segunda-feira, 30 de abril de 2018

Editorial do JB: uma trama contra Minas

Jornal do Brasil



Editorial

As eleições dos últimos anos têm revelado a capacidade do eleitorado mineiro de influir nos destinos da política nacional. Não tanto, como nos tempos da Velha República, quando seu estado dividia com São Paulo, no chamado período do café-com-leite,  o poder de revezamento no Palácio do Catete, algumas vezes com  resultados proveitosos, sem que faltassem, também, casos em que os resultados não foram os mais adequados. À sombra daquelas montanhas e sobre aquele chão de ferro, muita coisa se decidiu para o Brasil e para os brasileiros. Exemplo mais recente e edificante foi a travessia para a redemocratização, sob o comando de Tancredo Neves, que inaugurou a Nova República. 
A observação faz sentido e ganha atualidade, no momento em que a Assembleia Legislativa  do estado decide instaurar inquérito, em comissão para esse fim constituída,  a fim de apurar responsabilidades do governador Fernando Pimentel, acusado de desonrar compromissos na transferência de verbas para os municípios. Trata-se de uma acusação que, sendo levada a sério, cabe estender a todos os demais governadores, sem exceção, eis que, diante das imensas dificuldades financeiras do país, têm enfrentado obstáculos para tal compromisso. São raros os casos em que os compromissos são necessariamente adiados. A propósito, tal situação tem sido suficiente para recomendar uma nova discussão sobre o pacto federativo. Convém lembrar, ao impacto da tragédia nos estados, que tarda compreender melhor que somos uma federação, não a confederação que faz pensar no isolamento em que se acham os entes estaduais. 
Sem procuração do governador para defendê-lo neste espaço, mesmo porque não seria aceita, cabe lembrar que a referida CPI aparece sob a capa de larga suspeita, por coincidir, maldosamente, com o fim do mandato daquela governadoria e, mais ainda, no momento em que já se trata diretamente do processo eleitoral. 
A suspeição haveria de se justificar, também, pelo fato de que o inquérito contra o governador tem sua origem nos gabinetes de Brasília, muito provavelmente sob o objetivo, até agora com subterfúgios, de desaquecer a candidatura ao Senado Federal da ex-presidente Dilma, que, tão logo colocada frente ao eleitorado daquele estado, já surge com a simpatia de 20% dos votos. Dona Dilma não faz parte dos projetos imediatos do Palácio do Planalto, como também do MDB. Este partido, que é dirigido no estado por Antônio Andrade, vice de Pimentel, arquitetou seus projetos em várias direções, uma delas contra o próprio governador; outra, a ex-presidente. 
O esforço do comando nacional do MDB para defender candidatura própria naquele estado está longe de sugerir boas intenções, eis que o sonho que povoa o gabinete do presidente Temer é provocar prejuízos ao Partido dos Trabalhadores. 
Quanto à situação em Minas, cabe informar que o quadro calamitoso que ali se traça resulta dos maus caminhos que lhe foram destinados nas gestões de Aécio Neves e Antônio Anastasia. O então governador Anastasia, que todos sabem ser criação aecista, deixou, como indesejável herança, uma robusta dívida de R$ 7,5 bilhões. Esses números são mais que suficientes para constatar a irresponsabilidade fiscal dos antecessores de Pimentel. Para este e para os mineiros de hoje, os resultados são as dívidas, a impossibilidade de realização de obras, as dificuldades com as folhas do funcionalismo. 
Para tudo, além da concretude desses fatos, haveria de concorrer também o improvável, o imprevisível. Outra coisa não ocorreu além da morte inesperada da sra. Adriane Andrade, do Conselho do Tribunal de Contas, do que resultou vaga para uma das funções mais concorridas e melhor remuneradas do estado de Minas Gerais. Foi o bastante para que a corrida à cadeira vaga se manifestassem várias “vocações” conselheiras. Ora, qualquer vaga na política ou na administração pública é suficiente para excitar o MDB. Ei-lo, portanto, empenhado em outra grande campanha. Os resultados estão vistos na atual política de Minas, pois o Tribunal de Contas tem poder e prestígio suficientes para dar norma e norte aos objetivos políticos. 
Tais observações fazem sentido para um melhor entendimento do que se trama em Minas e contra os mineiros, estes servindo de instrumento para um projeto destinado a servir ao comando nacional do MDB. É preciso estar atento, porque os prejuízos, longe de estarem reservados apenas aos montanheses, mas a todos nós deste sofrido Brasil.

domingo, 29 de abril de 2018

Celso Amorim: disparo com arma de fogo contra população desarmada é terrorismo




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Foto: Revista Fórum
Em nota ao Nocaute, o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa, o embaixador Celso Amorim, expressou seu veemente repúdio ao atentado sofrido nesse sábado (28) no acampamento Marisa Letícia em Curitiba,onde estão os manifestantes que defendem a liberdade do ex-presidente Lula.
Leia a nota na íntegra:
Expresso aqui meu veemente repúdio ao ato terrorista praticado na madrugada de sábado contra o acampamento, ao mesmo tempo que expresso minha irrestrita solidariedade aos bravos companheiros que continuam, com risco de sua integridade física, a defender a liberdade do Presidente Lula e seu direito de candidatar-se. O fascismo não passará.
Vamos dar nome aos bois: disparos com armas de fogo contra populações civis, pacíficas e desarmadas, por motivação política é terrorismo. Não dá pra fingir que não viu!
Na manhã desse domingo (29), o jornal Folha de São Paulo publicou um artigo do ex-ministro Celso Amorim onde ele comenta a recusa da juíza Carolina Lebbos aos pedidos de visita ao ex-presidente Lula.
Leia aqui os principais trechos:
Uma imagem vale mais que mil palavras, diz o provérbio chinês. Mil palavras não serão capazes de descrever, de forma tão pungente, a tristeza profunda experimentada por milhões de brasileiros (e muitas outras pessoas em todo o mundo) quanto a foto de Leonardo Boff, sentado na soleira do prédio da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso o ex-presidente Lula.
Nas horas que antecederam a partida do presidente, uma característica de sua personalidade sobressaiu em todos os seus gestos: a profunda humanidade, o interesse real e concreto pelo bem-estar material e espiritual dos que estavam dentro do edifício ou entre a multidão que o rodeava.
Lula não saiu da vida para entrar na história, nem pôs em risco a integridade física dos seus apoiadores. Tampouco cedeu à coreografia planejada por seus algozes. Não obedeceu ao ultimato disfarçado em deferência, mas não permitiu que o episódio da prisão constituísse pretexto para novas provocações por aqueles que desejam cerrar as cortinas sobre a democracia brasileira.
Se o afeto e o reconhecimento pelo ex-presidente ofereciam algum consolo à dor de sabê-lo preso, a visão do prédio dava absurda materialidade ao que até então parecia uma ideia abstrata: o encarceramento do ser humano em quem o povo pobre do Brasil vê o seu mais legítimo e querido representante.
Ao longo da minha vida como servidor público, a maior parte da qual no exercício de função diplomática, poucas vezes senti vergonha profunda (distinta de um mero incômodo passageiro) do meu país.
Uma delas foi quando, jovem funcionário servindo no exterior, abri uma revista que regularmente recebia do Brasil e li uma reportagem sobre a morte de um prisioneiro sob tortura. Uma brevíssima brecha na censura imposta pelo regime permitiu que a reportagem fosse publicada. Voltei a experimentar o mesmo sentimento com a recusa aos pedidos de visita a Lula feitos por Adolfo Pérez-Esquivel, prêmio Nobel da Paz em 1980, e pelo amigo de longa data, outro lutador pacífico da paz, Leonardo Boff.
Em 2002, quando o povo teve a coragem de eleger como seu presidente um operário com raízes no sertão do Nordeste, cunhou-se a expressão “a esperança venceu o medo”. Neste momento sombrio, não sei o que lamento mais: a ignorância de nossos juízes quanto às normas internacionais sobre tratamento de presos ou a pequenez de espírito dos que se apegam à formalidade das regras para tomar decisões despidas de qualquer sentido de humanidade.
Em meio a tantas arbitrariedades postas a serviço dos poderosos dentro e fora do Brasil, temos que buscar força e inspiração nas atitudes desassombradas de Boff e Esquivel.
Necessitamos eleições livres e justas, com a participação dos candidatos mais representativos do povo, a começar por Lula, para que a paz e a confiança no futuro sejam devolvidas ao povo brasileiro. Não podemos permitir que o ódio e a mesquinharia vençam a esperança.
Celso Amorim

sexta-feira, 27 de abril de 2018

A verdade sobre o Bolsa Família

Carta Capital

A verdade sobre o Bolsa Família
Dados comprovam que um dos efeitos positivos é a diminuição da repetência nas escolas

Além de combater a fome, programa tem impacto na redução da desigualdade e mortalidade infantil e aumento da frequência escolar

Por Janaína Selva

Para uma corrente de críticos aos governos do PT, o Programa Bolsa Família (PBF) parece ser o eterno calcanhar de Aquiles dessas gestões. Mesmo depois de quase 15 anos de existência bem-sucedida, quando se deseja criticar os governos Lula/Dilma, aponta-se para o Bolsa Família.
Apesar de infundadas, são diversas as críticas, de comprador de votos a ineficiente na redução das desigualdades, como em editorial do jornal O Estado de S.Paulo na semana passada.
Bolsa Família é um programa que deu certo.
Derivado da junção de uma miríade de outros programas de transferência anteriores, o PBF buscou uma unificação de transferências estatais não contributivas e uma unificação dos diversos objetivos sociais. Assim o fez, formulado e aplicado em um alargamento sem precedentes do alcance das populações mais vulneráveis.
A regulamentação do PBF previu três eixos de ação:
1 - Complemento de renda: objetiva o alívio imediato da pobreza, combate à fome e promoção de segurança alimentar a partir de transferências monetárias diretas.
2 - Acesso a direitos: representado pelas condicionalidades do PBF, objetiva garantir o acesso aos direitos básicos de educação, saúde e assistência social.
3 - Articulação com outras políticas sociais: objetiva estimular o desenvolvimento das famílias, contribuindo para elas superarem a situação de vulnerabilidade e de pobreza.
E o Programa entrega o que promete. A um custo baixo, cerca de 0,45% do PIB brasileiro.
A transferência monetária é um mecanismo de garantia de renda à população mais pobre que não está inserida em outros meios de proteção contra a vulnerabilidade social - cuja importância já foi discutida aqui. O "dar dinheiro" assegura vários direitos básicos, entre eles, a garantia da segurança de renda e alimentar. Como dizia Betinho, "Quem tem fome, tem pressa".
E, como resultado, em 2014 o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU - 16 anos antes do prazo estabelecido pela organização. Ainda, o Programa teve impactos comprovados na redução da desigualdade social: entre 2001 e 2008 13% da queda na desigualdade de renda foi causada pelas transferências do Bolsa Família.
O acompanhamento das condicionalidades é efetivo. Cerca de 13,5 milhões de beneficiários entre 6 e 17 anos tiveram a frequência escolar acompanhada mensalmente em 2017,  e cerca de 5,4 milhões de crianças beneficiárias tiveram a agenda de saúde acompanhada. Esse acompanhamento ocorre por meio de uma grande operação, internacionalmente reconhecida e estudada, que envolve, além do Ministério do Desenvolvimento Social, os Ministérios da Educação e Saúde, estados, municípios, CRAS, escolas e centros de saúde.
Os efeitos das condicionalidades foram comprovados por estudos nacionais e internacionais, que mostraram ser o PBF responsável por diversos efeitos positivos, dentre os quais queda na mortalidade infantilaumento da matrícula escolar e redução da repetência escolar.
Em junção, transferência de renda e acesso a serviços básicos possibilita ao beneficiário buscar oportunidades de saída da sua condição de vulnerabilidade social.  Somente com a segurança alimentar e a segurança de que são detentores de direitos sociais básicos (saúde, educação e assistência social), a população pobre consegue acessar políticas que objetivam seu desenvolvimento social completo. Afinal, quem consegue aprender com fome? Quem concorre a um emprego com perspectiva de crescimento se precisa estar o dia na rua em busca de comida para a família?
Oportunidades de educação e trabalho passam, então, a ser possíveis para uma população que por tanto tempo as teve negadas. Políticas como o Pronatec, Acessuas Trabalho,  ProUni, cotas em universidades públicas para população de baixa renda e outras foram desenvolvidas e fomentadas nos últimos anos, objetivando um desenvolvimento social inclusivo, coordenado ao PBF. No entanto, há uma contínua desconsideração de suas existências por alguns críticos ao PBF. A famigerada "porta de saída" do Programa é sempre invisibilizada pelos opositores.
A luta contra a pobreza é multidisciplinar, não é trivial e demanda tempo. Não é possível resolver esse problema em um tempo inferior a uma geração. É necessário que uma população receba investimentos educacionais, de saúde, de oportunidades para que enfim consiga se livrar da vulnerabilidade de renda.
A "simples" transferência de renda traz desenvolvimento social no médio prazo, pois significa comida, roupas, itens de higiene e conta de luz paga no curto prazo, para ser possível, então, se ocupar das novas oportunidades: da educação, do emprego, da renda estável e por fim, o da saída da pobreza.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Justiça seletiva: pesos e relógios diferentes, por Tereza Cruvinel

Eduardo Azeredo e a vacina vencida

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil:

Não faltará quem aponte a condenação do ex-governador tucano Eduardo Azeredo pela segunda instância em Minas como prova de que a Justiça bate dos dois lados, e não apenas no PT. Mas o que ela verdadeiramente expressa é o quanto a Justiça, no trato de réus políticos, foi seletiva até aqui, usando pesos e relógios diferentes. O julgamento de ontem aconteceu 20 anos depois do cometimento dos crimes pelos quais foi ele condenado, e 11 anos após a apresentação da denúncia, numa lentidão que contrasta com a celeridade do processo contra o ex-presidente Lula.

O “mensalão mineiro” aconteceu na eleição de 1998 e a denúncia talvez nunca tivesse sido apresentada, em 2007, se dois anos antes não tivesse estourado o “mensalão do PT”. Foi o próprio Marcos Valério, operador dos dois esquemas que, em 2005, apontou a origem da “tecnologia” que criou para o PSDB mineiro e depois repassou a Delúbio Soares, tesoureiro do PT. E com isso, foi desenterrado o já esquecido processo sobre ilicitudes na campanha de Azeredo à reeleição, que talvez tivesse sido arquivado se não fosse o estrepitoso escândalo que deu início à demonização do PT.

Neste momento, a condenação de Azeredo atende a um claro esforço do Judiciário, concatenado ou não, para reduzir os danos de imagem que vem sofrendo com as evidências de seletividade e de um ativismo de forte tempero político, que se impõe sobre os demais poderes e arranha o Estado de Direito. A comparação entre o tempo de tramitação do processo contra Azeredo e o da ação contra Lula, no caso do triplex, é emblemática. Lula foi indiciado em agosto de 2016 e condenado por Sergio Moro em primeira instância em julho de 2017. No prazo recorde de 42 dias o processo começou a tramitar na segunda instância, o TRF-4, que manteve a condenação e ampliou a pena em janeiro passado. Em 7 abril, negado o habeas corpus pelo STF, Lula foi preso 19 meses depois do indiciamento. Justiça rápida é bom, mas para todos.

A velocidade no caso de Lula reforçou a percepção de que ele foi perseguido, agravada por seu encarceramento numa solitária, submetido a um isolamento que fere as chamadas “regras de Mandela”, chanceladas pela ONU, com claro propósito de impedir que tenha atividade política. Esta percepção não é coisa do PT, é registrada pelas pesquisas qualitativas que vêm sendo feitas e abordam o assunto.

Na semana passada, quando o senador tucano Aécio Neves virou réu no STF, a postagem mais compartilhada no Facebook, segundo o Manchetômetro, foi uma do grupo de extrema direita Vem Pra Rua, desaforando os petistas com a suposta prova de equidade judicial. Estes grupos faturam muito o fato de a Lava Jato ter passado a atacar também emedebistas e pepistas. Mas com o caso de Azeredo, nem dá para faturar, tão tarde veio a decisão, no limite da prescrição.

O Judiciário emite outros sinais de inflexão para conter o desgaste de imagem. STF decidiu ontem tirar de Moro a parte da delação da Odebrecht que trata do sitio de Atibaia, objeto de outro processo contra Lula, por não ter relação com a Petrobrás. Meses atrás, não teria contrariado Moro. O ministro Fachin deixou para a segunda turma a decisão sobre novo pedido de habeas corpus de Lula. O primeiro, negou monocraticamente e o remeteu ao plenário. O ministro Gilmar Mendes até admitiu ontem a soltura de Lula após eventual revisão de sentença. Mas não só em relação a Lula precisa o Judiciário de purgar seus pecados. O maior deles é sua indiferença diante da realidade do sistema carcerário medieval, onde metade da população é composta de presos provisórios, que ainda nem foram julgados. São pretos e pobres pagando pela negligência da Justiça. 

sábado, 21 de abril de 2018

Meritocracia é discurso para manter a desigualdade social e racial, revela historiador

Cartas Campinas






O historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Sidney Chalhoub (foto), que também é docente do Departamento de História da Universidade de Harvard (EUA), nocauteou o discurso meritocrático, além de mostrar o que ele realmente pretende: manter e reproduzir a desigualdade social e racial.
Chalhoub também lembrou que o Brasil, veja que incrível, já teve adoção de política de ação afirmativa para brancos europeus e seus descendentes, durante a imigração do final do século XIX. O historiador concedeu entrevista esclarecedora ao jornalista Manuel Alves Filho do Jornal da Unicamp, após a polêmica causada pela aprovação de cotas étnico-raciais na Unicamp.
Na entrevista, Chalhoub expõe como se esconde sob o manto da meritocracia o desejo da reprodução eterna da desigualdade, assim como um pensamento escravocrata. Para entender isso, o professor questiona a ideia da meritocracia como um valor abstrato universal, que justifique a existência de alguma medida comum da aptidão e de inteligência da humanidade.”Fica parecendo que a meritocracia partiu de uma definição abstrata, excluída das circunstâncias sociais e materiais de vida das pessoas”, diz.
Na universidade, diz o historiador, não é possível que todos os candidatos entrem em competição pelas vagas como se tivesse havido uma igualdade ideal de oportunidade entre eles. “Não se pode fazer com que o aluno negro, pobre e que estudou numa escola pública localizada na periferia de Campinas concorra em igualdade de condições numa prova padronizada com alunos cujos pais cursaram universidade, têm alto poder aquisitivo e tem alto acesso ao capital simbólico. É preciso que a universidade busque equilibrar essa disputa“, afirma.
Desse modo, continua o professor, quando há reserva de vagas para negros e pessoas de baixa renda, a competição se dá entre eles, entre iguais. Então, não há exclusão do mérito. É uma maneira de ter o mérito qualificado pelas condições sociais e econômicas dos candidatos, e não uma competição que exclui alguns segmentos da sociedade desde sempre. “A ideia da meritocracia como valor universal,fora das condições sociais e históricas que marcam a sociedade brasileira, é um mito que serve à reprodução eterna das desigualdades sociais e raciais que caracterizam a nossa sociedade. Portanto, a meritocracia é um mito que precisa ser combatidotanto na teoria quanto na prática. Não existe nada que justifique essameritocracia darwinista, que é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de setores da sociedade brasileira. Isso não pode continuar”, explicou.
Veja outras explicações do professor que anulam completamente o falso discurso meritocrático:
“A partir das experiências das universidades estaduais e federais, houve o entendimento de que a diversidade do corpo discente contribui para a qualidade acadêmicae para a produção de conhecimento nas universidades. Os que têm medo das cotas são os setores que têm tido acesso às universidades públicas e gratuitas como uma prerrogativa sua, de muitas décadas. São pessoas que vão a escolas particulares porque têm maior poder aquisitivo e que defendem a exclusividade de acesso à universidade pública, gratuita e de qualidade. Esta é uma distorção grande na sociedade brasileira”
“A resistência às cotas é mais barulhenta que generalizada. O país convive bem com a ideia das cotas. O engajamento dos estudantes da Unicamp em geral mostra a receptividade à ideia. As pesquisas de opinião mostram que a maior parte da população brasileira é favorável às políticas de ação afirmativa e o próprio Supremo Tribunal Federal aprovou por unanimidade a necessidade dessas políticas para combater o racismo e as consequências dele na sociedade brasileira”.
“O tema está longe de ser uma originalidade brasileira. As melhores universidades do mundo, aquelas que a própria Unicamp utiliza como referência para qualificar suas atividades, adotam a diversidade no ingresso dos estudantes há bastante tempo. Harvard, Yale e Columbia, para ficar em três exemplos, adotam políticas agressivas de promoção da diversidade do corpo discente. Não fazer isso deixaria a Unicamp na contramão da história.”
” Enquanto a universidade existe como prerrogativa de uma mesma classe social, de uma mesma raça e dos mesmos setores, ela não se abre ao tipo de questionamento e de tensões que são criativas, oriundas da necessidade da convivência de grupos sociais e raciais com perspectivas diferentes.”
“Na prática, todas as pesquisas existentes demonstram claramente que o desempenho dos estudantes cotistas é igual ou superior ao desempenho dos não cotistas nas universidades estaduais e federais que adotaram esse tipo de política afirmativa. Isso é fácil de entender.”
Ao contrário da propaganda maldosa que se faz, a adoção de cotas não tem nada a ver com a exclusão do mérito.Tem a ver com a utilização de critérios de seleção que promovam a competição entre estudantes que tiveram oportunidades educacionais semelhantes até o momento em que se candidatam ao ingresso na universidade. Dessa forma, os estudantes negros e indígenas que serão selecionados representarão uma fração dos que postularam uma vaga na universidade. Serão, portanto, os melhores entre eles.”
“A universidade evidentemente tem o desafio de lidar com eventuais dificuldades que existam entre os estudantes de modo geral. Tanto as dificuldades de origem socioeconômica quanto as acadêmicas e pedagógicas”.
“Esses novos sujeitos que ingressam na universidade representam um deslocamento importante de negros, indígenas e populações pobres, que são objeto de estudos da academia, mas que raramente têm a oportunidade de se tornarem sujeitos do conhecimento. Isso também é uma experiência fundamental e epistemológica. Isso descentraliza o conhecimento e permite que perspectivas diferentes passem a fazer parte do cenário das universidades.”
“Um contingente formado por 750 mil africanos foi trazido ao Brasil ilegalmente, em condições desumanas. Esses negros foram escravizados e seus descendentes também. Além disso, a formação da grande propriedade cafeicultora ocorreu através de invasão das terras. Trabalho e terras foram obtidos pela classe dominante ao arrepio da lei. Portanto, a reparação é uma questão que deve ser levada a sério”.
“No caso de São Paulo, também se adotou políticas afirmativas em favor de imigrantes. No final do Século XIX, foram adotadas políticas para subsidiar a imigração de europeus brancos, italianos inicialmente. A vinda desses imigrantes era subsidiada pelo tesouro da Província de São Paulo e depois pelo Estado de São Paulo, o que favoreceu a adaptação dessas pessoas ao país. Tratou-se de uma política de inclusão social que jamais existiu para a população negraaté recentemente. Portanto, já houve no Brasil a adoção de política de ação afirmativa para brancos europeus e seus descendentes. Dessa maneira, não há nada demais que se veja como reparação as políticas de cotas para negros e indígenas.”
“No caso da população negra, quando houve uma aceleração no processo de emancipação escrava, nas duas últimas décadas da escravidão, ocorreu uma mudança na lei eleitoral, em 1881, que proibiu o voto de analfabetos, o que não existia antes. Isso, numa situação em que não havia escola primária para negros. Devido à falta de acesso à instrução, nas primeiras décadas após a emancipação, a população negra ficou excluída da política formal.”
“Esse foi outro movimento importante de desvantagem dessa população na luta por direitos na história do país. Eu entendo que as pessoas esbravejem quando perdem privilégios. Mas as razões históricas, sociais e filosóficas em favor das cotas justificam plenamente a medida. Não há futuro possível com esse perfil de desigualdade se reproduzindo ao longo do tempo. É uma missão de todos superar essa desigualdade.”
“A escravidão foi, insisto, a pedra de toque da formação do Estado nacional. A corrupção é capilar na sociedade brasileira e essa capilaridade esteve ligada à própria escravidão no Século XIX.” (Veja texto integral)

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Manifesto pela Democracia, Soberania Nacional e Direitos do Povo Brasileiro

Partidos de esquerda se unem contra avanço do ódio e da intolerância

Para legendas, após a morte de Marielle e a prisão de ex-presidente Lula, escalada autoritária que começou com o golpe do impeachment ganhou novo impulso
por Redação Rede Brasil Atual
RENATO COSTA/FRAMEPHOTO/FOLHAPRESS
Frente esquerda
"Marielle Vive, Lula Livre" foi o lema que resumiu a união dos partidos de esquerda em frente democrática
São Paulo – Lideranças dos principais partidos da esquerda brasileira – PT, PCdoB, PSB, PDT, Psol, PCO e PCB – lançaram nesta quarta-feira (18), em Brasília, uma frente ampla que pretende articular esforços para garantir a realização de eleições livres no país, deter a destruição da soberania nacional e de direitos promovida pelo governo Temer e combater a escalada autoritária e de violência na política, que culminou com o assassinato da vereadora Marielle Franco e na prisão arbitrária do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 
Eles também lançaram o Manifesto pela Democracia, Soberania Nacional e Direitos do Povo Brasileiro, que demarca os "dias sombrios" vividos atualmente, com a disseminação ódio e da intolerância nas redes sociais, estimulados pelos grandes grupos de comunicação. 
"O assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, foi o episódio mais dramático dessa espiral de violência, embora não tenha sido o único. O atentado contra a caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, por seu evidente caráter miliciano; e sua posterior prisão, para a qual contribuíram diferentes operadores de direito que priorizaram clamores orquestrados por parte da opinião publicada, relativizando direitos constitucionais que lhe assistem, são fatos gravíssimos", diz um trecho do manifesto, que foi lido pelo ex-ministro Gilberto Carvalho.
Segundo a presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), a união dos partidos de esquerda representa um "marco histórico" na política. Ela também iniciou o seu discurso ressaltando que o ex-presidente é um preso político, e sua prisão é resultado da atual desestruturação da democracia. "Lula simboliza a resistência e a luta de um povo que nunca teve seus direitos olhados pela elite. Liberdade de Lula é também a liberdade do povo brasileiro. Que ladrão ou bandido teria na hora da sua prisão milhares o levando nos braços?", questionou.
Gleisi afirmou que o PT e a seus apoiadores nunca se rebelaram contra as instituições brasileiras, mas contra a seletividade com que vêm atuando determinados setores da Justiça, em meio a um quadro geral de instabilidade política que pode afetar inclusive a realização das próximas eleições. "Não sabemos se haverá eleições em outubro. Isso não é terrorismo. O que está acontecendo é que eles querem dizer quem vai e quem não vai participar das eleições."
A presidenta do PCdoB, deputada federal Luciana Santos (PE), ressaltou que após rasgar o direito de voto durante o impeachment contra Dilma Rousseff e atacar direitos – como a limitação dos investimentos sociais, a terceirização, e a tentativa de reforma da Previdência – querem agora impedir a esquerda de exercitar o seu papel, como ocorreu com o assassinato de Marielle e a prisão do ex-presidente.
"Para nós, do PCdoB, a prisão de Lula precisa ser revista. Conclamamos por Lula Livre, por eleições livres, pela defesa da democracia e pelo Estado democrático de Direito. Que as candidaturas que aqui expressam se juntem nesse momento para dizer ao povo brasileiro que nós exigimos democracia, eleições livres e o resgate dos direitos", disse Luciana.
O presidente do Psol, Luciano Medeiros, ressaltou que o seu partido foi o mais duramente atingido por essa escalada violenta, com a morte de Marielle. Mas ressaltou que a vereadora não foi a única, e outras tantas lideranças populares vêm sendo assassinadas. "Por isso, o Psol, preservando as divergências que temos com os outros partidos, consideramos que é hora de colocar em primeiro plano a defesa da democracia. Hoje foi o presidente Lula que foi preso sem provas. Amanhã, pode ser uma liderança do Psol, do PDT, do PSB..."
Para o presidente do PSB, Carlos Siqueira, o conceito de democracia para os partidos e forças de esquerda não se restringe apenas ao direito de voto ou ao direito de ir e vir, mas também aos direitos sociais que vêm sendo negados pelo atual governo "ilegítimo, corrupto e inaceitável". 
"Que seja uma frente da sociedade brasileira, que lutará para que a democracia não pereça, porque ela nos custou muito caro. Isso que vivemos hoje é um simulacro de democracia. Democracia não é apenas o direito de votar, ainda que se realizem as eleições." 
O legado do ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro Leonel Brizola foi lembrado pelo presidente do PDT, Carlos Lupi. Segundo ele, assim como ocorreu durante a Cadeia da Legalidade – que em 1961 garantiu que o João Goulart assumisse a presidência – é preciso tocar o coração do povo brasileiro. "Só nos resta um caminho a seguir. Não é discutir as divergências, mas o que nos une. Formar uma corrente humana para tocar o coração do povo brasileiro."

Confira a íntegra do manifesto

Manifesto pela Democracia, Soberania Nacional e Direitos do Povo Brasileiro
O Brasil vive dias sombrios. A retirada de direitos, promovida de maneira acelerada pelo governo de Michel Temer e sua base parlamentar, é parte de um preocupante surto autoritário. A violência, o ódio e a intolerância disseminados nas redes sociais, incitados por estratégias de comunicação da mídia tradicional, se arrogam a pretensão de pautar a agenda política nacional, tratando o Estado Democrático de Direito como se fosse apenas um empecilho anacrônico em seu caminho.
O assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, foi o episódio mais dramático dessa espiral de violência, embora não tenha sido o único. O atentado contra a caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, por seu evidente caráter miliciano; e sua posterior prisão, para a qual contribuíram diferentes operadores de direito que priorizaram clamores orquestrados por parte da opinião publicada, relativizando direitos constitucionais que lhe assistem, são fatos gravíssimos. Tais fatos fazem parte de um mesmo enredo, no qual as conquistas populares obtidas no processo constituinte de 1988 são consideradas excessivas por uma elite conservadora e reacionária, cabendo assim a implementação de um “programa corretivo”, no qual o progresso possa ser desvencilhado da obrigação política de diminuir as desigualdades que ainda assolam o Brasil.
As forças políticas e institucionais que operam a implantação desse programa do atraso querem cravar, na própria legalidade, a prerrogativa de abandonar pelo caminho os mais pobres, destituindo as amplas maiorias sociais do direito à cidadania. Diante desses fatos, torna-se urgente um maior diálogo entre todos os setores sociais comprometidos com a liberdade, a democracia e os direitos sociais. É hora de reunir partidos, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, professores, cientistas, operadores do direito, artistas, líderes religiosos, dentre outros, para articular a resistência democrática aos atentados contra a democracia e o estado de direito.
A articulação desses atores deve se basear em três eixos fundamentais. O primeiro é a defesa intransigente das liberdades democráticas, dos direitos políticos e de eleições livres. Os rumores sobre a possibilidade de cancelamento do calendário eleitoral devem ter como resposta a defesa enérgica de eleições democráticas e livres. O segundo refere-se ao enfrentamento intransigente da violência disseminada pela extrema-direita. A democracia não pode conviver com milícias armadas, ameaças de morte, atentados ou assassinatos. É hora de dar um basta à violência, atuando em todas as instâncias possíveis, para alcançar e punir os responsáveis por disseminar e incitar o ódio e a intolerância, bem como os responsáveis pelos crimes contra lideranças políticas, que chocaram o país.
O terceiro eixo desta unidade está na defesa dos direitos sociais, da soberania e do patrimônio nacional. Como já indicamos, a violência disseminada pela extrema-direita e os ataques à democracia compõem um programa político de setores retrógrados das elites econômicas, para as quais a civilização se limita a suas próprias conquistas materiais. Por isso, enquanto aumenta a violência contra os setores populares e democráticos, cresce também o ataque aos direitos sociais e à soberania, como demonstram as retiradas de direitos como a reforma trabalhista, a tentativa de aprovação da reforma da previdência, de privatização da Eletrobrás, e o relaxamento entreguista das normas de direito ambiental e a implementação de uma agenda econômica rentista que dá total prevalência aos lucros cada vez maiores do sistema financeiro.
É hora, portanto, de defender a democracia, com a energia dos que sabem de suas virtudes e estão cientes da ameaça representada não apenas por um programa autoritário, mas por uma plataforma política avessa à civilização.
Os partidos que subscrevem esse manifesto convocam todos os setores sociais comprometidos com os valores democráticos à formação de uma ampla frente social. Essa frente, que não tem finalidades eleitorais, buscará estimular um amplo debate nacional contra o avanço do ódio, da intolerância e da violência. Só assim poderemos reconstruir um Brasil soberano e de respeito absoluto ao estado de direito.

Carlos Lupi
Presidente Nacional do PDT
Carlos Siqueira
Presidente Nacional do PSB
Edmilson Costa
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Gleisi Hoffmann
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Juliano Medeiros
Presidente Nacional do PSOL
Luciana Santos
Presidenta Nacional do PCdoB

quarta-feira, 18 de abril de 2018

A hora e vez de fazer política, por João Paulo

Por João Paulo Cunha
Jornalista

Brasil de Fato

"A tríade jurídico-parlamentar-midiática que encabeçou o golpe se acha protagonista, mas é só executora de um projeto que está acima dela" 
O impeachment foi um projeto do capital
A expressão “fazer política” pode parecer ambígua. Afinal, fazer o quê? Durante muito tempo esse chamamento significou a disputa de projetos, ocupação de espaços de poder, combate de ideais, defesa de valores. Fazer política era uma forma de engajamento nas questões que diziam respeito à vida da sociedade. Hoje, a frase parece ter outro sentido: a política precisa ser feita. Em outras palavras, numa sociedade despolitizada é preciso refazer a via da política como a única saída civilizada. Política ou barbárie.
A política não está mais presente, chega mesmo a ser considerada um estorvo. O golpe em curso foi uma espécie de agente exterminador da política, pelo menos em seu sentido mais construtivo. Como definiu o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, “no Brasil nem os liberais morrem de amor pela democracia, nem os empresários são apaixonados pelo livre mercado”. Podemos completar: nem os políticos gostam de política, apenas do que ela pode dar eles. 
É só tomar como ponto de partida os agentes que chegaram ao poder com a saída de Dilma Rousseff, a partir da tríade que encabeçou o golpe: jurídico-parlamentar-midiática. Os três genes do novo parasita que coloniza o poder se acham protagonistas, quando na realidade são apenas executores de um projeto que está além e acima deles. O impeachment não foi uma ação política nem dos partidos, nem do sistema legal e menos ainda da imprensa. Foi um projeto do capital, em sua expressão mais reativa e concentradora.
Os três patetas apenas executaram o roteiro e se acham, até hoje, centro vitorioso da conspiração. Temer se consolidou como a maior nulidade da política brasileira contemporânea, imprestável até para seus patrões, que atiçam com o poder enquanto ameaçam com o opróbrio. Tribunais e juízes se tornaram cenários e personagens de farsas. A imprensa atravessa uma crise de legitimidade que é abrandada por publicidade oficial, adiamento da regulação do setor e ataques histéricos às redes sociais.
Na seara parlamentar, o PMDB, hoje MDB, não perdeu apenas uma letra, perdeu a razão de ser partido. Temer, em sua insignificância, selou o destino de uma agremiação que nunca teve outro projeto que o de siderar em torno de interesses particulares. Não há uma ideologia peemedebista, há um método, um protocolo de aproximação das oportunidades de usufruto do poder.
No âmbito do Judiciário, o que ficou patente foi o processo acelerado de perda de relevância daquele poder em nome de valores exteriores à justiça. A corporação judicial, incluída aí as instâncias de controle e repressão, extraviaram-se de suas missões em nome da defesa de interesses e visões de mundo que se configuram no campo da ideologia. Não julgam ou agem de acordo com a lei, mas interpretam a lei de acordo com seus julgamentos. Cármen Lúcia e Sérgio Moro são os extremos dessa atitude. A primeira pela carência o segundo pelo excesso. Cármen mimetiza a fraqueza moral; Moro, o arbítrio iluminado.
Em relação à mídia, o que se vê é transgressão máxima de seu fundamento na sociedade democrática – defesa da liberdade de expressão e do poder iluminista dos fatos – em favor da vindicação de interesses explícitos. Assim como o Judiciário, a imprensa brasileira se tornou um partido político. Tem bandeiras próprias em matéria de direitos, política e economia. Defende o mercado pós-liberal como valor universal; relativiza a expansão de direitos; criminaliza a participação popular. É conservadora em economia, regressiva em direitos e reacionária em política.
O que essa situação indica é que a política precisa ser feita. Não há saída fora dela. No entanto, a dura tarefa dada aos democratas de verdade é dupla. É preciso resistir ao ataque à política clássica, defendendo as instituições, criticando os desvios, atacando com todos os instrumentos legais e de pressão popular o descarrilhar do trem da história.
Ao mesmo tempo, é preciso ocupar a trincheira das propostas setoriais, sob o risco de se ver desmanchar as conquistas que fazem parte do patrimônio da sociedade, como ocorreu com a legislação trabalhista e com o esgarçamento das redes de defesa a liberdade de pensamento, em favor do conservadorismo fundamentalista. Os recentes ataques ao SUS são prova de que os abutres rondam de perto e sem dar trégua.
Defender o campo do exercício da política convencional e fincar trincheiras na defesa da expansão de direitos são atitudes aparentemente distintas, mas que constituem o contínuo da política pela qual vale a pena lutar.
O que talvez seja novo, ou pelo menos relativamente original, é a emergência de outra via de se “fazer política”, cada vez mais presente. Quem há passou dos 50 deve se lembrar da gênese dos movimentos sociais em torno de temas como o racismo, a moradia, a ecologia, o feminismo. Foram manifestações que oxigenaram uma sociedade habitada pela ditadura. As ações se dirigiam ao Estado, disputavam políticas setoriais, ampliaram a capacidade de organização. Foram base de propostas partidárias e de políticas públicas consistentes.
Hoje, os movimentos que expressam a nova vitalidade social têm novos formatos, intentos e projetos. Conhecem o limite da institucionalidade, aprenderam a conquistar outros territórios, ampliaram a interpretação da luta de classes com novo patrimônio de inteligência política, compreendem a força agregadora da interseccionalidade. Apontam novas formas de “fazer política”, talvez mais marcadas pelo verbo que pelo substantivo. Os verbos indicam ação, e por isso são dinâmicos; substantivos evocam conceitos, e por isso almejam estabilidade.
O caso da prisão de Lula mostra que as duas formas de fazer política podem e devem andar juntas nesse momento. Lula livre, Lula candidato, Lula presidente. Povo livre, candidato popular, o povo no poder. Não são realidades alternativas. Tudo é política.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

O tiro saiu pela culatra

Jornal do Brasil


A estrela renasce pelas mãos de Moro


Jornal do Brasil
Mirante do Rio
Eduarda La Rocque

A roda gira. Desde o assassinato de Marielle e Anderson, a tristeza dominou de vez o Rio. Não só os “de esquerda”, mas todos aqueles minimamente preocupados, em primeiro lugar com a pauta de direitos humanos, mas também com o combate à máfia generalizada que domina, há muito, o nosso estado. Além da tentativa de minar os sonhos de tantas minorias que Marielle incorporava – e pelos quais lutava brava e honestamente, aqueles tiros foram um atentado à democracia. Foram os tiros de misericórdia na nossa resiliente esperança num Rio melhor, mais justo, mais integrado, em paz. Esperança que renascerá quando a rede da máfia for desvendada e os assassinos, de todas as castas, devidamente punidos.  
Uma luz de esperança já surgiu, no entanto, ironicamente, com um outro atentado à democracia. O último tiro saiu pela culatra. E foi dado, quem diria, por Sergio Moro, com a decretação, antes da hora, da prisão do ex-presidente Lula. Foi o que faltava para reacender a sensação de injustiça e, quem diria, unir não só a esquerda, mas junto a ela todos os defensores da democracia, que estão muito indignados com “tudo que está mantido por aí”. O feitiço virou contra o feiticeiro. Moro acabou ressuscitando Lula e o PT.  
Depois de uma semana lendo as notícias, nacionais e internacionais, nos veículos tradicionais e nas redes sociais, parece cada vez mais evidente o caráter político da prisão de Lula, tal como afirma, dentre outros renomados juristas, Luigi Ferrajolio em “Uma agressão judiciária à democracia”: “O caráter não judiciário, mas político de todo esse caso é revelado pela total falta de imparcialidade dos magistrados que promoveram e celebraram o processo contra Lula. Certamente, este partidarismo foi favorecido por um singular e inacreditável traço inquisitório do processo penal brasileiro, a falta de distinção e separação entre juiz e acusação e, portanto, a figura do juiz inquisidor, que instrui o processo, expede mandados e então pronuncia a condenação de primeiro grau”.
Essa prática, que tem o nome em inglês de lawfare, é combatida internacionalmente por entidades de defesa da democracia, que já estão se mobilizando contra o golpe legalista no Brasil. Lula vem sendo perseguido por Moro, a mídia e a elite há muito tempo. Teve sua vida e de sua família devassada de tal forma que nos faz concluir que ele, de fato, não fazia parte do esquema de propinas, ao contrário de tantos outros que ainda se mantêm no poder. Basta usar o bom senso e comparar os valores envolvidos e o teor das provas dos demais indiciados ou presos da Lava Jato para ter convicção de que não era ele o “chefe da quadrilha” - a acusação ainda tem o ônus da prova, ou não? Será mesmo que a Justiça é igual para todos? Não será também o Judiciário, senão corrompido, direcionado por “teses” e “convicções”? A agilidade da Justiça, ficou claro, depende do réu. 
O comício que se transformou a prisão de Lula foi uma aula de política. Remeteu-me à nostalgia do comício do “Lula lá” na Candelária, em 1989. É claro que o tempo não volta, não se apagarão os erros de Lula e do PT, mas como bem disse Gregório Duvivier, “está difícil não ser Lula com tanto anti-lulismo”, ou, usando as palavras de Luiz Eduardo Soares, sou cada vez mais anti-anti-petista. Lula, como gênio político que é, soube aproveitar bem o momento para reverter sua imagem de “maior ladrão da história”, que vinha sendo vendida, para reafirmar sua notoriedade internacional como o maior líder popular do Brasil. Mais do que isso, teve a oportunidade que queria para olhar no olho do povo e dizer “eu não roubei”. São muito poucos os capazes de transmitir honestidade nos olhos ao dizer isso. Mas quem não quer, continua sem ver.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

O fascismo cada vez mais perto, por Mauro Santayana

O fascismo não perdoa nem os que, por burrice, oportunismo ou covardia, o atraem

Os que hoje se empenham em chocar o ovo da serpente – e abrem caminho para o triunfo do ódio, da violência e da hipocrisia – também serão potenciais vítimas
por Mauro Santayana - Rede Brasil Atual
REPRODUÇÃO/FACEBOOK
Fascismo
A cada vez que alguém divulgar uma notícia fakena internet sabendo que no fundo, intimamente, está mentindo miseravelmente e não passa de um canalha vil e desprezível... .
A cada vez que cidadãos que dizem se preocupar com a Liberdade, a Nação, o Estado de Direito e a Democracia, assistirem passivamente à publicação de comentários econômicos, jurídicos e políticos mentirosos, e a outras calúnias e absurdos na internet, mansa e passivamente, sem resistir nem responder a eles...
A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina,  ele estará mais próximo
A cada vez que alguém disser que o Brasil está quebradopor incompetência de governos anteriores quando somos o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, temos 380 bilhões de dólares – mais de 1 trilhão e 200 bilhões de reais – em reservas internacionais, o BNDES está pagando antecipadamente 230 bilhões de reais ao Tesouro e a divida bruta e líquida públicas são menores do que eram em 2002 com relação ao PIB...
A cada vez que alguém gritar que temos que entregar o pré-sal, a Petrobras, a Embraer, a Eletrobras e a Amazônia para os Estadis porque somos ladrões e incompetentes para cuidar do que é nosso, como se o governo e as empresas norte-americanas fossem um impoluto poço de honestidade e moralismo e até o genro do Rei da Espanha não tivesse sido apanhado em cabide de emprego da Vivo depois que esta veio para o Brasil aproveitando a criminosa privatização da Telebras, feita por gente que depois ocupou aqui a Presidência dessa empresa espanhola...
A cada vez que alguém defender raivosamente o livre comércio quando o Eximbank e a Opic norte-americanos emprestam mais dinheiro público que o BNDES no apoio a exportações e Trump adota sobretaxas contra a importação de aço e aluminio brasileiros e para vender aviões ao governo dos Estados Unidos a Embraer é obrigada a instalar primeiro com participação minoritária uma fábrica nos Estados Unidos...
A cada vez que alguém vangloriar o Estado mínimo, quando os Estados Unidos – que está mais endividado que o Brasil – está programando investir mais de um trilhão de dólares de dinheiro público em obras de infraestrutura para reativar a economia, tem apenas no Departamento de Defesa mais funcionários federais que todo o governo brasileiro e todo mundo – principalmente a China – sabe que não existem naçõoes fortes sem estados fortes, ou sem empresas nacionais privadas ou estatais poderosas que é preciso preservar e defender...
A cada vez que alguém defender a volta de militares golpistas ao poder – porque milhares de militares legalistas foram contra o golpe de 1964 e foram perseguidos depois por defender a Constituição e a Democracia – abrindo mão de votar e suspirar e sentir o cabelo da nuca arrepiar quando vir um reco passar por perto...
A cada vez que alguém afirmar que em 1964 não houve um golpe contra um Presidente eleito, consagrado pelo apoio popular, poucas semanas antes, em um plebiscito amplamente vitorioso...
A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina, como aprenderam golpistas que desfilaram pedindo o golpe de 1964 e depois tiveram filhos e parentes assassinados ou torturados pela repressão...
A cada vez que alguém achar normal – desde que não seja seu parente – que, sem flagrante, uma pessoa possa ser levada pela polícia para depor sem ter sido antes previamente intimada a depor pela justiça...
A cada vez que informações sigilosas de inquéritos em andamento forem vazadas propositalmente por quem deveria preservar o sigilo de Justiça, para determinadas e particulares emissoras de televisão...
A cada vez que alguém aceitar que um cidadão pode ser acusado, condenado e encarcerado sem provas e apenas pela palavra de um investigado preso que teve muitas vezes sua prisão sucessiva imoralmente prorrogada, disposto a tudo para sair da cadeia a qualquer preço...
A cada vez que alguém achar que algum cidadão pode ser acusado de ser dono de alguma propriedade sem nunca ter tomado posse dela ou sequer possuir uma escritura que prove que é sua...
A cada vez que alguém acreditar que um apartamento fuleiro que vale menos de um milhão de reais pode ter servido de propina para comprar a dignidade de alguém que comandou durante oito anos uma das maiores economias do mundo...
A cada vez que alguém soltar foguetes por motivos políticos, celebrando sua própria ignorância e imbecilidade...
A cada vez que alguém aceitar promulgar leis inconstitucionais para ceder à pressão dos adversários adotando um republicanismo pueril e imaturo...
A cada vez que a lei aceitar tratar de forma diferente – ou igualmente injusta e ilegal – aqueles que são iguais...
A cada vez que um juiz ou procurador emitir – sem estar a isso constitucionalmente autorizado – uma opinião política...
A cada vez que juízes ou procuradores falarem em fazer greve para defender benesses como auxílio-moradia quando já ganham muitas vezes – também de forma imoral – perto ou mais de 100 mil reais, muito acima, portanto, do limite constitucional vigente, que é o salário de ministros do STF...
A cada vez que alguém defender que "bandido bom é bandido morto" (até algum parente se envolver em um incidente de trânsito ou em uma discussão de condomínio com algum agente prisional, guarda municipal ou agente de polícia)...
A cada vez que alguém comemorar a morte de alguém por ele ser supostamente "comunista", ou negro, viciado, gay ou da periferia...
A cada vez que alguém ache normal – e com isso vibre – que candidatos defendam o excludente automático de ilicitude para agentes de segurança pública que matem "em serviço", em um país em que a polícia já é a que mais mata no mundo...
A cada vez que alguém achar que só ele tem o direito ou, pior, a exclusividade de usar os símbolos nacionais e o verde e amarelo – que pertencem a todos os brasileiros...
A cada vez que um ministro da Suprema Corte se calar quando for insultado publicamente por juízes e procuradores ou por um energúmeno qualquer nas redes sociais...
A cada vez que alguém acreditar que água de torneira – abençoada por um sujeito na tela da televisão – cura o câncer, que a terra é plana, ou que Hitler, obrigado a suicidar-se durante a Batalha de Berlim pelo cerco das tropas soviéticas, era socialista...
A cada vez que alguém achar que é normal que institutos de certos ex-presidentes tenham ganho milhões com a realização de palestras de um certo ex-presidente e outros institutos de outros ex-presidentes tenham de ser multados em todo o dinheiro ganho por palestras de outro ex-presidente...
A cada vez que alguém ache normal que alguém vá para a cadeia por não ter comprado um apartamento e outros sequer sejam investigados por ter comprado várias outras propriedades imobiliárias por preços abaixo do mercado...
A cada vez que uma emissora de televisão, pratique, nas barbas do TSE, impune e disfarçadamente, política, “filtrando” e exibindo depoimentos “espontâneos” de cidadãos de todo o país, para defender subjetivamente suas próprias teses – ou aquelas que mais lhe agradem – em pleno ano eleitoral...
A cada vez que alguém adotar descaradamente a chicana e o casuísmo, impedindo que se cumpra a Constituição, porque está apostando na crise institucional e foi picado pela mosca azul quando estava sentado na principal cadeira do Palácio do Planalto…
A cada vez que ministros do Supremo inventarem dialetos javaneses ou hermenêuticos lero-leros para justificar votos incompreensíveis e confusos que vão contra a Constituição e que a História não esquecerá nem absolverá...
O Fascismo estará mais perto da vitória.
E não perdoará, em sua orgia de ódio, violência e hipocrisia, nem mesmo aqueles que agora estão empenhados, por burrice, oportunismo ou covardia, em chocar o ovo da serpente e abrir-lhe o caminho para o triunfo.