quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A nova PNAB é uma regressão, por Gilberto Pucca Jr

Gilberto Alfredo Pucca Jr
Professor na Universidade de Brasília

Artigo - Gilberto Pucca Jr.
Edição 239 - 

Nova PNAB: a reversão nos
impõe construir alternativas

No último dia 31/08, durante a  Reunião da Comissão Intergestora Tripartite (CIT), a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) foi pactuada. Há que se salientar que o conteúdo ainda não foi disponibilizado. Porém, tomando como base o conjunto de discussões que tem sido conduzido pela atual gestão do governo federal, é improvável que uma proposição como esta, que retira serviços e profissionais, signifique avanço. Há, praticamente, unanimidade entre os profissionais e as entidades de saúde coletiva, que a nova PNAB é uma regressão.
Quando iniciamos a construção do componente de Saúde Bucal do SUS, o Brasil Sorridente, em 2003, elegemos a atenção básica como estruturante. Adotamos algumas estratégias. Redesenhamos as competências das equipes de saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família. Multiplicamos por cinco o financiamento. Através da Portaria nº 2.372, de 7 de outubro de 2009, criamos o Plano de Fornecimento de Equipamentos Odontológicos (PLAFEO). Plano este que obriga o Ministério da Saúde a fornecer, para cada Equipe de modalidade I, implantada nos municípios, um conjunto composto por; uma cadeira odontológica, um equipo odontológico, uma unidade auxiliar, um refletor odontológico, um mocho e um kit de peças de mão (um micromotor, uma peça reta, um contra ângulo e uma caneta de alta rotação). Já para as de modalidade II, a quantidade dobra. Além disso, através da Portaria 2.488 de 21 de outubro de 2011 incluímos as ações, serviços e profissionais de saúde bucal na Política Nacional de Atenção Básica. Também integramos as equipes de saúde bucal, de forma transversal, em ações e programas coordenados por outros Ministérios, como o Programa Brasil Sem Miséria, Territórios da Cidadania, Programa Segundo Tempo, Mulheres Mil, Bolsa Família, entre outros. Da mesma forma, as equipes de saúde bucal na atenção básica, passaram a constituir todas as frentes e Redes do Ministério da Saúde, a exemplo: Programa de Saúde na Escola, Alimentação e Nutrição, Saúde Prisional, Rede Cegonha, Praticas Integrativas, Consultório na Rua, Rede de Atenção e Urgência, Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência, entre outras. Este conjunto de ações planejadas, priorizando a saúde da família, elevou o número de equipes de saúde bucal de 4261, presentes em 2300 municípios, no ano de 2002, para 24.279 equipes de atenção básica, em 5.014 municípios brasileiros em 2014. Ano em que a Política Nacional de Saúde Bucal começa a ser desidratada. Estes números elevaram a cobertura de equipes de saúde bucal no Brasil de 4% em 2002, para 45% da população brasileira em 2014. Esta elevação de cobertura só poderia ser possível se priorizássemos a atenção primária. Todo o planejamento do Brasil Sorridente tomou a atenção básica como ordenadora do sistema. Isto significa dizer que, os Centros de Especialidades Odontológicas, os Laboratórios Regionais de Prótese Dentária e a lógica de doação de equipamentos odontológicos para hospitais, pelo Ministério da Saúde, no período, seguiu a estruturação, com base municipal, tendo a atenção básica como ordenadora do planejamento. Isto foi determinante tanto para a expansão dos serviços, como para o impacto epidemiológico que resultou destas ações, transformando o Brasil Sorridente no maior programa público de saúde bucal do mundo, em alcance da atenção básica.
A nova PNAB tende a reverter esse modelo.
Ocorre que essa estratégia de desconstrução não é localizada na Atenção Básica. Tampouco no SUS. Faz parte da opção liberal, adotada pelo governo federal, desde 31 de agosto de 2016, para esvaziar as políticas públicas intersetoriais e interministeriais, atendendo à lógica do capital em detrimento das ações públicas includentes. Portanto, para se contrapor à atual conjuntura, é premente construir uma leitura estratégica. Não basta retórica. Profetas do apocalipse, que assim como os três anjos no evangelho revelam o fim do mundo, anunciam o fim do Brasil Sorridente. É uma leitura limitada. Em conjunturas adversas, somos convocados à contraposição, e por vezes à confrontação. Porém, um antidoto eficaz, é encontrarmos soluções. Possibilidade de construir. A isto chamamos de resiliência. O inverso é oposição simulada.
A fragilização da Estratégia de Saúde da Família e a perda de protagonismo da atenção primária e da saúde bucal teve seu presságio quando a atual gestão federal unificou os blocos de financiamento. 
De qualquer forma, o conteúdo pactuado da nova PNAB é congruente com a desarticulação das políticas públicas e a precarização das relações de trabalho, incluindo o SUS. O ônus incidirá nos usuários e nos profissionais.
Destaco alguns pontos que me parecem fundamentais.
A minuta da PNAB cria a equipe de atenção básica tradicional (eqT), estabelece os critérios e determina um cálculo para ela de cobertura de 3 mil pessoas. A minuta não aponta, mas todo material disponível do Ministério da Saúde indica que a “AB tradicional” será induzida, via PAB-Variável. Problemas. Há embasamento teórico produzido pelas universidades e pesquisadores corroborado pela prática quotidiana de inúmeros profissionais que se dedicam a saúde integral, que demonstram a eficácia da Estratégia de Saúde da Família (ESF) nos indicadores de saúde, de saúde bucal e na vida de milhões de pessoas. Principalmente dos mais necessitados. Contrariamente, a AB tradicional demostra ser de baixa qualidade, de parca inclusão social e muito pouco resolutiva. Justamente por isso que adveio a Estratégia de Saúde da Família, com indução do Ministério. Desidratar o Saúde da Família, e retornar ao período pré-reorganização da Atenção Básica, é um equívoco. Desde 1991, quando se iniciou, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e 1994, com a implantação do Programa de Saúde da Família, muitos avanços se deram, e inúmeras distorções foram corrigidas. O que de início, poderia ser um programa do Banco Mundial, de financiamento da saúde pública, de pobre para pobre, se transformou na Estratégia de Saúde da Família, com caráter organizativo, substitutivo e includente, superando o modelo tradicional da assistência primária. Anos de práticas, pesquisas, debates e acúmulo podem estar sendo desconsiderados. Transmuta-se ciência por empirismo, e prática do quotidiano de inúmeros trabalhadores de saúde da família, da ponta da rede, por interesses.
Há um outro aspecto que possivelmente impactará de forma negativa.
Em análise de Heider Aurélio Pinto, pelos critérios que conformariam a portaria, as novas modalidades de equipes estariam situadas no Sudeste e no Sul. É a lógica inversa da equidade. De modo oposto, o princípio da equidade, no Brasil Sorridente, foi estratégico. Entre 2003 e 2014, praticamente 70% das equipes de saúde bucal na estratégia de saúde da família que foram credenciadas e implantadas, se deram em vazios assistenciais, em áreas de menor cobertura de serviços e nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Ao que tudo indica, há um movimento de reconcentração de recursos do SUS em regiões, que até 2003, eram privilegiadas. A se confirmar, o efeito esperado é que os indicadores de saúde bucal retornem ao período pré Brasil Sorridente.
Destaco ainda que, a possibilidade de financiar equipes sem a presença de Agente Comunitário de Saúde (ACS) é uma imprudência.
A presença do ACS nas equipes de Atenção Básica e Saúde Bucal é fundamental. É elo indispensável na promoção da saúde e na organização da assistência. Problemas importantes e prevalentes na saúde bucal podem ser percebidos, de forma precoce, justamente por este profissional, tal como: próteses mal adaptadas, alteração de tecidos moles, etc. Isto, sem considerar a participação essencial dos ACSs nas ações de promoção à saúde bucal.
Por último: a instancia máxima de deliberação do SUS, o Conselho Nacional de Saúde, ainda não deliberou sobre a portaria. Pactuá-la e publicá-la antes que os conselheiros do CNS a analisem seria uma desconsideração ao controle social.
Há no horizonte retrocesso. Cabe-nos debater. Mas acima de tudo, construir alternativa

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