terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O país perdeu as forças e não consegue exigir a vacina

 Moisés Mendes

"Bolsonaro está sabotando o isolamento com a desculpa de que o país deve voltar ao normal. Mas insiste na ‘normalidade’ não pela vacinação, mas pelo prolongamento e pela intensificação da matança coletiva", escreve Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia

Bolsonaro e vacina
Bolsonaro e vacina (Foto: Reuters)
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Por Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia

Até a Hungria de Viktor Orbán começou a vacinação contra a Covid-19. Bolsonaro passa a ser o exemplo do negacionista retardatário, que não só se nega a admitir a necessidade da vacina como cumpre o papel de sabotador.

Se fossem escolher uma figura que represente o déspota em meio à pandemia, não seria Orbán, a figura seria sempre Bolsonaro. Nenhum outro governante trabalha tanto contra o seu próprio povo quanto Bolsonaro.

Sua desenvoltura como genocida não é contida porque há aceitação da imposição da sua política da morte. O país foi subjugado por Bolsonaro. Desde o começo das pesquisas com as vacinas ele avisou que se negaria a aceitar a imunização.

E foi dizendo, mês a mês, que não queria vacinas, muito menos a chinesa.
Foi manobrando e enrolando os cientistas, o Ministério Público, a Justiça, os políticos e o povo.

O povo aceitou que Bolsonaro o enrolasse sobre a vacinação. Chegamos agora ao estágio da enrolação total, completa, e a população está quieta, submissa e imobilizada.

Nem Congresso, nem Supremo, nenhuma instituição irá forçar Bolsonaro a se mexer em favor da vacina se não se sentir com respaldo político. E esse respaldo popular não existe.

É real a sensação de que as pessoas brigam mais pelo direito de se aglomerar do que de se imunizar.

Os que desejam a vacina são a grande maioria. Mas a minoria que não a refuga expressa suas vontades de forma mais consequente. Nas ruas, nas festas, nas reuniões de família, nos ajuntamentos, na afronta do comércio às leis de restrições. O negacionista é mais ativo e mais efetivo também nas redes sociais.

O militante antivacina mobilizado por Bolsonaro tem mais potência do que os preocupados em se proteger e proteger os outros. A população interessada na imunização aguarda que em algum momento a situação se reverta em favor da vacina.

O povo espera. Espera que Bolsonaro mude de opinião, que Pazuello ofereça um plano verdadeiro de compra e distribuição da vacina, que a Anvisa demonstre o desejo de agilizar a aprovação de imunizantes já aprovados em outros países.

A expectativa de que o Brasil poderá ser um dos últimos países a fazer a vacinação é criada também pelos que aceitam essa condenação. O brasileiro médio, subjugado por Bolsonaro, condenou-se a ficar para trás.

Bolsonaro está sabotando o isolamento com a desculpa de que o país deve voltar ao normal. Mas insiste na ‘normalidade’ não pela vacinação, mas pelo prolongamento e pela intensificação da matança coletiva.

A vacina não lhe interessa, porque nunca esteve nos seus planos. A vacina é coisa de João Doria, da oposição, dos cientistas, dos médicos e enfermeiros. Aceitar a vacina é ser derrotado pelos outros.

Já há vacinação em quase 20 países. Alemanha, Costa Rica, Chile Catar, Israel, Canadá, China, Suíça, Emirados Árabes, Sérvia, Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita, Bahrein, Kwait.

Neste domingo, toda a Europa começa oficialmente a vacinação. Amanhã, a Argentina aplica as primeiras doses da vacina russa.

Em menos de um mês é provável que a maioria dos países já esteja vacinando, e as previsões mais otimistas indicam que o Brasil somente iniciará a vacinação em fevereiro.

Bolsonaro disse no sábado, sobre o fato de estar atrasado: ““Ninguém me pressiona pra nada, eu não dou bola pra isso”.

O sujeito está certo de que nem pressionado é. Ministério Público e Supremo tentaram reagir, os partidos procuraram mantê-lo acuado, os cientistas o alertaram, mas não há entre a população a radicalidade do sentimento de urgência.

Bolsonaro tem o controle absoluto do extermínio. Só teremos vacina quando ele quiser. A resignação é hoje o retrato do Brasil. Nos piores momentos, os espelhos são implacáveis.


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