sábado, 19 de dezembro de 2015

Ditadura militar agiu para impedir Nobel da Paz a Dom Helder Câmara revela dossiê

Dom Helder Câmara poderia ter vencido Nobel da Paz, revela dossiê


O Globo
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O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, poderia ter sido o primeiro brasileiro a vencer o prêmio Nobel da Paz, no início dos anos 1970, não fosse a intervenção do governo militar do general Emílio Garrastazu Médici. A revelação foi feita pela Comissão Estadual da Memória e Verdade, que leva o nome do religioso, durante o lançamento da obra "Prêmio Nobel da Paz: A atuação da ditadura militar brasileira contra a indicação de Dom Helder Câmara", realizado na manhã desta sexta-feira (18), no Palácio do Campo das Princesas.
O dossiê reúne diversas correspondências trocadas por autoridades entre os anos de 1970 e 1973. De acordo com o coordenador da comissão, Fernando Coelho, Dom Helder apresentava todos os pré-requisitos para ganhar a premiação devido a sua atuação humanitária e contrária à ditadura. Porém, ganhar o prêmio daria uma grande visibilidade para os problemas que o Brasil vivia como torturas e perseguições a quem era oposição.
"Ele foi sucessivamente, durante três anos, indicado e rejeitado graças a essas intervenções do governo brasileiro. Nós conseguimos até, junto ao Itamaraty, uma série de documentos que comprovam, sem sombra de dúvida, essa intervenção. Por exemplo, há correspondências entre o embaixador do Brasil em Oslo [Noruega] e o Itamaraty dando notícia das providências que tinha tomado e as dificudades que estava encontrando. Por sinal, entre as correspondências, na terceira indicação, o embaixador disse: 'não temos mais o que dizer, dessa vez está correndo o risco dele vir a ser'", revela Coelho.
Livro Dom Helder (Foto: Thays Estarque/G1)Dossiê reúne correspondência de autoridades e pode ser lido no site da Comissão da Verdade (Foto: Thays Estarque/G1)
Dom Helder Câmara esteve à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife entre 12 de março de 1964 e 15 de julho de 1984. Fernando Coelho ainda conta que, durante esse período, o arcebispo sofria ameaças por defender firmemente os direitos humanos  e se opor às violências cometidas pela ditadura. "Inclusive, foi metralhado o local onde trabalhava. O assassinato de padre Antônio Henrique foi um recado mandado a Dom Helder, já que assassiná-lo teria uma repercussão desfavorável", completa.
Para o atual arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, a divulgação do material é um presente de Natal para a arquidiocese e a população. "É algo que se especulava muito. Agora, temos essa documentação comprovando que Dom Hélder foi indicado mais de uma vez para receber o Prêmio Nobel da Paz e opositores fizeram por onde isso não acontecer. A justiça agora se faz, a comissão conseguiu comprovar a questão e nós estamos contentes de termos a clareza de tudo que aconteceu na época", comemora.

Família holandesa
Um holandês foi o responsável por organizar a campanha internacional para que Dom Hélder concorresse ao Nobel à época. Francisco Mooren, que morreu no ano passado, atuava com causas humanitárias e tornou-se um propagador das ideias do religioso na Europa. As filhas dele, Fleur Mooren e Gabriela Hélder Câmara Mooren, estiveram presentes no lançamento do dossiê no Recife e a família contribuiu para os estudos da comissão. Segundo Gabriela, o pai acreditava que a única maneira de proteger Dom Hélder da ditadura militar era tornando ele famoso no mundo.
Gabriela Mooren é afilhada de Dom Hélder e o pai dela organizou a campanha pelo Nobel ao religioso (Foto: Divulgação/Wagner Ramos/Secretaria de Imprensa)Gabriela Mooren é afilhada de Dom Hélder e o pai
dela organizou a campanha pelo Nobel
(Foto: Divulgação/Wagner Ramos/SEI)
"Isso [as manobras da ditadura contra Dom Hélder] não é novo, meu pai já falava sobre tudo isso. Nós sabíamos o que Dom Hélder defendia e a posição dos opositores", disse Gabriela, que tem 46 anos e é médica. "Estou emocionada e com muito orgulho. Dom Helder me batizou e era amigo do meu pai.  Meu pai está de mãos dadas com meu padrinho lá no céu", acredita.
A documentação não repara a injustiça cometida contra Dom Helder, mas para o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), o dossiê por si só já conta pelo valor da verdade apresentado. "Dom Hélder foi um brasileiro que buscou a democracia, muito perseguido, e essa história não foi contada como tinha sido. Em plena democracia que vivemos, é muito importante restaurar a verdade e que ela siga de exemplo para as novas gerações. A gente tem sempre que trabalhar mansagens de pessoas que fizeram bem ao Brasil e ao mundo", conclui.
O caderno especial "Prêmio Nobel da Paz: A atuação da Ditadura Militar Brasileira contra a indicação de Dom Helder Câmara" pode ser conferido na página da Comissão Estadual da Memória e Verdade no Facebook.

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