Veja o filme e leia a interpretação do filme.
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Morangos Silvestres [Filme Completo - Legendado] - YouTube
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Análise:
Ingmar Bergman, o conceituado e influente realizador sueco, é um exemplo de como o surrealismo entra no cinema. É frequente na sua obra encontrarmos sonhos, alegorias, simbolismo, ou passagens ilógicas, como modos de contar uma história. Não se podendo chamar aos seus filmes surrealistas (afinal o surrealismo puro era apenas uma aspiração dos anos 20 do século XX), estes elementos são fundamentais no cinema de Bergman.
Exemplo de tal uso de elementos surrealistas é o filme “Morangos Silvestres”, a história de Isak Borg, um homem de ciência, em fim de vida (interpretado com elegância pelo antigo realizador Victor Sjöström), que perante a ideia da morte faz uma reavaliação da sua vida.
Uma longa viagem de carro é o terreno fértil para o contacto mais próximo com a nora Marianne (Ingrid Thulin), que o acompanha e o despreza. Serve também para conhecer e reencontrar pessoas que surgem ou partilham parte do seu caminho, e despoletar memórias e sonhos sobre o passado. Através de todas essas incidências Isak apercebe-se de que é visto como um homem frio, egoísta e cruel, cuja vida de cientista fez dele um observador sem envolvimento emocional com os que o rodeavam. Compreende assim como os caminhos seguidos e as escolhas passadas o afastaram de quem amava, o impediram de viver, e impossibilitaram de ter relações felizes com os outros.
O filme intercala sonhos e memórias com as situações que ocorrem durante a viagem, mas mesmo estas, embora no terreno do realismo, têm a sua componente simbólica, e veja-se alguns exemplos.
A nora Marianne, ao falar a Isak da sua possível separação do filho deste, Evald (com quem Isak é tão parecido), é para o velho professor, o relembrar do seu casamento falhado. Os jovens a quem Isak e Marianne dão boleia, representam a juventude e inocência, não sendo por acaso que a rapariga se chama Sara e é interpretada pela mesma actriz (Bibi Anderson) que interpreta a outra Sara, o amor de juventude de Isaak. Também esta Sara é jovial, inocentemente sonhadora, e cortejada por dois homens. Atente-se na despedida final e no “Não esquecerei” de Isak, quando Sara lhe declara o seu amor, e temos uma das muitas interdependências entre o passado e o presente. Por fim o casal Alman, encontrado no caminho, após um acidente de automóvel, é o recordar das brigas entre Isak e a sua falecida esposa.
Mas se estas cenas (em que se poderia incluir a visita à mãe de Isak, e o reconhecimento na bomba de gasolina – num cameo do jovem Max von Sydow), estão no campo do realismo, o surrealismo é trazido pelos vários sonhos de Isak.
O primeiro, várias vezes imitado por outros autores (ver por exemplo Woody Allen), mostra-nos um relógio sem ponteiros, uma cidade vazia, um homem sem rosto, uma carruagem sem cocheiro, que choca insistentemente contra um poste, símbolos de solidão, frieza emocional e teimosia. O sonho culmina num caixão caído por terra, onde o morto não só puxa Isaak, como se revela como sendo ele próprio. No segundo sonho Isak é submetido a um teste que não compreende. É acusado de ser culpado, é interrogado sobre regras da medicina, obrigado a ler um texto sem sentido, tem de analisar ao microscópio o seu próprio olhar, e por fim tem de diagnosticar uma morta que volta à vida para se rir dele. De notar que o examinador é o Sr. Alman, e a esposa morta a Sra. Alman. É levado de seguida para ver a esposa a traí-lo, assistindo à raiva desta por saber que nem isso irá provocar emoção em Isak. A sua pena é a solidão. A culpa são as mortes (figurativas) que causou com precisão cirúrgica.
Este olhar de fora para acontecimentos passados proporciona vários olhares sobre a juventude de Isak, em que este ora observa, ora participa, falando com Sara (a já citada Bibi Anderson), que nos revela que embora Isak seja o homem ideal com quem casar, ela prefere o calor e aventureirismo do seu irmão. Isak está presente nestes momentos da juventude como idoso, e é como idoso que é tratado. Alguém que nunca se soube emocionar, abrir, dar, e por isso foi sempre um velho, como o relembra a prima e amante Sara, na cena do espelho.
Mas se o filme é uma viagem (tanto exterior, como interior), ela surge-nos como uma razão de mudança. E esta é visível na relação para com Marianne, que aos poucos passa a gostar do velho sogro. Essa mudança expressa-se na necessidade de Isak de acreditar que a vida do filho será diferente da sua, e vê-se como tenta construir novas pontes, seja no carinho para com a sua governanta, ou no olhar final que dirige às memórias da sua família.
Os sonhos, as memórias, as conversas, as incidências do caminho trouxeram a Isak toda a paz que a sua vida e carreira (ou o prémio vazio que fora receber) nunca conseguiram dar, e que surge agora, antes da morte que parece insinuar-se. Por isso a última imagem do filme é o rosto agora tranquilo de Isak, no seu leito, resplandecendo com uma nova paz.
Vencedor do Urso de Ouro de Berlim e dos Globos de Ouro nos EUA, “Morangos Silvestres” toca-nos pelo olhar sincero e humano sobre uma vida, numa história nostálgica e bucólica, onde a inter-relação entre sonhos, memórias e encontros, ficou como uma lição de Bergman (de toques autobiográficos), tantas vezes seguida por outros autores.
Exemplo de tal uso de elementos surrealistas é o filme “Morangos Silvestres”, a história de Isak Borg, um homem de ciência, em fim de vida (interpretado com elegância pelo antigo realizador Victor Sjöström), que perante a ideia da morte faz uma reavaliação da sua vida.
Uma longa viagem de carro é o terreno fértil para o contacto mais próximo com a nora Marianne (Ingrid Thulin), que o acompanha e o despreza. Serve também para conhecer e reencontrar pessoas que surgem ou partilham parte do seu caminho, e despoletar memórias e sonhos sobre o passado. Através de todas essas incidências Isak apercebe-se de que é visto como um homem frio, egoísta e cruel, cuja vida de cientista fez dele um observador sem envolvimento emocional com os que o rodeavam. Compreende assim como os caminhos seguidos e as escolhas passadas o afastaram de quem amava, o impediram de viver, e impossibilitaram de ter relações felizes com os outros.
O filme intercala sonhos e memórias com as situações que ocorrem durante a viagem, mas mesmo estas, embora no terreno do realismo, têm a sua componente simbólica, e veja-se alguns exemplos.
A nora Marianne, ao falar a Isak da sua possível separação do filho deste, Evald (com quem Isak é tão parecido), é para o velho professor, o relembrar do seu casamento falhado. Os jovens a quem Isak e Marianne dão boleia, representam a juventude e inocência, não sendo por acaso que a rapariga se chama Sara e é interpretada pela mesma actriz (Bibi Anderson) que interpreta a outra Sara, o amor de juventude de Isaak. Também esta Sara é jovial, inocentemente sonhadora, e cortejada por dois homens. Atente-se na despedida final e no “Não esquecerei” de Isak, quando Sara lhe declara o seu amor, e temos uma das muitas interdependências entre o passado e o presente. Por fim o casal Alman, encontrado no caminho, após um acidente de automóvel, é o recordar das brigas entre Isak e a sua falecida esposa.
Mas se estas cenas (em que se poderia incluir a visita à mãe de Isak, e o reconhecimento na bomba de gasolina – num cameo do jovem Max von Sydow), estão no campo do realismo, o surrealismo é trazido pelos vários sonhos de Isak.
O primeiro, várias vezes imitado por outros autores (ver por exemplo Woody Allen), mostra-nos um relógio sem ponteiros, uma cidade vazia, um homem sem rosto, uma carruagem sem cocheiro, que choca insistentemente contra um poste, símbolos de solidão, frieza emocional e teimosia. O sonho culmina num caixão caído por terra, onde o morto não só puxa Isaak, como se revela como sendo ele próprio. No segundo sonho Isak é submetido a um teste que não compreende. É acusado de ser culpado, é interrogado sobre regras da medicina, obrigado a ler um texto sem sentido, tem de analisar ao microscópio o seu próprio olhar, e por fim tem de diagnosticar uma morta que volta à vida para se rir dele. De notar que o examinador é o Sr. Alman, e a esposa morta a Sra. Alman. É levado de seguida para ver a esposa a traí-lo, assistindo à raiva desta por saber que nem isso irá provocar emoção em Isak. A sua pena é a solidão. A culpa são as mortes (figurativas) que causou com precisão cirúrgica.
Este olhar de fora para acontecimentos passados proporciona vários olhares sobre a juventude de Isak, em que este ora observa, ora participa, falando com Sara (a já citada Bibi Anderson), que nos revela que embora Isak seja o homem ideal com quem casar, ela prefere o calor e aventureirismo do seu irmão. Isak está presente nestes momentos da juventude como idoso, e é como idoso que é tratado. Alguém que nunca se soube emocionar, abrir, dar, e por isso foi sempre um velho, como o relembra a prima e amante Sara, na cena do espelho.
Mas se o filme é uma viagem (tanto exterior, como interior), ela surge-nos como uma razão de mudança. E esta é visível na relação para com Marianne, que aos poucos passa a gostar do velho sogro. Essa mudança expressa-se na necessidade de Isak de acreditar que a vida do filho será diferente da sua, e vê-se como tenta construir novas pontes, seja no carinho para com a sua governanta, ou no olhar final que dirige às memórias da sua família.
Os sonhos, as memórias, as conversas, as incidências do caminho trouxeram a Isak toda a paz que a sua vida e carreira (ou o prémio vazio que fora receber) nunca conseguiram dar, e que surge agora, antes da morte que parece insinuar-se. Por isso a última imagem do filme é o rosto agora tranquilo de Isak, no seu leito, resplandecendo com uma nova paz.
Vencedor do Urso de Ouro de Berlim e dos Globos de Ouro nos EUA, “Morangos Silvestres” toca-nos pelo olhar sincero e humano sobre uma vida, numa história nostálgica e bucólica, onde a inter-relação entre sonhos, memórias e encontros, ficou como uma lição de Bergman (de toques autobiográficos), tantas vezes seguida por outros autores.
Interpretação do filme "Morangos Silvestres" - Ingmar Bergman.
Médica Psiquiatra
Psicoterapeuta Junguiana e Transpessoal
Interpretação do filme Morangos Silvestres, uma obra prima do grande diretor sueco Ingmar Bergman, escrito e dirigido em 1957.
Recebeu prêmio no Festival Internacional de Berlim como melhor filme em 1958 (Urso de Ouro).
Em 1960 recebeu o (Globo de Ouro) na categoria de melhor filme estrangeiro.
Elenco Principal:
Victor Sjostrom – Prof. Isak Borg
Bibi Anderson – Sara
Ingrid Thulin – Marianne
Gunnar Björnstrand — Evald Borg
Björn Bjelfvenstam — Viktor
Julian Kindahl –Agda
Folke Sundquist – Anders
Naima Wifstrand – Sra Borg, mãe de Isak
O filme trata de uma jornada interior de um cientista médico de 78 anos de idade, que compartilha seus sonhos e lembranças de infância e juventude, sendo rico em simbolismo, vivenciado através de seu Processo de Individuação ou transformação, que pode ser deflagrado a qualquer momento da vida, até mesmo na velhice próximo da morte, que, aliás, é uma grande chance para o salto quântico. No filme, a mobilização se dá através de sonhos que são grandes mensageiros do inconsciente, estados alterados de consciência com visões e imagens do passado e recordações, encontros inesperados e acontecimentos sincrônicos. A mobilização provocada por esses mecanismos criaram possibilidades de encontro com suas próprias máscaras comportamentais e com a sombra.
Essa narrativa inicia com Isak em seu escritório, fazendo reflexões sobre sua vida, ao lado de um cachorro de porte aristocrata e sua postura corporal e fácies demonstra melancolia. Considera-se um velho meticuloso e difícil na convivência. Afastou-se do social e tem uma boa empregada Agda que cuida do seu cotidiano para sua sorte, durante 40 anos. Sua mulher é falecida há muitos anos. Tem uma mãe muito idosa e também vive só e permanece ativa. Tem um filho médico casado há 06 anos e não tiveram filhos.
Isak está se preparando para uma viajem à Lund, cidade onde ele irá receber um prêmio de Doutor Honoris Causa pelos cinqüenta anos de carreira como médico bacteriologista e professor exemplar.
Na véspera da viagem ao deitar, sonhou:
Durante sua caminhada matinal, ele entrava numa parte desconhecida da cidade e se perdia nas ruas desertas e solitárias com casas em ruínas num ambiente bem nebuloso.
Ele avista no alto de uma construção, pendurado na parede, um relógio grande sem ponteiros e faz uma conexão com seu relógio de bolso também sem ponteiros. Segue caminhando perdido e avista de costas um homem de chapéu e, sobretudo, semelhante a sua forma de se vestir. Vai em sua direção e o toca, aparecendo um homem sem boca e olhos como um fantasma bem ameaçador; em seguida sangra e se dissolve no chão.
O relógio badala. Aparece numa esquina uma carruagem fúnebre, com dois cavalos negros, carregando um caixão. Suas rodas ficam presas no lampião de luz da rua e se soltam, vindo na direção do sonhador, despedaçando-se na parede. A carruagem vira e o caixão abre e aparece o moribundo com as mãos abertas chamando Isak e seu rosto se assemelha ao dele.
O cenário do sonho são ruas desertas e casas em ruínas, que se refere ao espaço psíquico do sonhador nesse momento: deserto, solidão e destruição, instinto de morte prevalecendo.
Os personagens são ele mesmo, o homem sem face, e o defunto.
O relógio é um mecanismo que marca o tempo. Este no caso não pode mais fazê-lo porque está quebrado. Não há mais tempo. No inconsciente não existe tempo.
Através dos sonhos, podemos observar acontecimentos do passado, presente e futuro.
Ele acorda perplexo, amedrontado, abatido diante do sonho e decide cancelar a viajem de avião e dirigir seu próprio carro numa viagem longa de Estocolmo a Lund. Sua empregada se surpreende com a nova decisão, pois já estava preparada para acompanhá-lo. Marianne, sua nora, pede para ir junto e ele concorda.
Todas as imagens desse sonho expressam a morte.
O sonhador, um idoso, está finalizando um ciclo de sua vida, se reavaliando diante da grande travessia. O medo lhe impulsionou a assumir a direção de seu carro, se transformando em ato de coragem e teve a solidariedade da nora que também enfrentava uma crise crucial no casamento e precisava desabafar.
Acompanhar nossos sonhos traz elaborações importantes para nossa vida.
O personagem escutou seu sonho e quis contar para sua nora que não deu importância.
Durante a viagem, ela o acusou de egoísta e de que seu filho não o amava e que ela tem pena dele. Diante do abatimento, Isak decide revisitar a casa de veraneio de sua infância. Um local integrado com a natureza, defronte a um belíssimo lago com um píer de madeira. O espaço pitoresco é um canteiro de morangos, inspiração para o título do filme que se encontra no centro da vegetação frondosa.
Marianne vai se banhar no lago e Isak mergulha em suas lembranças de infância. Ele é o filho mais velho dos 10 irmãos. Sua mãe é uma mulher muito forte, autoritária, fria, dura, com feições masculinas. O pai parece ausente nas suas recordações.
Isak está bem sensível ao seu inconsciente e surgem lembranças fortes, como se fossem visões, com sua participação consciente.
Diz: “É possível que eu tivesse ficado sentimental e tivesse me interessado por coisas da minha infância”.
Essa frase demonstra que ele está saindo da razão lógica que era seu estilo de vida para observar suas emoções e intuições.
Lembranças:
Isak está submerso em seu mundo interior quando vê diante de si, no canteiro de morangos silvestres, Sara sua prima, antiga paixão de sua vida, colhendo morangos numa cesta para dar de presente ao tio que fazia aniversário. Sara é uma moça bela e sedutora; ele vê seu irmão se aproximando e a seduzindo, dando-lhe um beijo.
Ela está conflitada entre os dois irmãos que a amam, sendo Isak rejeitado, criando uma marca em sua alma, uma ferida que ele não superou.
As recordações continuam com o almoço do aniversário, com sua mãe bem autoritária dando ordens a todos e criticando as atitudes na mesa. Sara é acusada de flertar Sigfrid, irmão de Isak, e ela nega em soluços. Sai da mesa e uma das primas a acompanha e ela confessa que se sente culpada em relação à Isak que é honesto, fino, sensível, lê poesias, fala da vida após a morte e gosta de tocar piano.
O personagem era um homem muito sensível e foi se enrijecendo com o passar do tempo, se identificando com a persona para se defender de suas frustrações.
Ele recorda com muita dor, esses acontecimentos.
Sincronicamente, coincidência do destino, aparece uma jovem na sua frente, bem vivaz, de nome Sara e lhe pede carona. Ele conta que teve uma namorada chamada Sara que hoje tem 75 anos e casou com seu irmão e tem 06 filhos.
Sara está acompanhada de dois jovens e Isak concordou com a carona, estando agora com 05 passageiros. Ela falava e sorria com facilidade sendo noiva de um deles. Repete-se um triângulo amoroso no contexto.
Em uma curva, surge outro automóvel em alta velocidade em direção a eles, capotando e seus ocupantes, um casal, saem ilesos do carro, porém discutindo muito com sérias acusações. Isak os convida a levá-los em seu carro e a discussão continua, havendo agressões físicas.
A tensão do casal criou desarmonia para os viajantes e sua nora pediu que eles se retirassem.
A crise conjugal mobilizou os conflitos que todos estavam passando em relação aos seus afetos do passado e do presente, se tornando insuportável.
Isak abria seu coração à medida que incluía varias pessoas diferentes, num convívio íntimo de uma viagem de carro. Sua nora dividia com ele a direção do carro e era mais amável com todos.
Um dos rapazes era músico, tocava violão, falava de religião e de Deus, e iria ser pastor. O outro acreditava na ciência e iria ser médico. Durante o percurso, houve discussão e agressão física entre os dois. Cada um queria impor sua verdade. O que estava oculto nessa briga é a disputa por Sara que está confusa em sua decisão. Isac rememora seu conflito amoroso e também aspectos de sua personalidade dividida.
Os encontros que temos na vida são oportunidades e funcionam como espelhos de nossa alma pelos aspectos positivos ou sombrios da realidade.
O personagem Sara veio despertar em Isak, o amor Eros através da vida que ela irradiava com sua alegria espontânea e inocente de sua alma jovem e com desejo de amor ardente.
Isak despertou sua Anima, o arquétipo do feminino inconsciente no homem, responsável pela afetividade e expressão dos sentimentos, a partir da segunda metade da vida, onde a busca de dar um sentido à existência se torna mais intenso. Isak ficou mais vivo, participativo e amistoso. Ele redescobre o prazer e a alegria de viver.
A nora, também aspecto de sua anima, uma mulher inteligente que o confronta no seu masculino e ele aceita à medida que desenvolve afeto por ela e também a intenção de resgatar o filho. A relação foi se humanizando e havia uma harmonia entre eles.
Sara diz que é virgem e fuma cachimbo no carro; Isak aceita tudo e diz que os dois homens a amam. Vemos que ele está perdoando o passado e se reconciliando.
Chegam a Lund e vão ao posto de gasolina abastecer o carro. Um casal de jovens, donos do posto, o reconhece como médico da cidade que ajudou muita gente. Isak fica surpreso com o reconhecimento trazendo uma dose de otimismo e confiança para sua entrada nesta cidade onde exerceu a medicina com dedicação. O casal deu de presente a gasolina e disseram que o novo filho terá seu nome em sua homenagem. Isak diz que gostaria de ser o padrinho. Os gestos de afeto se multiplicam durante o percurso.
O grupo decide almoçar bem alegre, estando Isak bem integrado com os jovens, sorrindo e relaxado. Bebe vinho, fuma cachimbo e conta suas histórias nessa cidade como médico.
O rapaz imaginativo Anders cita um texto:
“Quando tal beleza se manifesta em cada veio da criação... como deve ser bom ser a primavera imortal.”
Victor diz que não deveriam mais discutir Deus ou Ciência nesta viagem.
Anders diz que “o homem vê a morte com medo.”
Perguntam a opinião do professor, que prefere ficar calado e diz:
“Onde está o amigo que procuro em toda parte?
O amanhecer é a hora da solidão e do carinho.
Quando o dia se vai...
Ainda não o encontrei.”
Anders diz:
“Um fogo invade meu coração,
Sinto sua presença.”
O Senhor é religioso?
Isak responde:
“Vejo sua Glória poderosa onde nascem as flores.
As flores têm perfume,
E as montanhas se elevam.”
Marianne diz:
“Seu amor está no ar que respiro.
Ouço sua voz sussurrando no vento do verão.”
Foi um almoço inspirado e a energia puer entusiasmada dos jovens se integra ao senex, o idoso onde prevalece a prudência e reflexão. Essa complementaridade proporcionou a transformação de todos.
Isak vai visitar sua mãe que reside na casa maior da cidade. Marianne o acompanha.
A mãe o recebe orgulhosa do título, o parabeniza, porém cria um constrangimento típico de sua personalidade ríspida ao pedir que a mulher se retire, imaginando que se trata da sua esposa já falecida há muito tempo, se referindo ao sofrimento que ela causou em toda a família. Trata-se de uma idosa amarga, ressentida, fria, calculista. É também um aspecto de sua anima mais importante, pois se trata de sua mãe, modelo da anima do homem.
Ela mostra uma caixa onde guarda recordações da família e Isak pede um porta-retrato onde ele está com a mãe e o irmão Sigfrid. Esse fato demonstra que ele já pode aceitar e perdoar o irmão fazendo parte do caminho da redenção antes de morrer.
Ela mostra uma boneca à sua nora que a carrega. Antes, ela a critica por não estar com o marido e não ter tido filhos. Ela exibe sua árvore genealógica com 10 filhos, 20 netos e 15 bisnetos. Diz que só lhe procuram para pedir dinheiro emprestado e estão ansiosos para receberem a herança e ela não morre.
É uma velha solitária e apesar de ter uma família numerosa, o único neto que a visita é Evald, marido de Marianne.
Na despedida, ela pede ao filho que leve um presente para o neto que vai fazer 50 anos, filho de Sigfrid e Sara. É um relógio de bolso sem ponteiros igual ao do sonho. Isak fica perplexo diante da coincidência já prenunciada no sonho revelando acontecimentos futuros.
Despedem-se da gélida anciã e encontram os dois rapazes próximos ao carro lutando fisicamente pela discussão de idéias entre religião e ciência.
A viagem prossegue e Isak está muito cansado e sonha dentro do carro.
“Vê no céu uma revoada de pássaros negros e logo em seguida avista o canteiro de morangos e Sara reaparece com um espelho pedindo que ele se veja como um velho assustado que logo morrerá, e ela tem uma vida pela frente. Pede desculpas se o ofendeu. Ele aceita suas agressões e ela coloca novamente o espelho em sua frente pedindo que não desvie o olhar e informa que vai se casar com seu irmão e que ele tente sorrir.
Como dói, ele diz. Ela se despede desqualificando-o mais ainda, correndo no campo em direção a um berço onde estava seu filho e o acalenta. “Estou aqui com você; não tenha medo”. Sara e o filho entram na casa. Repete-se a revoada dos pássaros e Isak vê através de uma janela Sara e seu irmão se encontrando amorosamente, fazendo um drinque numa refeição que parece uma celebração. A lua cheia aparece no céu. Isak olha para o berço vazio, vê a cena amorosa e olha para o céu como se implorasse algo.
Bate com insistência numa porta e se fere com um prego. Aparece um homem que o reconhece como Prof. Borg e o manda entrar. É um inspetor que vai testar sua capacidade profissional. Abre-se uma nova porta e caminham num longo corredor em direção a uma nova porta, onde existe um auditório e seus companheiros de viagem estão sentados.
O inspetor o interroga se trouxe seu livro e manda que ele identifique uma bactéria no microscópio. Ele não consegue ver nada. O inspetor diz que o primeiro dever de um médico é pedir perdão. Ele indaga se foi acusado de culpa e pede clemência durante o exame. O inspetor pede que ele faça o diagnóstico de uma paciente e ele diz que está morta. O rosto é semelhante à mulher do casal que ele deu carona; ela ri muito alto, zombando de si.
A conclusão do exame é que ele é incompetente.
Sua esposa faz acusações e ele terá que confrontá-la.
Andam por uma floresta e aparece sua mulher acompanhada por um homem que a toma nos braços com violência e a possui. O inspetor mostra que ele guardará essa imagem.
A mulher dialoga com seu amante e acusa o marido de frio e sente culpa de traí-lo.
O inspetor indaga: Percebe o silêncio?
Tudo se foi.
Qual será a pena?
A Solidão.
Isak diz para sua nora ao acordar que sonhou e “estou morto apesar de vivo.”
Ela está mais receptiva para escutá-lo.
Continuam suas elaborações através dos sonhos, aparecendo Sara um aspecto de anima cruel o desqualificando e rompendo sua ilusão amorosa, mostrando sua real escolha.
O espelho simboliza a possibilidade de enxergar a verdade.
A criança é um símbolo do Self e pode estar representando o acolhimento de uma nova atitude. O sonhador vê o encontro amoroso de Sara com seu marido e filho. É provável que ele esteja incorporando uma nova visão com aceitação da realidade. Um ciclo se fecha e o inconsciente lhe transmite mensagens para que o consciente se transforme e se recrie.
O inspetor é uma parte sua que julga e pune seus atos, desqualifica e lhe impõe um isolamento. Isak está reavaliando sua consciência e é muito rigoroso. Os personagens que assistem seu exame também são aspectos seus que estão lhe observando. O seu casamento e a morte da esposa estão passando por novas investigações.
Ele comenta seu sonho com a nora e esta confessa que seu marido também está morto vivo e tem apenas 38 anos.
Marianne recorda um diálogo com Evald dentro do carro onde informa que está grávida e este abomina a idéia de ter um filho. Ela diz que vai assumi-lo. Ele sai do carro numa tempestade e pede que ela opte entre ele e o filho. Diz: “Eu fui um filho indesejado de um casamento infernal; acho essa vida, um lixo”. Retornam ao carro e ele confessa que o necessário da vida é morrer. O sogro a ouve atentamente e diz que ela pode fumar e indaga como poderia ajudá-los. Ela responde que não quer continuar vivendo desse jeito. Esse diálogo remete ao Princípio de Thanatos, que simboliza destruição.
Nesse mesmo instante, os jovens aparecem na janela do carro bem alegres, cantando, e oferecem um ramalhete de flores do campo a Isak comemorando sua vitória como pessoa bem sucedida.
Vemos nessa cena a atitude oposta de Thanatos a Eros que é desejo de viver, construir, criar.
Estão chegando à reta final da viagem e são recebidos por Evald e Agda que hospedam os rapazes que irão assistir à cerimônia quase fúnebre tal a formalidade e as vestes negras dos participantes, desfilando para receber o prêmio numa catedral. Ele é coroado como um rei, simbolizando poder máximo que um ser humano pode alcançar. Os jovens acompanham da rua sorrindo, totalmente informais.
Isak pensa nos acontecimentos do dia e decide que irá escrever tudo que observou e vivenciou dizendo que havia uma “casualidade memorável” nos fatos.
Recolhe-se para dormir bem cansado e pede a Agda para se chamarem pelos seus nomes, tentando humanizar e criar intimidade na relação e esta se recusa dizendo que ele deve se comportar na idade dele e mantém o limite de empregada fiel que o serve com muito amor.
Os rapazes fazem uma serenata de despedida e Sara declara que o ama muito “hoje, amanhã e sempre”.
Essa declaração de Sara no presente é essencial ajudando na cicatrização do seu passado. É um aspecto de anima positiva.
Evald e Marianne se preparam para ir a um baile e o salto do sapato quebra e ela volta para trocá-lo. Observamos um simbolismo de mudança de base representada pelos sapatos.
Isak chama seu filho para um diálogo e pergunta sobre suas decisões em relação ao casamento e ele diz que não pode viver sem ela.
Marianne agradece ao sogro pela companhia e diz que gosta muito dele, que retribui o afeto com abraço e carinho.
Isak pensa deitado em sua cama: “Quando fico preocupado ou triste, tento relaxar com as lembranças de minha infância”.
Aparece Sara no local comum de encontro e diz que não sobrou nenhum morango. Titia quer que eu procure seu pai.
Ele recorda a preparação para velejar na ilha. Diz que não encontrou nem o pai nem a mãe. Sara se oferece para procurá-los. Vão pegar o veleiro no píer; andam de mãos dadas no campo aberto de flores, bem luminoso. De longe, avistam o pai e a mãe. O pai pesca e ela está mais distante, sentada defronte ao lago.
Através dessas últimas lembranças, Isak reintegra o masculino e o feminino dentro de si, o arquétipo do pai e da mãe.
Ele acorda sorrindo com seu olhar de idoso reconciliado e em paz com sua vida.
Isak faz uma ressignificação de sua história com a ajuda dos sonhos e colaboração do destino colocando essas pessoas em seu caminho para lhe ajudarem a resgatar o amor que estava escondido numa persona austera, rígida, fria e uma sombra anti-social, mal humorado, pesado, sem desejo de viver, com o coração fechado. Sua afetividade foi sendo resgatada através do reconhecimento e aceitação de sua generosidade e compaixão como médico e ser humano, seu amor pela natureza que foi expresso através de poemas, sua sensibilidade pela arte possibilitando abertura para compartilhar a vida. Ele se reencontra com um nível mais profundo de sua consciência, a anima , ponte para o self, arquétipo da união, responsável pela integração dos vários aspectos de sua personalidade.
Agora ele já pode fazer a grande travessia com mais confiança na vida e não temer a morte.
Cinema no Consultório
realizado em 11/11/2010.
Focalizadora: Verusa Silveira
(Coordenadora do Núcleo de Estudos Junguianos BA)
Recebeu prêmio no Festival Internacional de Berlim como melhor filme em 1958 (Urso de Ouro).
Em 1960 recebeu o (Globo de Ouro) na categoria de melhor filme estrangeiro.
Elenco Principal:
Victor Sjostrom – Prof. Isak Borg
Bibi Anderson – Sara
Ingrid Thulin – Marianne
Gunnar Björnstrand — Evald Borg
Björn Bjelfvenstam — Viktor
Julian Kindahl –Agda
Folke Sundquist – Anders
Naima Wifstrand – Sra Borg, mãe de Isak
O filme trata de uma jornada interior de um cientista médico de 78 anos de idade, que compartilha seus sonhos e lembranças de infância e juventude, sendo rico em simbolismo, vivenciado através de seu Processo de Individuação ou transformação, que pode ser deflagrado a qualquer momento da vida, até mesmo na velhice próximo da morte, que, aliás, é uma grande chance para o salto quântico. No filme, a mobilização se dá através de sonhos que são grandes mensageiros do inconsciente, estados alterados de consciência com visões e imagens do passado e recordações, encontros inesperados e acontecimentos sincrônicos. A mobilização provocada por esses mecanismos criaram possibilidades de encontro com suas próprias máscaras comportamentais e com a sombra.
Essa narrativa inicia com Isak em seu escritório, fazendo reflexões sobre sua vida, ao lado de um cachorro de porte aristocrata e sua postura corporal e fácies demonstra melancolia. Considera-se um velho meticuloso e difícil na convivência. Afastou-se do social e tem uma boa empregada Agda que cuida do seu cotidiano para sua sorte, durante 40 anos. Sua mulher é falecida há muitos anos. Tem uma mãe muito idosa e também vive só e permanece ativa. Tem um filho médico casado há 06 anos e não tiveram filhos.
Isak está se preparando para uma viajem à Lund, cidade onde ele irá receber um prêmio de Doutor Honoris Causa pelos cinqüenta anos de carreira como médico bacteriologista e professor exemplar.
Na véspera da viagem ao deitar, sonhou:
Durante sua caminhada matinal, ele entrava numa parte desconhecida da cidade e se perdia nas ruas desertas e solitárias com casas em ruínas num ambiente bem nebuloso.
Ele avista no alto de uma construção, pendurado na parede, um relógio grande sem ponteiros e faz uma conexão com seu relógio de bolso também sem ponteiros. Segue caminhando perdido e avista de costas um homem de chapéu e, sobretudo, semelhante a sua forma de se vestir. Vai em sua direção e o toca, aparecendo um homem sem boca e olhos como um fantasma bem ameaçador; em seguida sangra e se dissolve no chão.
O relógio badala. Aparece numa esquina uma carruagem fúnebre, com dois cavalos negros, carregando um caixão. Suas rodas ficam presas no lampião de luz da rua e se soltam, vindo na direção do sonhador, despedaçando-se na parede. A carruagem vira e o caixão abre e aparece o moribundo com as mãos abertas chamando Isak e seu rosto se assemelha ao dele.
O cenário do sonho são ruas desertas e casas em ruínas, que se refere ao espaço psíquico do sonhador nesse momento: deserto, solidão e destruição, instinto de morte prevalecendo.
Os personagens são ele mesmo, o homem sem face, e o defunto.
O relógio é um mecanismo que marca o tempo. Este no caso não pode mais fazê-lo porque está quebrado. Não há mais tempo. No inconsciente não existe tempo.
Através dos sonhos, podemos observar acontecimentos do passado, presente e futuro.
Ele acorda perplexo, amedrontado, abatido diante do sonho e decide cancelar a viajem de avião e dirigir seu próprio carro numa viagem longa de Estocolmo a Lund. Sua empregada se surpreende com a nova decisão, pois já estava preparada para acompanhá-lo. Marianne, sua nora, pede para ir junto e ele concorda.
Todas as imagens desse sonho expressam a morte.
O sonhador, um idoso, está finalizando um ciclo de sua vida, se reavaliando diante da grande travessia. O medo lhe impulsionou a assumir a direção de seu carro, se transformando em ato de coragem e teve a solidariedade da nora que também enfrentava uma crise crucial no casamento e precisava desabafar.
Acompanhar nossos sonhos traz elaborações importantes para nossa vida.
O personagem escutou seu sonho e quis contar para sua nora que não deu importância.
Durante a viagem, ela o acusou de egoísta e de que seu filho não o amava e que ela tem pena dele. Diante do abatimento, Isak decide revisitar a casa de veraneio de sua infância. Um local integrado com a natureza, defronte a um belíssimo lago com um píer de madeira. O espaço pitoresco é um canteiro de morangos, inspiração para o título do filme que se encontra no centro da vegetação frondosa.
Marianne vai se banhar no lago e Isak mergulha em suas lembranças de infância. Ele é o filho mais velho dos 10 irmãos. Sua mãe é uma mulher muito forte, autoritária, fria, dura, com feições masculinas. O pai parece ausente nas suas recordações.
Isak está bem sensível ao seu inconsciente e surgem lembranças fortes, como se fossem visões, com sua participação consciente.
Diz: “É possível que eu tivesse ficado sentimental e tivesse me interessado por coisas da minha infância”.
Essa frase demonstra que ele está saindo da razão lógica que era seu estilo de vida para observar suas emoções e intuições.
Lembranças:
Isak está submerso em seu mundo interior quando vê diante de si, no canteiro de morangos silvestres, Sara sua prima, antiga paixão de sua vida, colhendo morangos numa cesta para dar de presente ao tio que fazia aniversário. Sara é uma moça bela e sedutora; ele vê seu irmão se aproximando e a seduzindo, dando-lhe um beijo.
Ela está conflitada entre os dois irmãos que a amam, sendo Isak rejeitado, criando uma marca em sua alma, uma ferida que ele não superou.
As recordações continuam com o almoço do aniversário, com sua mãe bem autoritária dando ordens a todos e criticando as atitudes na mesa. Sara é acusada de flertar Sigfrid, irmão de Isak, e ela nega em soluços. Sai da mesa e uma das primas a acompanha e ela confessa que se sente culpada em relação à Isak que é honesto, fino, sensível, lê poesias, fala da vida após a morte e gosta de tocar piano.
O personagem era um homem muito sensível e foi se enrijecendo com o passar do tempo, se identificando com a persona para se defender de suas frustrações.
Ele recorda com muita dor, esses acontecimentos.
Sincronicamente, coincidência do destino, aparece uma jovem na sua frente, bem vivaz, de nome Sara e lhe pede carona. Ele conta que teve uma namorada chamada Sara que hoje tem 75 anos e casou com seu irmão e tem 06 filhos.
Sara está acompanhada de dois jovens e Isak concordou com a carona, estando agora com 05 passageiros. Ela falava e sorria com facilidade sendo noiva de um deles. Repete-se um triângulo amoroso no contexto.
Em uma curva, surge outro automóvel em alta velocidade em direção a eles, capotando e seus ocupantes, um casal, saem ilesos do carro, porém discutindo muito com sérias acusações. Isak os convida a levá-los em seu carro e a discussão continua, havendo agressões físicas.
A tensão do casal criou desarmonia para os viajantes e sua nora pediu que eles se retirassem.
A crise conjugal mobilizou os conflitos que todos estavam passando em relação aos seus afetos do passado e do presente, se tornando insuportável.
Isak abria seu coração à medida que incluía varias pessoas diferentes, num convívio íntimo de uma viagem de carro. Sua nora dividia com ele a direção do carro e era mais amável com todos.
Um dos rapazes era músico, tocava violão, falava de religião e de Deus, e iria ser pastor. O outro acreditava na ciência e iria ser médico. Durante o percurso, houve discussão e agressão física entre os dois. Cada um queria impor sua verdade. O que estava oculto nessa briga é a disputa por Sara que está confusa em sua decisão. Isac rememora seu conflito amoroso e também aspectos de sua personalidade dividida.
Os encontros que temos na vida são oportunidades e funcionam como espelhos de nossa alma pelos aspectos positivos ou sombrios da realidade.
O personagem Sara veio despertar em Isak, o amor Eros através da vida que ela irradiava com sua alegria espontânea e inocente de sua alma jovem e com desejo de amor ardente.
Isak despertou sua Anima, o arquétipo do feminino inconsciente no homem, responsável pela afetividade e expressão dos sentimentos, a partir da segunda metade da vida, onde a busca de dar um sentido à existência se torna mais intenso. Isak ficou mais vivo, participativo e amistoso. Ele redescobre o prazer e a alegria de viver.
A nora, também aspecto de sua anima, uma mulher inteligente que o confronta no seu masculino e ele aceita à medida que desenvolve afeto por ela e também a intenção de resgatar o filho. A relação foi se humanizando e havia uma harmonia entre eles.
Sara diz que é virgem e fuma cachimbo no carro; Isak aceita tudo e diz que os dois homens a amam. Vemos que ele está perdoando o passado e se reconciliando.
Chegam a Lund e vão ao posto de gasolina abastecer o carro. Um casal de jovens, donos do posto, o reconhece como médico da cidade que ajudou muita gente. Isak fica surpreso com o reconhecimento trazendo uma dose de otimismo e confiança para sua entrada nesta cidade onde exerceu a medicina com dedicação. O casal deu de presente a gasolina e disseram que o novo filho terá seu nome em sua homenagem. Isak diz que gostaria de ser o padrinho. Os gestos de afeto se multiplicam durante o percurso.
O grupo decide almoçar bem alegre, estando Isak bem integrado com os jovens, sorrindo e relaxado. Bebe vinho, fuma cachimbo e conta suas histórias nessa cidade como médico.
O rapaz imaginativo Anders cita um texto:
“Quando tal beleza se manifesta em cada veio da criação... como deve ser bom ser a primavera imortal.”
Victor diz que não deveriam mais discutir Deus ou Ciência nesta viagem.
Anders diz que “o homem vê a morte com medo.”
Perguntam a opinião do professor, que prefere ficar calado e diz:
“Onde está o amigo que procuro em toda parte?
O amanhecer é a hora da solidão e do carinho.
Quando o dia se vai...
Ainda não o encontrei.”
Anders diz:
“Um fogo invade meu coração,
Sinto sua presença.”
O Senhor é religioso?
Isak responde:
“Vejo sua Glória poderosa onde nascem as flores.
As flores têm perfume,
E as montanhas se elevam.”
Marianne diz:
“Seu amor está no ar que respiro.
Ouço sua voz sussurrando no vento do verão.”
Foi um almoço inspirado e a energia puer entusiasmada dos jovens se integra ao senex, o idoso onde prevalece a prudência e reflexão. Essa complementaridade proporcionou a transformação de todos.
Isak vai visitar sua mãe que reside na casa maior da cidade. Marianne o acompanha.
A mãe o recebe orgulhosa do título, o parabeniza, porém cria um constrangimento típico de sua personalidade ríspida ao pedir que a mulher se retire, imaginando que se trata da sua esposa já falecida há muito tempo, se referindo ao sofrimento que ela causou em toda a família. Trata-se de uma idosa amarga, ressentida, fria, calculista. É também um aspecto de sua anima mais importante, pois se trata de sua mãe, modelo da anima do homem.
Ela mostra uma caixa onde guarda recordações da família e Isak pede um porta-retrato onde ele está com a mãe e o irmão Sigfrid. Esse fato demonstra que ele já pode aceitar e perdoar o irmão fazendo parte do caminho da redenção antes de morrer.
Ela mostra uma boneca à sua nora que a carrega. Antes, ela a critica por não estar com o marido e não ter tido filhos. Ela exibe sua árvore genealógica com 10 filhos, 20 netos e 15 bisnetos. Diz que só lhe procuram para pedir dinheiro emprestado e estão ansiosos para receberem a herança e ela não morre.
É uma velha solitária e apesar de ter uma família numerosa, o único neto que a visita é Evald, marido de Marianne.
Na despedida, ela pede ao filho que leve um presente para o neto que vai fazer 50 anos, filho de Sigfrid e Sara. É um relógio de bolso sem ponteiros igual ao do sonho. Isak fica perplexo diante da coincidência já prenunciada no sonho revelando acontecimentos futuros.
Despedem-se da gélida anciã e encontram os dois rapazes próximos ao carro lutando fisicamente pela discussão de idéias entre religião e ciência.
A viagem prossegue e Isak está muito cansado e sonha dentro do carro.
“Vê no céu uma revoada de pássaros negros e logo em seguida avista o canteiro de morangos e Sara reaparece com um espelho pedindo que ele se veja como um velho assustado que logo morrerá, e ela tem uma vida pela frente. Pede desculpas se o ofendeu. Ele aceita suas agressões e ela coloca novamente o espelho em sua frente pedindo que não desvie o olhar e informa que vai se casar com seu irmão e que ele tente sorrir.
Como dói, ele diz. Ela se despede desqualificando-o mais ainda, correndo no campo em direção a um berço onde estava seu filho e o acalenta. “Estou aqui com você; não tenha medo”. Sara e o filho entram na casa. Repete-se a revoada dos pássaros e Isak vê através de uma janela Sara e seu irmão se encontrando amorosamente, fazendo um drinque numa refeição que parece uma celebração. A lua cheia aparece no céu. Isak olha para o berço vazio, vê a cena amorosa e olha para o céu como se implorasse algo.
Bate com insistência numa porta e se fere com um prego. Aparece um homem que o reconhece como Prof. Borg e o manda entrar. É um inspetor que vai testar sua capacidade profissional. Abre-se uma nova porta e caminham num longo corredor em direção a uma nova porta, onde existe um auditório e seus companheiros de viagem estão sentados.
O inspetor o interroga se trouxe seu livro e manda que ele identifique uma bactéria no microscópio. Ele não consegue ver nada. O inspetor diz que o primeiro dever de um médico é pedir perdão. Ele indaga se foi acusado de culpa e pede clemência durante o exame. O inspetor pede que ele faça o diagnóstico de uma paciente e ele diz que está morta. O rosto é semelhante à mulher do casal que ele deu carona; ela ri muito alto, zombando de si.
A conclusão do exame é que ele é incompetente.
Sua esposa faz acusações e ele terá que confrontá-la.
Andam por uma floresta e aparece sua mulher acompanhada por um homem que a toma nos braços com violência e a possui. O inspetor mostra que ele guardará essa imagem.
A mulher dialoga com seu amante e acusa o marido de frio e sente culpa de traí-lo.
O inspetor indaga: Percebe o silêncio?
Tudo se foi.
Qual será a pena?
A Solidão.
Isak diz para sua nora ao acordar que sonhou e “estou morto apesar de vivo.”
Ela está mais receptiva para escutá-lo.
Continuam suas elaborações através dos sonhos, aparecendo Sara um aspecto de anima cruel o desqualificando e rompendo sua ilusão amorosa, mostrando sua real escolha.
O espelho simboliza a possibilidade de enxergar a verdade.
A criança é um símbolo do Self e pode estar representando o acolhimento de uma nova atitude. O sonhador vê o encontro amoroso de Sara com seu marido e filho. É provável que ele esteja incorporando uma nova visão com aceitação da realidade. Um ciclo se fecha e o inconsciente lhe transmite mensagens para que o consciente se transforme e se recrie.
O inspetor é uma parte sua que julga e pune seus atos, desqualifica e lhe impõe um isolamento. Isak está reavaliando sua consciência e é muito rigoroso. Os personagens que assistem seu exame também são aspectos seus que estão lhe observando. O seu casamento e a morte da esposa estão passando por novas investigações.
Ele comenta seu sonho com a nora e esta confessa que seu marido também está morto vivo e tem apenas 38 anos.
Marianne recorda um diálogo com Evald dentro do carro onde informa que está grávida e este abomina a idéia de ter um filho. Ela diz que vai assumi-lo. Ele sai do carro numa tempestade e pede que ela opte entre ele e o filho. Diz: “Eu fui um filho indesejado de um casamento infernal; acho essa vida, um lixo”. Retornam ao carro e ele confessa que o necessário da vida é morrer. O sogro a ouve atentamente e diz que ela pode fumar e indaga como poderia ajudá-los. Ela responde que não quer continuar vivendo desse jeito. Esse diálogo remete ao Princípio de Thanatos, que simboliza destruição.
Nesse mesmo instante, os jovens aparecem na janela do carro bem alegres, cantando, e oferecem um ramalhete de flores do campo a Isak comemorando sua vitória como pessoa bem sucedida.
Vemos nessa cena a atitude oposta de Thanatos a Eros que é desejo de viver, construir, criar.
Estão chegando à reta final da viagem e são recebidos por Evald e Agda que hospedam os rapazes que irão assistir à cerimônia quase fúnebre tal a formalidade e as vestes negras dos participantes, desfilando para receber o prêmio numa catedral. Ele é coroado como um rei, simbolizando poder máximo que um ser humano pode alcançar. Os jovens acompanham da rua sorrindo, totalmente informais.
Isak pensa nos acontecimentos do dia e decide que irá escrever tudo que observou e vivenciou dizendo que havia uma “casualidade memorável” nos fatos.
Recolhe-se para dormir bem cansado e pede a Agda para se chamarem pelos seus nomes, tentando humanizar e criar intimidade na relação e esta se recusa dizendo que ele deve se comportar na idade dele e mantém o limite de empregada fiel que o serve com muito amor.
Os rapazes fazem uma serenata de despedida e Sara declara que o ama muito “hoje, amanhã e sempre”.
Essa declaração de Sara no presente é essencial ajudando na cicatrização do seu passado. É um aspecto de anima positiva.
Evald e Marianne se preparam para ir a um baile e o salto do sapato quebra e ela volta para trocá-lo. Observamos um simbolismo de mudança de base representada pelos sapatos.
Isak chama seu filho para um diálogo e pergunta sobre suas decisões em relação ao casamento e ele diz que não pode viver sem ela.
Marianne agradece ao sogro pela companhia e diz que gosta muito dele, que retribui o afeto com abraço e carinho.
Isak pensa deitado em sua cama: “Quando fico preocupado ou triste, tento relaxar com as lembranças de minha infância”.
Aparece Sara no local comum de encontro e diz que não sobrou nenhum morango. Titia quer que eu procure seu pai.
Ele recorda a preparação para velejar na ilha. Diz que não encontrou nem o pai nem a mãe. Sara se oferece para procurá-los. Vão pegar o veleiro no píer; andam de mãos dadas no campo aberto de flores, bem luminoso. De longe, avistam o pai e a mãe. O pai pesca e ela está mais distante, sentada defronte ao lago.
Através dessas últimas lembranças, Isak reintegra o masculino e o feminino dentro de si, o arquétipo do pai e da mãe.
Ele acorda sorrindo com seu olhar de idoso reconciliado e em paz com sua vida.
Isak faz uma ressignificação de sua história com a ajuda dos sonhos e colaboração do destino colocando essas pessoas em seu caminho para lhe ajudarem a resgatar o amor que estava escondido numa persona austera, rígida, fria e uma sombra anti-social, mal humorado, pesado, sem desejo de viver, com o coração fechado. Sua afetividade foi sendo resgatada através do reconhecimento e aceitação de sua generosidade e compaixão como médico e ser humano, seu amor pela natureza que foi expresso através de poemas, sua sensibilidade pela arte possibilitando abertura para compartilhar a vida. Ele se reencontra com um nível mais profundo de sua consciência, a anima , ponte para o self, arquétipo da união, responsável pela integração dos vários aspectos de sua personalidade.
Agora ele já pode fazer a grande travessia com mais confiança na vida e não temer a morte.
Cinema no Consultório
realizado em 11/11/2010.
Focalizadora: Verusa Silveira
(Coordenadora do Núcleo de Estudos Junguianos BA)