quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Conhecendo mais sobre Guimarães Rosa : Parte II


Na segunda parte da matéria, do site elfikurten.com.br, sobre  Guimarães Rosa, as informações sobre a formação e atuação como médico e diplomata :


O MÉDICOGuimarães Rosa ingressou na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (hoje Faculdade de Medicina da UFMG) com 17 anos incompletos. Em 1926, quando cursava o 2º ano, pronunciou, no anfiteatro da Faculdade, diante do ataúde de um estudante vitimado pela febre amarela, as palavras “As pessoas não morrem, ficam encantadas”, que, ouvidas na ocasião por seus colegas Alysson de Abreu e Ismael de Faria, seriam repetidas, 41 anos depois, quando de sua posse na Academia Brasileira de Letras.


João Guimarães Rosa [Acervo Família Tess]
Graduou-se em 1930 e, escolhido orador da turma,chamou a atenção dos doutorandos para a necessidade de uma prática médica impregnada de humanismo. Recém-formado, clinicou, durante cerca de um ano e meio, em Itaguara; em abril de 1933, após ter participado, como médico voluntário da Força Pública, da Revolução Constitucionalista, transferiu-se para Barbacena, na condição de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Em Barbacena, concluiu que deveria abandonar a Medicina, deixando clara sua intenção em carta datada de 20 de mar. 1934, enviada ao amigo Pedro Moreira Barbosa:

“Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre ‘après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material – só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez – nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.”

Mas, mesmo abraçando a carreira diplomática – prestou concurso para o Itamaraty em meados de 1934 –, abordou, com maestria, em sua obra literária, temas médicos como a malária (“Sarapalha”), a doença mental (“Soroco, sua mãe, sua filha”), o acidente ofídico (“Bicho mau”) e a miopia (“Campo geral”).


“Fui médico, rebelde e soldado [...] Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte..."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


João Guimarães Rosa e Aracy no Consulado em Hamburgo.
 [Foto Acervo Família Tess]
O DIPLOMATA
Em 11 de julho de 1934, Rosa é nomeado cônsul de 3ª classe e, ao final de 1937, é promovido a cônsul de 2ª classe. Com esse cargo chega ao consulado de Hamburgo em 1938, onde permanece até 1942. Durante o período em que esteve na Alemanha, aproveitou para conhecer vários países europeus. Em carta para os pais, escrita de Hamburgo, em 16 de maio de 1938, o escritor revela aspectos de suas primeiras impressões da cidade:

“Quanto a Hamburgo, suas bellezas e sua alegria de vida são indiziveis!
Mesmo eu, que já tinha lido dezenas de livros sobre a Allemanha, que já
convivi com allemães, que já tinha conversado, principalmente nas vesperas
da viagem, com funccionarios do Ministerio vindos da terra germanica, mesmo
eu, repito, não tinha uma idéia verdadeira do que era isto! E a minha
imaginação, que não é das mais fracas, foi batida e humilhada: a Allemanha
é qualquer coisa de formidavel! Bellezas naturaes, ordem, limpeza, trabalho,
vida, alegria. Principalmente, todos aqui se divertem. Ninguem se incommoda
com os actos e as vestimentas dos demais. Ninguem receia o ridículo. (...)
Todos cantam, dançam (...), dirigem a palavra, amigavelmente, aos desconhecidos, estabelecendo a cordialidade e communicabilidade instantaneas.”


João Guimarães Rosa e a Segunda Guerra Mundial
João Guimarães Rosa
Guimarães Rosa foi Cônsul Adjunto em Hamburgo, na Alemanha, durante a guerra, por várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. Ademais, embora consciente dos perigos que enfrentava, ajudou D. Aracy, então sua esposa e chefe da seção de passaportes do consulado a proteger e salvar a vida de muitos judeus perseguidos pelo Nazismo, fornecendo-lhes vistos de entrada para o Brasil, sem mencionar a religião do portador.


“um diplomata é um sonhador e por isso pude exercer bem essa profissão. O diplomata acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram. Por isso agi daquela forma e não de outra. E também por isso gosto muito de ser diplomata. E agora o que houve em Hamburgo é preciso acrescentar mais alguma coisa. Eu, o homem do sertão, não posso presenciar injustiças. No sertão, num caso desses imediatamente a gente saca o revólver, e lá isso não era possível. Precisamente por isso idealizei um estratagema diplomático, e não foi assim tão perigoso."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".

Em reconhecimento a essa atitude a sua mulher Dona Aracy Carvalho Guimarães Rosa, foi homenageada em Israel, em abril de 1982, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros. A concessão da homenagem foi precedida por pesquisas rigorosas com tomada de depoimentos dos mais distantes cantos do mundo onde existem sobreviventes do Holocausto. Foi à forma encontrada pelo governo israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para salvar judeus perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial.
D. Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, em Israel.
Os vistos eram proibidos pelo governo brasileiro e pelas autoridades nazistas, exceto quando o passaporte mencionava que o portador era católico. Sabendo disso, a mulher do escritor, D. Aracy, que preparava todos os papéis, conseguia que os passaportes fossem confeccionados sem mencionar a religião do portador e sem a estrela de Davi que os nazistas pregavam nos documentos para identificar os judeus. Nos arquivos do Museu do Holocausto, em Israel, existe um grosso volume de depoimentos de pessoas que afirmam dever a vida ao casal Guimarães Rosa. Segundo D. Aracy, que compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido sempre se absteve de comentar o assunto já que tinha muito pudor de falar de si mesmo. Apenas dizia: "Se eu não lhes der o visto, vão acabar morrendo; e aí vou ter um peso em minha consciência."


"Queria acrescentar que também configuram meu mundo a diplomacia, o trato com cavalos, vacas, religiões e idiomas."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


Guimarães Rosa - e o Serviço Demarcação de Fronteiras

"E agora me ocupo de problemas de limites de fronteiras e por isso vivo muito mais limitado."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


Sobre o trabalho de Rosa na Divisão de Fronteiras do Itamaraty e na criação de territórios mágicos do sertão, Celso Lafer afirma:

“Sua capacidade ímpar de utilizar-se de registros lingüísticos diversos era, no plano literário, o correlato perfeito daquele que é o primeiro item de qualquer agenda diplomática, ou seja, a fixação das fronteiras, base da especificidade da política externa que pressupõe uma diferença entre o “interno” (o espaço nacional) e o “externo” (o mundo). Ele traduzia, assim, em sua literatura um dos princípios fundamentais da diplomacia brasileira, uma linha de ação voltada para transformar nossas fronteiras de clássicas fronteiras-separação em modernas fronteiras-cooperação.”
- LAFER, "O Itamaraty na cultura brasileira", p. 22.



A política
"A política é desumana, porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em uma conta. Eu não sou um homem político, justamente porque amo o homem. Deveríamos abolir a política."
- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".



"Talvez eu seja um político, mas desses que só jogam xadrez, quando podem fazê-lo a favor do homem. Ao contrário dos “legítimos” políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. Sou escritor e penso em eternidades. O político pensa apenas em minutos. Eu penso na ressurreição do homem."


- João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Dialogo com Guimarães Rosa".


 

 DIÁRIO "ALEMÃO" DE GUIMARÃES ROSA
Manuscrito com Anotações  de Guimarães Rosa,
no seu Diário - [Acervo Arquivo dos Escritores
Mineiros. UFMG - Fundo Henriqueta Lisboa].
Na sua composição, o “diário alemão” de Guimarães Rosa engloba uma diversidade de registros e escritas: citações de textos, de livros, com observações de leitura; relação de palavras de diversas línguas, ressaltando-se ora seus significados, ora seus significantes, à

maneira de verbetes de dicionários; relatório de despesas, com inscrição de contas; lista de livros na estante, de temperos da culinária alemã; roteiros de viagens diplomáticas; convites para compromissos consulares; relatos de visitas ao zoológico, com observações
sobre os animais, e de idas a teatros e restaurantes; descrições da paisagem, do clima; registro de fatos ligados ao desenrolar da guerra; comentários de leitura de jornais, com críticas às medidas dos nazistas relativas aos judeus etc. Tudo isso entremeado de esboços
de poemas, fragmentos de estórias, registros de anedotas, indicando-se o teor pré-redacional ou redacional de algumas passagens. [Fonte: MARQUES, Reinaldo. Grafias de coisas, grafias de vida, p. 328-329].

Em algumas ocasiões, a predileção pelo detalhe chega produzir uma quebra irônica pelo contraste entre os episódios da “Grande Guerra” e as observações do dia-a-dia: 

Guimarães Rosa em Hamburgo/
Alemanha
Bombas: vi a luz branca, 
terrível, dos trabalhos de dessoterra- 
mento, na Hagemannstrasse e na 
Duntzigerstrasse. [????] Estava 
de auto, com Ara. Havia um 
incêndio, na Hauptbahnhof. 
 ---------------------- 
 Um gato zanzado: 
Pêlo feio como uma escova. A cauda fica como a 
cauda de uma raposa.

Fontes e referências de pesquisa:

GINZBURG, Jaime. Notas sobre o "Diário de Guerra de João Guimarães Rosa".  ALETRIA, nº 2 - v. 20, maio-agos/2010. Disponível no link. (acessado em 16.05.2013).
SOUZA, Eneida Maria; OTTE, Georg; MARQUES, Reinaldo Martiniano (Org.). Diário de Guerra de João Guimarães Rosa. Documento do Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais. 
OTTE, Georg. O “Diário alemão” de João Guimarães Rosa. Veredas de Rosa II. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003.

Na próxima publicação, a terceira parte,  com informações sobre o grande escritor e sua relação com o sertão.
 
 

 

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