terça-feira, 3 de outubro de 2017

O resultado do lavajatismo

O lavajatismo se caracteriza pelo desrespeito ao devido processo legal, prisão sem sentença e sem julgamento, condução coercitiva, humilhação, delação premiada em ambiente de pressão psicológica, ausência de provas e basta ter apenas convicção.

"... elementos de exceção que se continuarem a ser alimentados poderão levar a caminhos perigosos para a nossa jovem, mas já combalida democracia. 
...um estilo de processo penal que tem crescido nos últimos anos em nosso país, altamente seletivo e inquisitorial, baseado em um discurso de emergência que elege inimigos e bodes-expiatórios de ocasião. Para um tipo de Justiça de iluminados que separa o mundo entre os puros e os impuros e que decreta cruzadas para derrotar o inimigo difuso."

A repercussão da morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina:

Em nota sobre o caso da morte do reitor da UFSC a OAB afirma: "Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados." 

Entre moralismo e violência moral, o limite da dor
Tereza Cruvinel
Brasil 247

Cada qual tem seu limite para a dor.  Na onda de punitivismo que tomou conta do Brasil, em que o castigo vem antes da apuração da culpa, dona Marisa Letícia não suportou a perseguição que se abateu sobre Lula e toda a família e sofreu um AVC fatal.  Mas ela era a mulher de Lula, apontá-la como vítima da Lava Jato foi logo carimbado como “estratégia de vitimização”. 

 Agora foi o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo  que, no seu limite da dor, preferiu deixar a vida. Cada qual tem seu limite para qualquer tipo de dor. A dele era moral. Teve a reputação, construída ao longo da vida, destruída num único lance, com a prisão seguida de humilhações.

 Ele e seus companheiros investigados foram despidos, jogados numa cela com outros criminosos e, depois de liberado, foi impedido de frequentar a universidade que dirigia. Tudo sob as luzes da mídia, sem que os argumentos de defesa fossem da mesma forma iluminados ou levados em conta pelos investigadores da Polícia Federal. Que dor maior pode haver para quem dedicou a vida a construir e gerir o conhecimento?

 A investigação que levou o ex-reitor ao suicídio depois da humilhação não foi parte da Operação Lava Jato. Mas foi da Lava Jato que saíram a cultura punitivista e os agentes que conduziram a investigação sobre desvios na UFSC a partir de 2006, culminando com a prisão do reitor que assumiu apenas em 2016.

 Da Lava Jato saiu a delegada da Polícia Federal Erika Marena, que conduziu o inquérito. Da Lava Jato saiu o costume de apontar obstrução da Justiça em qualquer medida defensiva, inclusive no pedido de acesso aos autos, como fez o ex-reitor.

Coincidência ou conveniência, o juiz Sergio Moro declarou hoje que a Lava Jato está perto de chegar ao fim. Não é a Lava Jato em si que precisa acabar, se ainda houver ilícitos a investigar. 

O que precisa acabar é a cultura que ela semeou, da presunção da culpa, da expiação antes do julgamento, da inobservância do devido processo legal em nome do combate à corrupção.   Não há moralidade na violência moral.


A espetacularização, segundo a OAB

Morte de reitor da Universidade Federal de Santa Catarina repercute



Na segunda-feira (2), a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o colégio de Presidentes de Seccionais da OAB emitiram nota criticando o que chamam de "espetacularização do processo penal". Na nota, a diretoria afirma que foi surpreendida "com a morte, em Florianópolis, do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo." Ele havia sido acusado e preso provisoriamente em investigação sobre casos de corrupção na universidade. A OAB ressalta: "A acusação contra ele foi "não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração" de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, nos quais não teve qualquer participação."
Cancellier se suicidou na segunda-feira (2) num shopping, se jogando no vão central. No bilhete que deixou, o professor escreveu: "Minha morte foi decretada no dia da minha prisão". 


O reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo
O reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo

A nota da OAB prossegue: "Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados." 
Veja a nota na íntegra:  
Conselho Federal e Colégio de Presidentes emitem nota contra espetacularização do processo penal    
segunda-feira, 2 de outubro de 2017 às 20h00
Brasília – Confira abaixo a manifestação do Conselho Federal da OAB e do Colégio de Presidentes de Seccionais da entidade sobre a morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo:
Fomos hoje surpreendidos com a morte, em Florianópolis, do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo. 
No bilhete que deixou, o professor Cancellier escreveu: "Minha morte foi decretada no dia da minha prisão". Sobre o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo não pesava nenhuma acusação de corrupção. 
A acusação contra ele foi "não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração" de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, nos quais não teve qualquer participação. 
Mesmo assim foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na Universidade e teve sua imagem brutalmente exposta. 
Assistimos no Brasil à banalização das prisões provisórias e das conduções coercitivas abusivas, realizadas quase sempre de forma espetacular e midiática, sem nenhuma preocupação com a preservação da imagem daqueles que sequer culpados podem ser considerados. 
É preciso que a sociedade brasileira e a comunidade jurídica discutam o que efetivamente queremos construir. E nós, a Diretoria do Conselho Federal e o Colégio de Presidentes de Seccionais, afirmamos que queremos o respeito à lei, às garantias constitucionais do cidadão e à garantia da presunção de inocência, para que amanhã não reste, aos ainda não culpados, somente a vergonha, a dor, o opróbrio e o sentimento de injustiça. 
Não nos peçam o linchamento. Queremos a apuração de todos os fatos e de todas as acusações. Mas conclamamos a todos a dizer não ao culto ao autoritarismo e ao processo penal como instrumento de vingança. 
Apurar e punir, sim. Violar o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, nunca.
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB
"Abuso de autoridade"
A morte do reitor repercutiu também na Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina. O procurador-geral divulgou nota afirmando que a "tragédia de sua partida ocorre sob condições revoltantes. As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, seja em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato, causas eficientes do dano psicológico que o levaram a tirar a própria vida."
Veja a nota na íntegra:
O Procurador Geral do Estado vem a público manifestar profundo pesar pelo falecimento do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Magnífico Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, bem como solidarizar-se com seus familiares e amigos.
A morte de Cancellier enluta Santa Catarina pela perda de um de seus filhos mais ilustres, um homem digno, de poucas posses, que devotou os últimos anos de sua rica trajetória profissional à nobre causa do ensino, da pesquisa e da extensão universitárias.
A tragédia de sua partida ocorre sob condições revoltantes. As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, seja em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato, causas eficientes do dano psicológico que o levaram a tirar a própria vida.
Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas.
Que o legado do Professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo seja, em meio a tantos outros bens que nos deixou, também o de ter exposto ao país a perversidade de um sistema de justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações.
João dos Passos Martins Neto
Procurador-Geral do Estado
"Punitivismo de um Estado policialesco" 
Colegas da Faculdade de Direito do reitor da UFSC também divulgaram uma carta com duras críticas: "Perdemos o colega para o senso comum que denuncia, condena e executa com base no achismo."
Veja a carta:
"Hoje foi um dia de profunda tristeza na Universidade Federal de Santa Catarina. Um dia onde perdemos o amigo, o colega de departamento e o reitor de nossa universidade. O colega de voz calma que sempre buscava construir o diálogo e o meio termo (Luiz Cancellier era leitor assíduo de Habermas e acreditava na construção dialógica de consensos possíveis). O colega que optara por estudar Direito e Literatura, fugindo das lides forenses que nos endurecem nos embates do cotidiano, se refugiando na doçura da arte de um Shakespeare, de um Kafka, de um Camus, de um Machado de Assis, de uma Cecília Meireles. O colega que era respeitado no CCJ pela habilidade com que resolvia conflitos e que se tornou reitor de uma das mais importantes universidades da América Latina. 
Perdemos o colega para o punitivismo de um Estado policialesco (e de uma parte da sociedade que adere a esse discurso) que rebaixa todos à condição de criminosos prévios, sem direito à defesa ou contraditório. Que primeiro prende e depois investiga. Que destrói reputações e depois arquiva. 
Perdemos o colega para o senso comum que denuncia, condena e executa com base no achismo. Perdemos o colega para elementos de exceção que se continuarem a ser alimentados poderão levar a caminhos perigosos para a nossa jovem, mas já combalida democracia. Perdemos o amigo para um estilo de processo penal que tem crescido nos últimos anos em nosso país, altamente seletivo e inquisitorial, baseado em um discurso de emergência que elege inimigos e bodes-expiatórios de ocasião. Para um tipo de Justiça de iluminados que separa o mundo entre os puros e os impuros e que decreta cruzadas para derrotar o inimigo difuso. Cau foi imolado nesse contexto. Temos muito que aprender com isso. Adeus Cau!"



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