civilização, ou aderir ao escárnio, será cúmplice, e será julgado sem perdão pela História.
Se não estamos diante de crime de responsabilidade, o que é a irresponsabilidade?
Passou da hora de simplificar as coisas entre direita e esquerda.
Estamos diante de um grupo minoritário de sanguinários que quer aniquilar a cidadania.
Se não chegou a hora do basta, quando chegará?
Quando a barbárie se instalar e for tarde demais?
Pelas nossas filhas e pelos nossos filhos , pelos nossos netos e pelas nossas netas, chega!
É preciso parar com isso!
Agora! Já!! Imediatamente!!!
Ou o heil bozo prevalecerá.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

“Mais um golpe… em nome de Deus”: Nota do Conselho Nacional de Igrejas – CONIC

Observatório da Evangelização:

Na América Latina, estamos assistindo a instrumentalização do cristianismo para que grupos das velhas oligarquias retornem aos espaços políticos e implementem programas autoritários e neoliberais em detrimento do povo“.
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Confira:
“Deus acima de tudo” é usado por extremistas ao longo da história para a implantação de regimes econômicos e políticos autoritários e violentos. Os nazistas usaram, durante anos, o nome de Deus e elementos da fé cristã para justificar a sua ideologia e os seus crimes. No manifesto do partido nazista, Hitler chega a pedir que Deus abençoasse as armas alemãs [1]. 

Com integrantes da seita fundamentalista de extrema-direita Ku Klux Klan, na América do Norte, o enredo foi semelhante [2]. Para integrar o grupo, o membro devia ser cristão, além de branco e nascido nos EUA. Como forma de legitimar a seita, uma Bíblia era usada no batismo, e então trechos de Romanos 12 eram lidos, além de certos versículos selecionados e fora de contexto.

Na América Latina, estamos assistindo a instrumentalização do cristianismo para que grupos das velhas oligarquias retornem aos espaços políticos e implementem programas autoritários e neoliberais em detrimento do povo. A entrada com a Bíblia, no Palácio do Governo, do grupo que forçou Evo Morales a renunciar, representa o vínculo perigoso entre política autoritária e instrumentalização da religião.

A Bolívia é um país plurinacional, formado por uma população indígena que mantém sua cultura e suas tradições de forma vibrante. A bandeira Whipala é um dos símbolos da plurinacionalidade boliviana. Impor a Bíblia à força e realizar ações de violência contra as pessoas pobres e a população indígena, em nome do Deus cristão, é recuperar as práticas colonialistas [3] do passado[4]. 

A diferença é que, desta vez, o colonialismo é neoliberal e o deus que fundamenta esta prática é o do Mercado, não o Deus amoroso e misericordioso que conhecemos no Evangelho. 

O Deus do Evangelho não ataca e nem violenta as múltiplas formas de espiritualidade de um povo. É um Deus que só reconhece a linguagem do amor. Como pessoas que desejam manter uma coerência mínima com a fé em Jesus Cristo, não podemos aceitar o ataque à democracia e a violência em nome de Deus nem na Bolívia, nem no Brasil, e em nenhum lugar do mundo. 

Que a ordem democrática, alicerçada firmemente na laicidade, no plurinacionalismo que respeita as diversidades culturais e religiosas, retornem à Bolívia. Estamos atentos e vigilantes em relação à garantia da integridade do presidente Evo Morales, das lideranças populares e defensores dos direitos humanos. Ao povo boliviano, nossa solidariedade. Que sua bandeira Whipala volte a tremular.
REPORT THIS AD

Agencia Ecuménica de Comunicación – ALC
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Fórum Ecumênico ACT Brasil – FE-BRASIL
Fundação Luterana de Diaconia – FLD
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço
Referências: 
  • [1] ihu.unisinos.br/eventos/559252-quando-os-nazistas-disseram-deus-esta-conosco;
  • [2] super.abril.com.br/mundo-estranho/como-era-o-batismo-de-um-membro-da-ku-klux-klan;
  • [3] brasildefato.com.br/node/10307/;
  • [4] jus.com.br/artigos/72711/colonialismo-e-genocidio-no-congo-belga 
Fonte:

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Lula deixa a prisão política após 580 dias


   

Lula Inocente: "Consegui a proeza de preso arrumar uma namorada e ela aceitar casar comigo. É muita coragem dela" O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a sede da Polícia Federal do Paraná e foi diretamente para a Vigília Lula Livre, no final da tarde desta sexta-feira (8). Abraçou apoiadores que estiveram firmes durante os 580 dias de prisão política. “Não prenderam um homem. Tentaram matar uma ideia. Ideia não se mata”, disse ao sair, assinalando que “o amor vai vencer neste país”. Lula fará um pronunciamento à nação em ato marcado para este sábado, às 12h, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo.
Seu primeiro discurso em liberdade, de 15 minutos, foi de agradecimento aos militantes da Vigília, que resistiram durante todo o período de cárcere. “Vocês não tem noção do significado de eu estar aqui com vocês. Eu, minha vida inteira, tive conversando com o povo brasileiro, não pensei que, no dia de hoje, poderia estar aqui com homens e mulheres que, durante 580 dias gritaram bom dia Lula, boa tarde Lula, boa noite Lula.”
Para Lula, a Vigília foi “o que eu precisava para resistir à safadeza e à canalhice que parte do Estado, da Justiça, do MP, da PF, da Receita, fizeram comigo”. “Trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, o PT. Não poderia ir embora sem cumprimentar vocês. Cumprimento os companheiros da coordenação que trabalharam incansáveis”, afirmou, ao agradecer citando nome por nome os principais organizadores.
O alvará de soltura foi expedido pelo juiz Danilo Pereira Júnior, um dia após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de seguir o texto do Código Penal e da Constituição Federal de garantir a ampla defesa e autorizar a prisão apenas após trânsito em julgado da sentença. Lula deixou a unidade da PF em Curitiba às 17h50.
“Vou lutar para provar que uma quadrilha, essa maracutaia liderada pela Globo, tentaram criar a imagem de que Lula era bandido. Se pegar Moro, Dallagnol, delegado que fez inquérito, enfiar um dentro do outro, não dá um terço da honestidade que tenho. Caráter e dignidade não é algo que compramos em shoppings”, disse.

Amor

Sempre ao lado da socióloga Rosângela Silva, a Janja, sua namorada, Lula disse que ela já aceitou seu pedido de casamento. “Apresento minha futura companheira. Consegui a proeza de preso arrumar uma namorada e ela aceitar casar comigo. É muita coragem dela. Imaginei dar um grande beijo para cada um da Vigília. Vocês não tem noção da importância de vocês na minha vida. Fiquei fortalecido, corajoso”, completou.
Por fim, Lula deixou a mensagem de amor e de esperança para a militância. “Saio daqui com 74 anos. Meu coração só tem espaço para amor. O amor vai vencer nesse país. O nordestino que nasceu em Garanhuns, que passou fome, não morreu de fome, não tem nada a temer. A partir de agora, vou para São Paulo. Serei eternamente grato. Que Deus abençoe cada homem e cada mulher. Obrigado pelo grito de Lula livre.”
Como próximo passo, Lula reafirma que deve lutar de forma incansável. “Depois que fui preso, depois que roubaram o Haddad, o Brasil piorou. O povo não tem mais carteira assinada, está trabalhando de Uber, de bicicleta para entregar pizza. Não vai ter aumento no salário mínimo.”









quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Desinformação e pressão sobre o STF


Por ​​​​​​Lenio Luiz StreckMarco Aurélio de CarvalhoFábio Tofic SimantobAlberto Zacharias Toron (Advogados que atuam no STF nas ADCS 43, 44 e 54)


Justificando.com

Presunção da inocência proíbe prender? Mitos e lendas!

“Qualquer pessoa pode ser presa antes da última instância , basta preencher os requisitos para prisão preventiva. O que não existe é alguém ser forçado à prisão com o processo cabendo recurso e sem prisão preventiva. É isso que o STF está julgando. Por favor, se informem”.

Quem escreveu esse post não foi um catedrático de direito. Foi o youtuber Felipe Neto. Mas qualquer processualista ou constitucionalista poderia, arrumando, evidentemente, algumas palavras e expressões jurídicas, assinar embaixo. Praticamente uma aula.

E nós vamos dizer pela milésima vez: STF não vai proibir a prisão em segunda instância, muito menos em primeira ou até antes de iniciado o processo. O STF está decidindo apenas se a partir da segunda instância a prisão pode ser decretada com um singelo carimbo, ao sabor dos humores de cada juiz, ou se isto só é possível na forma da lei, preventivamente, desde que fundamentadas as razões, ou ainda após o trânsito em julgado, como diz a Constituição e o artigo 283 do Código de Processo Penal. É isso!

Mas, se é tão simples assim , por que há tanta desinformação? Vamos lá. Democracia implica a existência de uma esfera pública em que haja paridade de armas. Hoje, as redes sociais passaram a ser o espaço do engodo. O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 são um exemplo privilegiado do uso de mentiras e ameaças aos ministros do STF que não concordam com a opinião “whatsappiada-twuittada”, que, de pública, nada tem. O que há são discursos raivosos, somados aos textos da grande mídia que distorcem os fatos e os dados.
São impublicáveis as postagens assacadas contra os ministros que já votaram a favor da coisa mais prosaica que existe em direito: a confirmação da textualidade de um Código, que espelha o que diz a Constituição, coisa já feita muito bem pelos ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Lewandowski. Agora querem pressionar os ministros que podem votar do mesmo modo que esses três.

E para pressionar os demais julgadores, formou-se um estado de natureza desinformacional, com postagens e “notícias” dizendo coisas como “a presunção da inocência é o paraíso da impunidade”; “presunção é para os ricos”; “190 mil pessoas serão soltas”; “julgamento vai acabar com a lava jato”; “qualquer criminoso poderá recorrer, em liberdade, até o STF, por anos e anos” e assim por diante. Sim, mente-se que, se o STF garantir o que está na CF e no código de processo penal, estarão proibidas as prisões depois da condenação. Confundem, por desconhecimento ou má-fé, pena de prisão e prisão processual. Inverdades multiplicadas.

Pior: há gente da área jurídica envolvida. Professores espalhando boatos e sugerindo até o fechamento da Suprema Corte, dando eco ao discurso de alguns caminhoneiros que ameaçam fechar estradas caso o STF vote conforme o que diz a lei.

Cumprir a lei e a Constituição estritamente virou crime e sinônimo de subversão. Que tipo de gente formamos em nossas faculdades? Professores pregando o caos só porque o STF “ameaça” dizer aquilo que diz a Constituição?

Urge que a camada pensante do país – que pensamos ainda existir – venha a campo e ajude a dizer que o STF tem liberdade de julgar. E que o STF não tem nada a ver com a voz dos grupos de whatsapp. Aliás, a função do STF é garantir a mais antiga verdade do Direito: a de que a Constituição é um remédio contra maiorias. Decisão do STF não é plebiscitária.

Numa palavra, eis o paradoxo: como youtuber, Felipe Neto mostra-se um ótimo jurista! Melhor que muita gente por aí que estudou direito.

​​​​​​Lenio Luiz StreckMarco Aurélio de CarvalhoFábio Tofic SimantobAlberto Zacharias Toron, são advogados e atuam no STF nas ADCs 43, 44, 54

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Coringa, de Todd Phillips, o espelho de um mundo doente



Coringa, de Todd Phillips, o espelho de um mundo doente
Cláudio Diniz e Warley Cardoso

“É do inferno dos pobres que é feito o paraíso dos ricos.”
(Victor Hugo)
Olá, Leitor!
Uma das tópicas mais importantes do filme Coringa(2019), de Todd Phillips, é a melancolia do palhaço fracassado que enxerga na violência desmedida um caminho a seguir em meio ao caos de um mundo que não deu certo. O cenário é uma Gothan City que poderia se assemelhar a qualquer cidade onde a falta de esperança num Estado que “caga” para o cidadão resulta na revolta das maiorias silenciosas. O desprezo dos mais ricos com os deserdados do capitalismo conduz à carnavalização da miséria no festim diabólico da indústria cultural. No fim, a revolta iminente dos invisíveis da história não é apenas uma visão dantesca de um inferno utópico, mas uma assustadora e complexa escatologia.
Definitivamente, não é um filme que deve ser interpretado com simplismo a partir de uma chave de leitura política de direita ou de esquerda. Tampouco, uma ficção baseada no projeto de desenvolvimento da origem do vilão como já se fez para o próprio Batman. Na Gotham de Todd Phillips, não há espaço para romantismos de qualquer inspiração. Coringa é um filme que impacta porque é perturbador, sanguinário e sem um sentido ficcional previamente estabelecido. Talvez, a chave de leitura mais importante do filme reside na percepção de que o protagonista desse thriller dramático está muito mais próximo do ser humano do que jamais se pensou que tal vilão poderia estar.

“Um soco na cara” é uma possível definição que se pode ter após assistir a este filme perturbador e magnífico.
Logo no início da sessão nos deparamos com um protagonista doente, que necessita da ajuda do Estado para cuidar de si e da mãe convalescente. Sua perturbação e suas preocupações são grandes.
O clima que envolve a trama, sua fotografia e a forma como são expostos os seus dramas nos comovem desde o primeiro momento pois, a imersão no universo do personagem é enorme e tudo o que lhe acomete provoca um grande incômodo.
Se existe uma palavra para definir o que sentimos ao longo das mais de duas horas de filme é desconforto. Desconforto ao ver uma Gotham decadente, suja, desorganizada, sem apoio político para as pessoas menos favorecidas e desconfiada, acima de tudo, de sua classe política que nada faz pelos cidadãos. Afinal, a invisibilidade social e o desprezo aos mais necessitados é recorrente. É neste cenário que está Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um palhaço triste e sem talento, que sobrevive em meio à criminalidade e à dificuldades econômica. Um cara ocupado com trabalhos pouco dignos e que busca ganhar a vida fazendo os outros rir numa Gotham City sem qualquer disposição para isso. A cidade cheia de lixo, fruto de uma greve prolongada do serviço de limpeza urbana, é apenas uma dentre as várias metáforas visuais do filme.
O pobre e solitário palhaço vive com a sua mãe doente (Frances Conroy), que o chama desde criança de happy(uma pequena ironia relacionada com um problema neurológico que faz com que Arthur ria de forma descontrolada quando se sente eufórico ou nervoso). Mãe e filho, carregados de traumas psicológicos, apoiam-se na esperança de que o magnata Thomas Wayne  apareça para ajuda-los porque, supostamente, ele seria o pai biológico de Arthur Fleck.
Devido a sua doença ele carrega consigo um cartão para explicar sua condição e o entrega a desconhecidos sempre que tem um ataque de riso no momento errado, o que é deprimente. Arthur é uma vítima na maior parte da história, humilhado e enganado por todos, e que se afunda cada vez mais numa miséria tão abismal que o suicídio é uma ideia recorrente. No entanto, Arthur acaba se transformando em um assassino frio e cruel. Esse processo é gradual e nos faz questionar se alguns daqueles problemas poderiam acometer qualquer um de nós em algum momento.
É de se esperar, tendo em vista toda a história, canônica ou não, que a transformação de Arthur seja uma coisa previsível desde o primeiro frame, porém a história ainda consegue oferecer algumas surpresas ao longo da descida de Arthur à loucura homicida.
Pode-se perceber as inúmeras influências diretas presentes no filme e alguns fans services. Os rascunhos no diário, no qual anota suas ideias criativas fazem lembrar de Psicopata Americano (2000). A narrativa triste remete a HQ A Piada Mortal (1988) e a sequência no talk show tem uma homenagem ao seminal O Cavaleiro das Trevas (1986), de Frank Miller. A presença de Robert DeNiro como o apresentador Murray Franklin, uma inversão propositada de O Rei da Comédia (1983), em que o apresentador era Jerry Lewis e De Niro fazia o papel do sociopata que aspirava ser comediante. Zazie Beets traz uma normalidade precisa ao papel de vizinha e interesse amoroso de Arthur e, Frances Conroy, representa com brilho uma mãe instável.





Enquanto o Coringa de O Cavaleiro das Trevas é uma encarnação enigmática, porém de ótimo gosto, de puro caos, imprevisibilidade e animalesco, Joaquin Phoenix concretiza sua interpretação tornando o personagem mais humano e tridimensional.
O Coringa de Phoenix é um personagem renovado, uma versão mais fiel às HQ’s, mais patético, mais performático e, ao mesmo tempo, com sequências de dança e expressões corporais memoráveis que remetem  ao personagem Alex, de Laranja Mecânica (1972). O trabalho de Joaquin Phoenix é fantástico até nos mais pequenos detalhes. Os 23 kg a menos, as unhas roídas até ao sabugo e, propositalmente, manchadas de nicotina, ajudam Phoenix a compor a encarnação real de Arthur, dá a ele substância.
Percebe-se que a linha criativa que Todd Phillips procura seguir é a de Martin Scorcese. Este é sua inspiração e o filme claramente baseia-se nos clássicos dos anos 70 como O Rei da Comédia e Taxi Driver (1976). É uma interpretação profunda, construída sobre um ponto de vista subjetivo de uma pessoa com graves distúrbios mentais que se arrasta lutando para sobreviver. A trilha sonora completa a imersão do filme. É o melhor trabalho de Todd Phillips, incluindo o figurino, produção e fotografia impecável.
Existe, porém, uma tênue camada de interpretação. Para uns isso pode levar a uma glamorização do vilão carismático e seu comportamento. Porém, subsiste certa discussão sobre o fato de o personagem poder ou não incentivar as massas para a desordem e o caos por motivo do tamanho desconforto e inquietação dessa película. Mas, absolutamente, o Coringa não foi feito para ser uma apologia ao comportamento de seus personagens. Talvez seja um instrumento fantástico de questionamento das mazelas do nosso tempo. Entretanto, podemos pensar que ele é uma interpretação fidedigna de uma realidade atual e maçante, aturdido por um sistema, seja ele político e ou financeiro, que espreme as pessoas que precisam de ajuda, que esmaga os mais necessitados. Ao mesmo tempo, é uma crítica a muitos comportamentos da nossa sociedade doente, um questionamento sobre tudo o que fazemos no mundo.
É claro que um filme sobre um dos maiores vilões da cultura pop não poderia deixar de se atirar nos temas atuais levando ao confronto com o espectador. A película é uma obra de arte, uma ode a um reflexo da psique de um personagem de enorme grandiosidade. Coringa é desconfortável, instável, carregado de controvérsias, e um dos filmes que melhor captura o estranho espírito do tempo, nosso Zeitgeist de 2019.
Uma mensagem sobre a nossa falta de empatia que faz com que cada vez mais pessoas com problemas passem despercebidas, sem acolhimento, relegadas ao esquecimento e ao desprezo. É uma crítica contundente a uma sociedade que sobrevive dos restos de uma minoria rica que pouco se importa com seus problemas e sua miséria, fazendo com que toda essa mistura mágica tenha como resultado o caos e a convulsão social.
Enfim, uma obra que se passa num outro tempo, mas que fala tanto de nosso presente e nos faz duvidar do futuro. Isto é, um verdadeiro soco na cara.



Conrad Veidt e Joaquin Phoenix. Disponível em https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/10/02/o-homem-que-ri-o-filme-assustador-de-palhacos-que-inspirou-coringa.htm Acesso em 16.10.2019

O Coringa, principal antagonista do Batman, foi criado em 1940 por Jerry RobinsonBill Finger e Bob Kane para a DC Comics. Sem dúvida, o vilão é uma evidente menção ao personagem Gwynplaine da obra O homem que ri (1869), de Victor Hugo. Com o propósito de exibi-lo como atração de feiras e circos, os traficantes de crianças (comprachicos) da Inglaterra do fim do século XVII cortam os dois lados da boca de Gwynplaine transformando-o num verdadeiro monstro. Contudo, é o mundo em que Gwynplanine vive que é monstruoso. O descaso com os mais desafortunados é a demonstração de uma modernidade medíocre que busca o exótico e o pitoresco na fronte dos invisíveis do capitalismo. Mais tarde, em 1928, a obra de Hugo foi apresentada em suporte cinematográfico pelo diretor expressionista alemão Paul Leni. Essa tradução intersemiótica revelou-se como a base para a criação do personagem dos quadrinhos. O filme de Leni foi visto como uma obra de terror por causa da excelente caracterização de Conrad Veidt (1893-1943), mas o gênero é evidentemente dramático. A relação com o filme de Todd Phillips, nesse sentido, fica mais próxima ainda. Coringa de Todd Phillips é o drama de um invisível que, como procuramos demonstrar, oferece um espelho melancólico de um mundo doente.

Bolsonaro está provocando o confronto, por Fernando Brito


Uma chance para parar o monstro


Ninguém pode achar, a esta altura, que assistimos apenas à um espetáculo dantesco de descontrole político e emocional do clã Bolsonaro.
Sim, é, mas está longe de ser somente isso.
Bolsonaro está evidentemente provocando um confronto e não se sabe que cartas tem na mão para sustentar este jogo.
Conta com a imobilidade dos dois outros poderes da República, de um lado pelo silêncio de Dias Toffoli, de outro pela ambição de Rodrigo Maia em se cacifar como aquele que, em meio à barafunda, está “tocando” as questões econômicas de interesse do empresariado?
Espera que a desmobilização dos movimentos sociais e dos partidos de oposição, ausentes das ruas, evitará reações?
Avalia que, embora não se disponham a moverem-se como vanguarda a seu favor, as Forças Armadas não tenham como agir, por falta de uma liderança legalista, contra uma ofensiva de seus alucinados “minions”?
Tudo parece fora de sua era, mas os tempos que vivemos têm muito mais sinais de que estamos em era diferente daquela em que democracia e humanismo teriam se afirmado como senso comum.
Não é preciso fechar o Congresso e o Judiciário para implantar uma ditadura de fato, basta que se complete o processo, já bem adiantado, de sua submissão à barulhenta “opinião pública” de seu exército virtual e dos pequenos “comandos” reais que aparecem por grupos enfurecidos ou nos arroubos filiais.
É o famoso “ganhar no grito”, com o rugido do velho leão. Ou alguém pensava que a Rede Globo recuaria com a ameaça, na “live furiosa” de cassarem-lhe a concessão?
Afinal, o próprio Bolsonaro figurou a situação em seu tosco vídeo: ele vai enfrentar todos e conta com a chegada providencial do reforço do “leão conservador patriota”. Os militares?
De nada nos valerá esperar que o desastre inevitável no campo econômico-social encarregue-se de enfraquecer e imobilizar o governo em sua escalada autoritário. Em sociedades politicamente desorganizadas, com instituições e imprensa que tudo toleram ou fazem contra o campo popular – pois não quiseram e fizeram de um tosco primevo o Presidente? – a crise é combustível da direita.
Mas não é Bolsonaro quem, à toda evidência, quer o confronto?
Sim, é, mas se fugirmos dele, conseguirá reagrupar e restabelecer seu comando sobre as forças auxiliares que estão dispersas, confusas e conflitadas.
Dificilmente haverá outro momento, como agora, em que as forças políticas conservadoras estejam tão confusas e apatetadas diante do monstro que criaram e achavam que iam transformar em seu dócil agente.
Era para ser o bobo da corte, mas virou rei e quer ser o monarca absoluto, para espanto dos barões.
Bolsonaro deixou de ser apenas um arranjo tosco e talvez não haja outra chance de pará-lo.